A agricultura é uma atividade altamente dependente de fatores climáticos, como temperatura, regime de chuvas, umidade do solo e radiação solar.
Nos últimos anos, temos testemunhado quebras de safra e mudanças nos padrões de chuvas, como chuvas em excesso na região Sul e secas na região central do Brasil, que resultam em prejuízos tanto aos produtores rurais quanto à população urbana, devido ao impacto na produção de alimentos e nos preços.
Essas mudanças são atribuídas, em grande parte, às alterações significativas nas variáveis climáticas do planeta, especialmente relacionadas à temperatura e ao regime hídrico. São os impactos das mudanças climáticas na agricultura.
A ação humana tem desempenhado um papel significativo nesses fenômenos, principalmente devido às emissões de gases de efeito estufa, decorrentes da queima de combustíveis fósseis, atividades industriais, queimadas e desmatamento ilegal.
Diante desse cenário, é crucial compreender as ações que podem ser adotadas para mitigar esses impactos, tanto dentro quanto fora das propriedades agrícolas. Vamos explorar neste artigo o conceito de mudanças climáticas, seus impactos na agricultura e as medidas que o setor agropecuário e os produtores podem tomar para enfrentar esses desafios.
Boa leitura!
Impacto das mudanças climáticas na Agricultura
A agricultura é intrinsecamente dependente das condições do clima, tornando-a vulnerável às mudanças climáticas. Os principais impactos das mudanças climáticas na agricultura incluem:
Alteração nos fatores abióticos (temperatura e precipitação).
São tendências relacionadas com as mudanças climáticas:
- Aumento das temperaturas médias anuais ou sazonais,
- Mudanças nos padrões de precipitação (tanto aumentos quanto diminuições, dependendo da região geográfica),
- Maior frequência de eventos climáticos extremos, como:
- ondas de calor,secas,incêndios florestais,
- inundações.
O relatório do IPCC de Mudanças Climáticas 2023, aponta que A temperatura da superfície global aumentou 1,1ºC até 2011-2020 em comparação a 1850-1900 (Figura 1) e que no curto prazo, é provável que o aquecimento global atinja 1,5ºC.
Com o aumento da temperatura do planeta as mudanças regionais no clima médio e nos extremos se tornam mais generalizadas e pronunciadas (Figura 2).
O aumento na frequência, duração e intensidade de eventos climáticos extremos, como as secas e inundações, representam uma grave ameaça para a agricultura global. Exemplos incluem a seca que atingiu o Brasil em 2022 e as inundações que ocorreram em maio de 2024 no Rio Grande do Sul. Esses fenômenos impactam quase todas as regiões e muitos países, comprometendo a produção agrícola e a segurança alimentar mundial. No Brasil essas variações são fortemente influenciadas pelos Fenômeno do El Niño e La Ninã.
Os impactos diretos da mudança climática na agricultura brasileira incluem:
- estresse térmico mais frequente,
- escassez de água potável,
- danos à produção agrícola e
- Danos às propriedades rurais devido ao aumento das inundações.
Alterações nos fatores bióticos (pragas e doenças)
As mudanças climáticas favorecem o crescimento de plantas daninhas, a incidência de pragas e doenças, a perda de nutrientes, a erosão a diminuição da fertilidade do solo.
O desenvolvimento de doenças de plantas é influenciado pelo triângulo da doença, que compreende a interação entre um hospedeiro suscetível, um patógeno virulento e um ambiente favorável. Mudanças climáticas, como variações de temperatura e precipitação, alteram esse equilíbrio, criando condições que podem favorecer ou inibir o desenvolvimento de doenças.
Impactos Diretos e Indiretos
- Distribuição Geográfica e Temporal dos Patógenos: A gama de temperaturas e outros fatores climáticos determinam onde os patógenos podem prosperar. Mudanças climáticas podem expandir ou restringir essas áreas, afetando a distribuição geográfica de doenças. Além disso, a ocorrência sazonal de doenças pode mudar, com patógenos aparecendo em diferentes épocas do ano.
