O estresse hídrico nas plantas é um dos maiores desafios enfrentados pela agricultura moderna, impactando diretamente a produtividade e a qualidade das colheitas.
Com a crescente escassez de recursos hídricos e as mudanças climáticas, entender os mecanismos de resposta das plantas ao déficit hídrico é essencial para desenvolver estratégias de manejo eficazes.
Neste artigo, exploraremos os conceitos de estresse hídrico, seus efeitos fisiológicos nas plantas e as práticas agronômicas que podem mitigar seus impactos, promovendo uma agricultura mais resiliente e sustentável.
Boa leitura!
O que é estresse?
Baseado em princípios físicos, um entendimento teórico do estresse pode ser aplicado a todos os grupos de organismos e ilustrado por um experimento. Ele é conhecido como conceito físico do estresse (Figura 1).
Um corpo é deformado se ele for esticado por uma força (estresse). Essa deformação é, em princípio, reversível, mas ao intensificar a força, ela se torna irreversível (Figura 1) (SCHULZE et al., 2005).
Em sistemas vivos, estresse não é uma simples força física afetando um organismo, mas uma carga de muitos fatores ambientais individuais. Além disso, o componente biológico é muito importante e outros fatores como:
• Tempo: a quantidade de estresse é um produto da intensidade e duração do estresse. Por exemplo, se a violeta-africana (Saintpaulia ionantha) for resfriada por um período de 6h a 5ºC e retornada a temperatura original (ambiente), algumas reações metabólicas podem mudar, mas nada que cause danos. No entanto, se a planta for deixada em 5ºC por 48h, um desarranjo metabólico se instala e um dano permanente ocorre.
• Reparo: As plantas são capazes de reparar danos, quando não tão severos. Um exemplo é o reparo do DNA depois de danos por radiação UV.
• Adaptação: Sob condição de estresse, as plantas são capazes de se adaptar, por exemplo, com a indução do metabolismo CAM por seca ou estresse salino.
Na fisiologia vegetal, o estresse é definido como qualquer fator externo que exerce uma influência negativa nas plantas, impedindo-as de atingir seu potencial máximo de crescimento, desenvolvimento e produtividade. Este conceito abrange uma ampla gama de condições adversas que afetam negativamente os vegetais.
As influências externas, também chamadas de fatores ambientais, podem ser de natureza biótica ou abiótica.
Os fatores abióticos de estresse incluem:
- falta ou excesso de água,
- temperatura excessivamente alta ou baixa,
- falta ou excesso de nutrientes,
- alta salinidade,
- extremos de pH no solo,
- extremos de radiação.
- estresses mecânicos como vento, granizo
- estresses associados a produtos químicos como herbicidas, metais pesados, poluentes gasosos como óxidos de nitrogênio, ozônio e dióxido de enxofre.
Por outro lado, os fatores bióticos de estresse incluem patógenos (bactérias, vírus e fungos) e herbívoros (SCHULZE et al., 2005).
Déficit hídrico
Déficit hídrico pode ser definido como o conteúdo de água de uma planta, situado abaixo do conteúdo de água mais alto exibido no estado de maior hidratação (TAIZ et al., 2017).
Efeitos do estresse hídrico nas plantas
O estresse hídrico nas plantas afeta uma série de mecanismos fisiológicos vegetais. Vejamos a seguir os principais:
- Diminuição da área foliar
À medida que o conteúdo de água de uma planta decresce, suas células se contraem diminuindo a pressão de turgidez contra as paredes celulares. Com isso, a expansão foliar e o alongamento de raízes são prejudicados. A área foliar menor causa diminuição da transpiração, conservando um suprimento limitado de água no solo. A redução da área foliar pode ser considerada a primeira linha de defesa contra a seca.
- Abscisão foliar
Se as plantas sofrerem um estresse hídrico as folhas passarão por senescência e, por fim, cairão. A abscisão devido a estresse resulta, principalmente, do aumento da síntese de etileno e da responsividade da planta a esse hormônio.
- Crescimento de raízes
A inibição da expansão foliar reduz o consumo de carbono e uma proporção maior de fotoassimilados pode ser distribuída ao sistema subterrâneo, onde eles sustentarão o crescimento das raízes em busca de água. O crescimento das raízes mais profundas pode ser considerado a segunda linha de defesa contra a seca.
- Fechamento estomático
Considerado a terceira linha de defesa contra a fala d’água, o fechamento estomático é uma proteção contra desidratação imediata.
