O Agave, uma planta de metabolismo CAM, é a nova aposta de pesquisas brasileiras para a inovação na produção de energia, incluindo a produção de etanol, biogás e biochar. As plantas CAM concentram carbono e economizam água, tornando-as ideais para ambientes desafiadores, como o clima semiárido do Sertão Brasileiro.
Embora o ciclo de cultivo do agave seja longo (cinco anos), produz impressionantes 880 toneladas de biomassa com alta densidade energética para cada hectare de plantação e com uma notável eficiência de uso da água.
Enquanto a cana-de-açúcar necessita de 1.200 a 1.800 milímetros de chuva por ano, por hectare, o agave prospera com uma faixa muito mais modesta de 300 a 800 milímetros, sendo capaz de sobreviver a períodos prolongados de escassez de precipitação (MATEUS, 2022).
Este artigo explora o metabolismo das plantas CAM, com foco no agave, e seu potencial na produção de etanol no Brasil. Vamos descobrir como essas plantas realizam a fotossíntese e economizam água, contribuindo para a sustentabilidade ambiental.
Fotossíntese das espécies C3, C4 e CAM
A fotossíntese, ao final das etapas fotoquímica e bioquímica, captura energia luminosa e a transforma em energia química. Para tanto, as plantas evoluíram 3 tipos de metabolismo: C3, C4 e CAM, à medida que tinham que se adaptar aos vários ambientes da Terra.
A fotossíntese C4 e CAM representam duas modificações do metabolismo C3 para a assimilação de carbono. Os metabolismos C4 e CAM são traços genéticos complexos que surgiram de modo independente múltiplas vezes durante a evolução dos vegetais.
Plantas C4 e CAM possuem um mecanismo concentrador de carbono ao redor da rubisco, sendo que nas C4 esse mecanismo funciona separando espacialmente a fase fotoquímica e o Ciclo de Calvin-Benson. Já nas plantas CAM há uma separação temporal entre a captura inicial de CO2 e o Ciclo de Calvin, como veremos a diante.
E como essa diferença se traduz em termo de características agronômicas? Vejamos na Tabela 1.
Tabela 1. Comparação de características agronômicas típicas relacionadas com a produtividade da biomassa seca da parte aérea, a eficiência do uso da água (integrada ao longo de 24 h) e a procura de água pelas culturas cultivadas pertencentes às diferentes vias fotossintéticas: C3, C4 e CAM.
Características agronômicas | Via fotossintética | ||
CAM | C3 | C4 | |
Produtividade média da parte aérea [Mg (toneladas) ha-1 ano-1] | 43 | 35 | 49 |
Eficiência no uso da água (mmol CO2 por mol H2O) | 4-10 | 0,5–1,5 | 1–2 |
Demanda hídrica das culturas (Mg H2O ha-1 ano-1) | 2.580–6.450 | 14.000–42.000 | 14.000–28.000 |
Ocorrência de plantas CAM
O metabolismo CAM (Metabolismo Ácido das Crassuláceas), é assim chamado pois foi observado inicialmente em Bryophyllum calycinum, um membro da família Crassulaceae. As plantas com esse metabolismo são chamadas de plantas CAM ou plantas MAC.
Hoje em dia, sabemos que plantas CAM estão presentes em 35 famílias totalizando cerca de 20.000 espécies (OSMOND 2007; SILVEIRA et al. 2010), incluindo espécies desérticas, epífitas tropicais e até mesmo plantas aquáticas, resultando em uma grande variação fenotípica (DODD et al., 2002).
Destacam-se as famílias Crassulaceae, Cactaceae, Orchidaceae, Bromeliaceae, Liliaceae, Euphorbiaceae entre outras.
Plantas CAM de importância agronômica
Como exemplos de plantas CAM destaco cactos, orquídeas, abacaxi e agave.
O agave é uma espécie de suculenta típica de regiões semiáridas, muito cultivada no México para a produção de tequila e no sertão nordestino, para a produção de sisal. O Brasil é o maior produtor mundial dessa fibra, que é utilizada na produção de cordas, tapetes e cestarias.
O agave tem sido alvo de importantes pesquisas para seu uso como matéria-prima para produção de biocombustíveis, que concluíram que essa planta é promissora.
No Brasil, a Universidade de Campinas (UNICAMP), Shell e Senai Cimatec firmaram uma parceria para a formação do programa BRAVE (Brazil Agave Development). A iniciativa tem o objetivo de desenvolver o agave como fonte de energia limpa com ganhos econômicos, ambientais e sociais.
Com agave poderá ser produzido etanol de primeira e segunda gerações e biogás, em uma unidade fabril conhecida como biorrefinaria.
Uma pesquisa feita na Austrália estimou que em um hectare de agave, seja possível produzir 7,4 mil litros de etanol. Esse mesmo estudo mostrou que após a primeira colheita, entre 3 a 5 anos, o agave pode render até 10 vezes mais biomassa por hectare que a cana. E tem uma vantagem, demanda 80% menos irrigação e uso de fertilizantes.
Através do agave, também é possível produzir biochar, uma espécie de carvão orgânico utilizado na agricultura como fertilizante e condicionante de solo.
Em uma segunda etapa, o projeto Brave vai investir no desenvolvimento de técnicas de mecanização para plantio, colheita e processamento, fundamentais para conseguir escala.
No âmbito social, o desenvolvimento da cadeia de produção e transformação do agave, pode impactar de forma positiva o sertão nordestino ao gerar emprego e renda.
Metabolismo CAM
A captura do CO2 está separada temporalmente da fixação pelo Ciclo de Calvin-Benson. Durante a noite, com os estômatos abertos, o CO2 se difunde pelo ostíolo e entra nas células do mesofilo foliar. O CO2 gasoso, vindo tanto da atmosfera quanto da respiração celular, é convertido a HCO3– no citosol.