- Umidade e Precipitação: O aumento da umidade durante a estação de crescimento pode favorecer a produção de esporos e a dispersão de patógenos, enquanto doenças como o oídio prosperam em condições de baixa umidade. A precipitação intensa pode aumentar a dispersão de propágulos por gotas de chuva, enquanto ventos fortes podem transportar inóculos por longas distâncias.
- Sobrevivência dos Patógenos: A sobrevivência dos patógenos durante períodos desfavoráveis, como o inverno, é crucial para o ciclo de doenças. Mudanças na temperatura do solo e na duração das estações podem influenciar a sobrevivência e a quantidade de inóculo disponível para a próxima estação de cultivo.
Exemplos de Alterações Fitossanitárias
Ainda existem poucos casos comprovados de doenças fitossanitárias associadas às mudanças climáticas. Isso ocorre devido à necessidade de longos períodos de observação para correlacionar mudanças na ocorrência de pragas e doenças com variáveis climáticas alteradas. A falta de séries históricas de problemas fitossanitários e a influência de diversos outros fatores, como tratos culturais, nutrição das plantas e cultivares utilizadas, também dificultam essa correlação.
Ainda assim, alguns casos específicos foram comprovados, e ilustram como as mudanças climáticas têm alterado a dinâmica de pragas e doenças:
- Dothistroma septosporum em Pinus contorta (British Columbia, Canadá): A expansão da queima-das-acículas correlacionou-se com o aumento da frequência de chuvas de verão, resultando em infecções generalizadas.
- Dendroctonus ponderosae (British Columbia, Canadá): Mudanças na precipitação e aumento da temperatura favoreceram epidemias desse besouro, levando a maiores emissões de gases de efeito estufa devido à morte das árvores.
- Declínio do Pinus sylvestris (Alpes Italianos e Suíços): Seca e altas temperaturas predisporam as árvores a ataques de besouros, resultando em uma alta taxa de mortalidade.
- Requeima da Batata (Finlândia): Mudanças climáticas tornaram o clima mais favorável à doença, aumentando significativamente a venda de fungicidas.
Redução dos rendimentos das culturas e áreas cultiváveis.
As mudanças climáticas afetam a produção, pois as culturas são sensíveis a diferentes temperaturas do ar e aos níveis de CO2 na atmosfera.
Temperaturas mais altas e precipitação reduzida levam à aridez, déficit hídrico, desertificação, aumento da evapotranspiração e redução no potencial produtivo das culturas.
Simulações realizadas pelo IPCC (2023), mostrando os possíveis impactos das mudanças climáticas na produção de milho no mundo. Os resultados indicam (Figura 2) o que ocorrerá caso os aumentos de temperatura aumentem de 1,6-2,4ºC, de 3,3-4,8ºC e 3,9–6ºC até 2100, em comparação com as temperaturas médias de 1986-2005.
- Um aumento de 1,6°C (estamos próximo de chegar a 1,5ºC em curto prazo) terá consequências significativas na produção de milho mundial, com as principais regiões produtoras (incluindo o Brasil) tendo reduções na produção de ordem de 3 a 15%.
- Com um aumento de temperatura da ordem de 2,9 a 6,0ºC, as reduções na produção de milho podem chegar na ordem de 20 a 35%.
No entanto, as previsões indicam que há impactos positivos das mudanças climáticas para a produtividade das culturas em climas temperados, que se refletem no aumento da produtividade em algumas regiões do planeta, potencializada por estações de crescimento mais longas e a expansão para o norte de culturas como trigo, arroz e milho.
O aumento de condições climáticas extremas também pode reduzir a área apta a agricultura, principalmente em épocas em que há maior risco climático, como na entressafra.
Perdas econômicas e aumento dos custos de mão-de-obra e equipamentos.
As mudanças climáticas não afetam apenas a produtividade das culturas, mas também têm um impacto significativo nas finanças dos agricultores. As principais consequências econômicas incluem:
Aumento dos Custos Operacionais
Mão-de-Obra: Eventos climáticos extremos, como secas e inundações, podem danificar infraestruturas agrícolas, aumentando a necessidade de mão-de-obra para reparos e manutenção. Condições climáticas adversas também podem tornar o trabalho no campo mais difícil e perigoso, exigindo salários mais altos para atrair e manter trabalhadores.