A variação de turgescência das células-guarda modula a abertura e fechamento estomático. A perda de água dessas células diretamente para a atmosfera leva ao fechamento estomático hidropassivo. Esse mecanismo é acionado em situações de baixa umidade do ar e quando a perda de água é muita mais rápida que a absorção desta pelas células.
Por outro lado, quando toda a folha e/ou as raízes estão desidratadas, ocorre o fechamento estomático hidroativo, por ação do ácido abscísico. Portanto, a falta d’água causa um decréscimo na condutância estomática.
- Diminuição da fotossíntese
A fotossíntese é menos sensível a um decréscimo na turgidez do que a expansão foliar. No entanto, o estresse hídrico moderado afeta a fotossíntese e a condutância estomática. Durante os estágios iniciais do estresse hídrico, à medida que os estômatos se fecham, a eficiência do uso da água pode aumentar (mais CO2 absorvido por unidade de água transpirada), porque o fechamento estomático inibe mais a transpiração do que diminui as concentrações intercelulares de CO2 (Figura 2).
Além disso, como consequência do desacoplamento dos fotossistemas induzido pela desidratação, os elétrons livres produzidos pelos centros de reação não são transferidos para o NADP+, resultando na geração de espécies reativas de oxigênio (EROs).
O excesso de EROs danifica o DNA, inibe a síntese de proteínas, oxida os pigmentos fotossintéticos e causa a peroxidação dos lipídios de membrana, levando a diminuição da fotossíntese.
- Aumento do depósito de cera nas folhas
Uma resposta típica ao déficit hídrico é a produção de uma cutícula espessa nas folhas, que reduz a transpiração cuticular (perda de água pela epiderme). As ceras são depositadas tanto na superfície da cutícula quanto no seu interior.
Vasos de xilema de plantas estressadas por falta d’água tem menor área de seção transversal. Isso leva a menor condutividade hidráulica de raízes e parte aérea.
Mais efeitos do estresse hídrico podem ser consultados na tabela 1.
Tabela 1. Transtornos fisiológicos e bioquímicos em plantas causadas por alterações abióticas do ambiente
Mecanismos de resistência à seca em plantas
• Retardo da dessecação: capacidade de manter a hidratação do tecido;
• Tolerância à dessecação: capacidade de funcionar enquanto desidratada;
• Escape da seca: a planta completa seu ciclo de vida durante a estação úmida, antes do início da seca
Quais as principais causas do estresse hídrico nas plantas?
Secas prolongadas, causadas por condições meteorológicas naturais, como padrões climáticos cíclicos (El Niño e La Niña) ou causadas pela interferência humana no clima, podem levar a redução significativa do crescimento e até morte de plantas.
O manejo inadequado de irrigação também é problemático. Irrigação excessiva pode levar ao encharcamento do solo, lixiviação de nutrientes e aumento da salinidade. Por outro lado, a irrigação insuficiente pode causar déficit hídrico nas plantas.
Estresse hídrico na agricultura
O estresse hídrico é uma das principais limitações para a produção agrícola em todo o mundo. Solos demasiado secos para a produção agrícola cobrem 28% das terras do planeta (BRAY, 2004).
A falta de água adequada para o crescimento das plantas pode afetar gravemente o rendimento e a qualidade das colheitas.
Qual o impacto do déficit hídrico na agricultura?
O déficit hídrico na agricultura pode tanto resultar em diminuição no rendimento das culturas como alteração na qualidade dos produtos agrícolas.
- Diminuição do rendimento das culturas
A produção de grãos, frutos e outros produtos agrícolas é diretamente afetada pela disponibilidade de água.
O estresse hídrico durante períodos críticos de desenvolvimento, como floração e enchimento de grãos, pode resultar em perdas significativas de rendimento.
- Alteração na qualidade dos produtos
A falta de água pode afetar a qualidade dos produtos agrícolas, influenciando características como forma, forma, sabor e valor nutricional.
Para frutas e vegetais, o estresse hídrico pode levar a defeitos visuais e menor aceitação pelo mercado.
Estresse hídrico no milho
Durante a germinação e emergência, que requerem 1,5 a 3 mm de água por dia, a falta de água dificulta a absorção necessária pela semente, resultando em menos plantas emergidas, emergência lenta e desuniformidade.
Nos estádios de V1 a V5, com necessidade hídrica de 2,5 a 4,5 mm por dia, a estiagem reduz o crescimento inicial, diminui o número de folhas e aumenta a competição com plantas daninhas e a vulnerabilidade a pragas, afetando o estande da lavoura.