Em seguida, a enzima PEP carboxilase (PEPcase) fixa o HCO3– no fosfoenolpiruvato (PEP), oriundo do metabolismo noturno do amido do cloroplasto, formando o oxalacetato, um composto de 4 carbonos.
O oxalacetato é reduzido a malato pela enzima malato desidrogenase, e este é armazenado no vacúolo enquanto é noite.
Durante o dia, quando os estômatos estão fechados, o malato é direcionado de volta ao citosol, onde será transformado em piruvato e CO2, que é refixado nos cloroplastos pela rubisco no ciclo de Calvin-Benson (Figura 1).
As altas concentrações de CO2 ao redor do sítio ativo da rubisco, podendo chegar a 10.000 ppm, minimizam a fotorrespiração (LEEGOOD, 2013). Para efeito de comparação, o CO2 atmosférico está em torno de 400 ppm.
As enzimas PEPcase de plantas C4 e CAM são reguladas de maneiras diferente para atender os diferentes metabolismos. A PEPcase C4 é funcional durante o dia e inativa à noite, sendo que o contrário ocorre na PEPcase CAM. Isso ocorre por mecanismos de fosforilação através da enzima PEPcase-quinase, que é produzida ou degradada, a depender da necessidade.
O metabolismo CAM é um mecanismo para economizar água
As folhas das plantas CAM têm adaptações para minimizar a perda de água, como cutículas espessas, grandes vacúolos, estômatos com pequenas aberturas e em baixa densidade.
As plantas CAM têm uma frequência estomática de, aproximadamente, 2.500 estômatos/ cm2, ao passo que as C3 têm 20.000 estômatos/cm2.
O fechamento dos estômatos durante o dia minimiza a perda de água, o que confere as plantas CAM alta eficiência do uso da água, permitindo que elas sobrevivam em ambientes com pouca disponibilidade hídrica.
Atributos genotípicos e fatores ambientais modulam o metabolismo CAM. Apesar de algumas plantas CAM terem esse metabolismo obrigatório (ex. Kalanchoe), outras exibem a fotossíntese C3 e CAM quando necessárias. A Clusia e o agave utilizam o metabolismo CAM quando a água é escassa e o C3 quando a água é abundante.
Outras condições ambientais, como salinidade, luz e temperatura, quando fatores estressantes, também contribuem para a indução do metabolismo CAM nessas plantas ditas CAM facultativas.
Curiosamente algumas plantas CAM são aquáticas, se aproveitando desse mecanismo para concentração de CO2, já que em ambientes aquáticos existe uma alta resistência à difusão de gases.
CAM Biodesign
Projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que o planeta atingirá 10,43 bilhões de habitantes em 2080. Isso significa que a demanda global por alimentos e energia só vai aumentar, ao passo que as terras agricultáveis vão diminuir. Tudo isso em um cenário de mudanças climáticas e poluição ambiental.
A fim de superar essas questões, há uma necessidade urgente de otimizar a agricultura do modo que é feita hoje e isso passa por aumentar a eficiência do uso da água das plantas e manter altas produtividades.
Atualmente, além do projeto de transformar o metabolismo fotossintético do arroz para C4, existem pesquisas para transferir a maquinaria metabólica CAM para culturas do tipo C3 por meio de engenharia genética, biologia sintética e edição gênica. Tal iniciativa recebeu o nome de CAM Biodesign e as pesquisas começaram em Arabidopsis e Populus (LIM et al., 2019).
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Referências
BORLAND, A.M.; GRIFFITHS, H.; HARTWELL, J.; SMITH, A.C. Exploiting the potential of plants with crassulacean acid metabolism for bioenergy production on marginal lands. Experrimental Botany, v. 60, p. 2879-2896, 2009. DOI: 10.1093/jxb/erp118.
DODD, A.N., BORLAND, A.M., HASLAM, R.P., GRIFFITHS, H., MAXWELL, K. Crassulacean acid metabolism: plastic, fantastic. Journal of Experimental Botany, v. 53, p. 569–580, 2002.
https://capitalreset.uol.com.br/transicao-energetica/biocombustiveis/shell-investe-r-30-milhoes-para-transformar-agave-na-cana-do-sertao/. Acessado em 29/10/2023.
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https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2022/11/09/parceria-preve-pesquisas-sobre-potencial-energetico-do-agave. Acessado em 24 de outubro de 2023.
LEEGOOD, R.C. Photosynthesis. In: Encyclopedia of Biological Chemistry II. LENNARZ, W.J.; LANE, M.D. Ed. Academic Press, p. 492-496, 2013.
LIM, S. D.; LEE, S. CHOI, W. G.; YIM, W. C.; CUSHMAN, J. C. Laying the Foundation for Crassulacean Acid Metabolism (CAM) Biodesign: Expression of the C4 Metabolism Cycle Genes of CAM in Arabidopsis. Frontiers in Plant Science, 11, 2019.
MATEUS, F. O futuro da energia está no agave? Jornal da UNICAMP, v. 680, p.11. 2022. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/index.php/ju/680/o-futuro-da-energia-esta-no-agave. Acesso: 01 de novembro de 2023.
OSMOND, C.B. Crassulacean Acid Metabolism: Now and Then. In: ESSER, K., LÖTTGE, U., BEYSCHLAG, W., MURATA, J. (eds) Progress in Botany. v. 68. Springer, Berlin, Heidelberg, 2007.
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Sobre o autor:
Gabriel Daneluzzi
Gestor de Tráfego na Agroadvance
- Biológo (UNESP)
- Mestre e doutor em Fisiologia e Bioquímica de Plantas (ESALQ/USP)