Equipamentos e Insumos: Condições climáticas severas podem acelerar o desgaste dos equipamentos agrícolas, resultando em custos mais altos de manutenção e substituição. Além disso, há a necessidade de investir em tecnologias avançadas, como sistemas de irrigação eficientes e maquinário resistente a condições adversas, o que eleva os custos de capital.
Seguros e Créditos: Com o aumento da frequência e gravidade de eventos climáticos extremos, os prêmios de seguro agrícola podem aumentar significativamente. Os agricultores também podem enfrentar dificuldades em obter crédito devido ao maior risco percebido pelos credores.
Impactos na Lucratividade
Redução na Qualidade e Quantidade da Produção: Mudanças climáticas podem levar a colheitas menos abundantes e de qualidade inferior, reduzindo a receita dos agricultores. A variabilidade na produção também pode dificultar a previsão de rendimentos e o planejamento financeiro.
Prejuízos Diretos: Eventos climáticos severos, como tempestades e geadas fora de época, podem causar perdas diretas de safra, resultando em prejuízos financeiros imediatos.
Desafios Logísticos
Transporte e Armazenamento: Condições climáticas extremas podem complicar o transporte e o armazenamento de produtos agrícolas. Inundações e deslizamentos de terra podem danificar estradas e infraestruturas logísticas, aumentando os custos de transporte e distribuição.
Aumento dos Preços dos Insumos: Escassez de insumos, como fertilizantes e pesticidas, devido a problemas climáticos em regiões produtoras, pode elevar os preços, aumentando os custos de produção.
Investimentos Necessários para Adaptação
Tecnologias de Adaptação: Para mitigar os impactos das mudanças climáticas, os agricultores precisarão investir em novas tecnologias e práticas agrícolas sustentáveis. Isso inclui sistemas de irrigação avançados, variedades de culturas resistentes ao clima e técnicas de manejo do solo e da água.
Capacitação e Educação: Os agricultores também terão que investir em educação e treinamento para aprender a usar novas tecnologias e implementar práticas agrícolas resilientes. Isso pode incluir custos de treinamento e a contratação de consultores especializados.
Mudanças climáticas e agricultura: Estratégias de adaptação
Os impactos das mudanças climáticas na agricultura variam conforme a região, exigindo uma combinação diversificada de ações de adaptação.
- Em nível local, agricultores podem adotar práticas como o plantio de culturas resistentes à seca e o uso eficiente da água.
- Em nível regional, políticas de suporte e seguros agrícolas são fundamentais para mitigar os riscos.
- Em nível nacional, a integração de políticas públicas que promovam a resiliência e a sustentabilidade é crucial.
Principais Ações Recomendadas para Mitigar as Mudanças Climáticas na Agricultura
- Diversificação de Culturas: Introdução de variedades de culturas mais resistentes a condições climáticas adversas, como secas e inundações.
- Melhoria na Gestão de Recursos Hídricos: Investimento em sistemas de irrigação eficientes e técnicas de captação de água da chuva para garantir a disponibilidade de água durante períodos de seca.
- Adoção de Tecnologias Agrícolas: Implementação de técnicas de manejo sustentável, como a rotação de culturas e a agricultura de conservação, para melhorar a saúde do solo e a produtividade.
- Políticas de Apoio Governamental: Desenvolvimento de políticas públicas que incentivem a adoção de práticas sustentáveis e ofereçam suporte financeiro e técnico aos agricultores.
- Seguros Agrícolas: Implementar seguros que cubram perdas devido a eventos climáticos extremos.
- Educação e Capacitação: Programas de capacitação para agricultores sobre práticas agrícolas resilientes e o uso de tecnologias inovadoras.
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Referências
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WALSH, M. K.; BACKLUND, P.; L. BUJA, L.; DeGAETANO, A.; MELNICK, R.; L. PROKOPY, L.; TAKLE, E.; TODEY, D.; ZISKA. L. 2020. Climate Indicators for Agriculture. USDA Technical Bulletin 1953. Washington, DC. 70 p. DOI: 10.25675/10217/210930.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)