A partir de V6 até o florescimento, a necessidade hídrica aumenta para 4,5 a 7 mm por dia. A falta de água prejudica o tamanho potencial da espiga, a expansão de entrenós e a área foliar, resultando em plantas menores e com menor área foliar.
Durante o pendoamento-espigamento (período mais sensível à deficiência hídrica, com requerimento de 7 a 8 mm por dia), a falta de água e altas temperaturas aumentam a defasagem entre os florescimentos masculino e feminino, diminuindo o número de óvulos fertilizados e a produção de grãos, resultando em queda drástica no rendimento.
Durante o enchimento de grãos, a necessidade hídrica inicial é de 8 mm por dia, decrescendo até a maturação. A falta de água acelera a senescência foliar e reduz a atividade fotossintética, levando a grãos mais leves e menor rendimento (SEMENTES BIOMATRIX, 2021).
Estudo de Bergamaschi et al. (2006) demonstrou que o déficit hídrico tem maior impacto sobre o rendimento de grãos de milho quando ocorre no período de florescimento.
Estresse hídrico na soja
A soja necessita de 450 a 700 mm de água ao longo de seu ciclo, sendo sensível ao estresse hídrico, especialmente no início do desenvolvimento reprodutivo, quando pode ocorrer o abortamento de legumes e grãos.
Para uma boa germinação, é necessário que a semente absorva no mínimo 50% do seu peso em água. A necessidade hídrica aumenta durante o desenvolvimento, chegando a 7 a 8 mm/dia nas fases de floração e enchimento de grãos (GATELLI et al., 2022).
Estudo de Gava et al. (2015) demonstrou que o déficit hídrico resultou em perdas significativas de produtividade quando ocorreu na fase de enchimento de grãos.
Estratégias de manejo para atenuar o estresse hídrico
Como ajudar um produtor a diminuir os prejuízos que o estresse hídrico pode causar na maioria das plantas?
Algumas estratégias podem ser usadas para mitigar as consequências do déficit hídrico, como:
- Melhoria das técnicas de irrigação
Irrigação por gotejamento: Fornece água diretamente às raízes das plantas, minimizando a evaporação e aumentando a eficiência do uso da água.
Irrigação deficitária controlada: Aplica água em momentos críticos do ciclo de crescimento das plantas para maximizar a produtividade com menos água.
- Uso de cultivares resistentes
O desenvolvimento de variedades de plantas que são mais tolerantes à seca pode melhorar a resiliência das culturas ao estresse hídrico.
Tolerância ao estresse é a aptidão da planta para enfrentar um ambiente desfavorável. Se a tolerância aumenta como consequência de exposição anterior ao estresse, diz-se que a planta está aclimatada.
- Práticas agronômicas sustentáveis
Rotação de culturas: Ajuda a manter a saúde do solo e a retenção de água.
Cobertura do solo: Utilização de palha ou plantas de cobertura para reduzir a evaporação e melhorar a retenção de umidade no solo.
Agricultura de conservação: Inclui práticas como plantio direto, que reduz a perturbação do solo e melhora a retenção de água, já que a compactação do solo também influencia no déficit hídrico, pois reduz a infiltração de água e intensifica a sua perda por escoamento, além de limitar o crescimento das raízes.
- Adoção de tecnologias avançadas
Sensores de umidade do solo: Monitoram a umidade em tempo real, permitindo uma irrigação mais precisa e eficiente.
Drones e imagens de satélite: Monitoram a saúde das culturas e identificam áreas que necessitam de atenção, otimizando a gestão da água.
- Manejo nutricional adequado
O uso de bioestimulantes como aminoácidos, bactérias promotoras de crescimento, fungos micorrízicos arbusculares, extratos de algas e plantas, entre outros, pode desempenhar um papel crucial na mitigação do estresse hídrico em plantas.
Em condições de estresse hídrico, aminoácidos como a prolina acumulam-se nas células, ajudando a estabilizar as membranas celulares e as estruturas de proteínas.
Eles atuam como osmólitos, ajudando a manter a pressão osmótica dentro das células e a retenção de água. A aplicação de aminoácidos exógenos pode ajudar a reforçar a resistência ao estresse hídrico, melhorando a capacidade das plantas de reter água e manter processos metabólicos vitais.
Bioestimulantes são substâncias ou microrganismos aplicados às plantas com o objetivo de melhorar a eficiência dos nutrientes, a qualidade das plantas e a resistência aos estresses abióticos. Eles incluem ácidos húmicos e fúlvicos, extratos de algas e compostos orgânicos. Bioestimulantes melhoram a estrutura do solo e a capacidade de retenção de água, aumentando a disponibilidade de nutrientes para as plantas.
A aplicação de bioestimulantes pode promover um desenvolvimento radicular mais profundo, permitindo que as plantas acessem água em camadas mais profundas do solo.
Eles também ajudam a melhorar a eficiência da fotossíntese e a produção de hormônios de crescimento, o que pode compensar os efeitos negativos do estresse hídrico.
Estudo de Cavalcante et al. (2020) demostrou que o uso de bioestimulantes promoveu uma maior resiliência no déficit hídrico, bem como aumentos de produtividade expressivos na cultura da soja.
Promotores de crescimento incluem hormônios vegetais como auxinas, citocininas, giberelinas e ácido abscísico. Esses hormônios regulam vários processos de crescimento e desenvolvimento, incluindo a divisão celular, alongamento celular e diferenciação.
Em condições de estresse hídrico, promotores de crescimento podem ajudar a regular a abertura e fechamento dos estômatos, reduzindo a perda de água através da transpiração.
A aplicação exógena de promotores de crescimento pode ajudar a manter o crescimento das plantas durante períodos de estresse hídrico, promovendo a divisão celular e o desenvolvimento radicular. Citocininas podem retardar o envelhecimento das folhas e manter a fotossíntese ativa, enquanto o ácido abscísico pode induzir o fechamento estomático para conservar água.
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Conclusão
O estresse hídrico representa um desafio significativo para a produção agrícola mundial, impactando negativamente o crescimento e a produtividade das plantas.
A compreensão dos mecanismos fisiológicos e bioquímicos que as plantas utilizam para enfrentar esse estresse é fundamental para desenvolver estratégias eficazes de manejo.
Técnicas de irrigação aprimoradas, uso de cultivares resistentes, práticas agronômicas sustentáveis e adoção de tecnologias são essenciais para mitigar os efeitos do déficit hídrico.
Além disso, a aplicação de bioestimulantes, aminoácidos e promotores de crescimento podem aumentar a resiliência das plantas ao estresse hídrico, garantindo uma maior produção agrícola além de sustentabilidade.
Continuar com pesquisas e a implementação dessas estratégias é vital para assegurar a segurança alimentar em um cenário de mudanças climáticas e recursos hídricos limitados.
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Referências
BRAY, E. A. Genes commonly regulated by water-deficit stress in Arabidopsis thaliana. Journal of Experimental Botany, 55 p. 2331–2341, 2004.
CAVALCANTE, W. S. S.; SILVA, N. F.; TEIXEIRA, M. B.; CABRAL FILHO, F. R.; NASCIMENTO, P. E .R.; CORRÊA, F. R. Eficiência dos bioestimulantes no manejo do déficit hídrico na cultura da soja. Irriga, Inovagri, Notas Técnicas, Botucatu, v. 25, n. 4, p. 754-763, 2020.
GATELLI, A. E. P.; FOCHESATTO, E.; VANIN, J.P.; VIAN, A. L.; BREDEMEIER, C. Parâmetros fisiológicos da soja sob estresse hídrico. Revista Cultivar, 2022.
GAVA, R.; FRIZZONE, J. A.; SNYDER, R. L.; JOSE, J. V.; FRAGA JUNIOR, E. F.; PERBONI, A. Estresse hídrico em diferentes fases da cultura da soja. Revista Brasileira de Agricultura Irrigada, v. 9, n. 6, p. 349-359, 2015.
SCHULZE, E.D.; BECK, E.; MÜLLER-HOHENSTEIN, K. Plant Ecology. Springer 2005.
SEMENTES BIOMATRIX. Estresse hídrico na cultura do milho: como minimizar os efeitos negativos. Disponível em: https://sementesbiomatrix.com.br/blog/produtividade/estresse-hidrico/#:~:text=Estresse%20h%C3%ADdrico%20em%20plantas%20%C3%A9,cultura%20de%20milho%20no%20Brasil. Acessado em 09/07/2024.
TAIZ, L.; ZEIGER, E.; MOLLER, I. M.; MURPHY, A. Fisiologia e Desenvolvimento Vegetal. 6ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2017.
Sobre o autor:
Gabriel Daneluzzi
Gestor de Tráfego na Agroadvance
- Biológo (UNESP)
- Mestre e doutor em Fisiologia e Bioquímica de Plantas (ESALQ/USP)