Você já parou para pensar que sob nossos pés, milhares de pequenos organismos trabalham incansavelmente para manter o solo saudável? O solo é um universo dinâmico e complexo, que desempenha funções essenciais para nós humanos e para os ecossistemas.
Algumas dessas funções são: produção de alimentos, fibras e combustíveis; regulação do clima, ciclagem de nutrientes, retenção e purificação de água, manutenção da biodiversidade, sequestro de carbono, dentre outros.
A fauna do solo inclui organismos microscópicos (exemplo: nematoides, ácaros e colêmbolos), até os facilmente visíveis (minhocas, aranhas, formigas, cupins e besouros), cuja biodiversidade mundial ultrapassa 900 mil espécies conhecidas (Parron et al., 2015).
O uso do solo reflete na comunidade de organismos presentes no ecossistema. Sob manejo adequado, estes organismos podem melhorar a estrutura e agregação do solo, matéria orgânica, fertilidade, infiltração da água, dentre outros benefícios.
Na agricultura, a presença da macrofauna pode influenciar na produtividade das lavouras, pois promovem solos mais ricos e resilientes, crucial para o equilíbrio ambiental e produção de alimentos.
Vamos conhecer um pouco sobre a macrofauna edáfica do solo, quais funções ecológicas desempenham e como podemos contribuir para que esses organismos favoreçam cada vez mais a saúde do solo?
Boa leitura!
O que é macrofauna edáfica e quais as suas principais características?
O solo é o substrato necessário para a grande parte da biodiversidade global e está entre os mais biologicamente ricos em habitats e espécies do planeta. Pelo amplo desempenho de biofunções, torna-se importante seu estudo e caracterização.
A fauna do solo refere-se à comunidade de invertebrados que habita o solo permanentemente ou durante parte de seu desenvolvimento. Esses organismos variam em tamanho e diâmetro e afetam o funcionamento solo de diferentes formas, sendo classificados como microfauna, mesofauna e macrofauna, de acordo com o diâmetro do corpo dos organismos (Tabela 1).
Com base nessa classificação, os organismos apresentam diferentes estratégias de alimentação e adaptação ao ambiente, pois a desenvoltura desses animais em transportar, ingerir, ou modificar a estrutura do solo é geralmente relacionada ao tamanho do corpo.
A macrofauna edáfica do solo, portanto, é o grupo de invertebrados com diâmetro corporal de 2mm a 20mm, como minhocas, coleópteros em estado larval e adultos, centopeias, cupins, formigas, piolhos de cobra, tatuzinhos e aracnídeos. Esses organismos desempenham papel fundamental no solo, atuando como agentes no processo de mineralização e humificação da matéria orgânica, contribuindo para a fertilidade e estrutura do solo.
Tabela 1. Classificação da fauna do solo
Categoria | Principais representantes | Atuação no solo |
MICROFAUNA 44µm a 100µm | Protozoários, nematoides, rotíferos | Afetam a estrutura devido a interação com a microflora. |
MESOFAUNA 100µm a 2mm | ácaros, colêmbolos, diversas ordens de insetos | Produzem pelotas fecais; criam bioporos; favorecem humificação. |
MACROFAUNA 2mm a 20 mm | minhocas, formigas, cupins, besouros, aracnídeos. | Produzem pelotas fecais; humificação; redistribuem matéria orgânica; misturam partículas orgânicas e minerais. |
A microfauna atua principalmente na decomposição da matéria orgânica e nas reações químicas do ambiente, enquanto a macrofauna do solo impacta diretamente nas propriedades físicas do solo (Berude et al., 2015).
Logo, a interação dos efeitos químicos, físicos e biológicos da fauna do solo, bem como a forma de atuação, impactam nas características e processos edáficos importantes para a geração de serviços ambientais (Figura 1).
A macrofauna do solo pode ser classificada de acordo com grupos funcionais, sendo eles:
- Detritívoros (ou saprófagos),
- Transformadores de serrapilheira, e
- Engenheiros do ecossistema.
Função detritívoros
Na função detritívoros, os cupins, formigas, minhocas e besouros se quebram o material vegetal em frações menores e facilitam a ação decompositora dos microrganismos. Estes organismos também podem se enquadrar mais de uma classificação.
No caso das formigas como seres detritívoras, se alimentam de restos vegetais e animais em decomposição, auxiliando na quebra e fragmentação de material orgânico, o que facilita a ação de outros decompositores menores.
o fato de as formigas se alimentarem de outros invertebrados presentes no solo, faz com que haja um transporte ativo de matéria orgânica, o que influencia na maior biodisponibilidade de alguns nutrientes.
Algumas espécies de formigas cultivam fungos em seus ninhos, contribuindo para a ciclagem de nutrientes. Conforme os resíduos orgânicos e excrementos acumulados nos ninhos se decompõem, o fósforo é liberado no solo em formas mais biodisponíveis para as plantas.
Esse processo natural de “fertilização” ajuda a enriquecer o solo com outros nutrientes, favorecendo o crescimento vegetal e promovendo um ecossistema mais equilibrado e produtivo.
É válido ressaltar que isso ocorre especialmente em áreas de ninho onde o acúmulo de material orgânico e a neutralização do pH do solo favorecem a liberação de nutrientes, incluindo o fósforo (Frouz &Jilková, 2008).
No caso das minhocas, grande parte das espécies estudadas em solos brasileiros possuem glândulas calcíferas, que absorvem o CO2 em altas concentrações no solo e o combinam com cálcio produzindo carbonato de cálcio (cal agrícola reduzir acidez e elevar o pH).
Ou seja, além de as minhocas processarem material orgânico e mudarem o pH, elas aumentam a disponibilização de nutrientes, principalmente cálcio, magnésio, fósforo e nitrogênio nos coprólitos (dejetos das minhocas).
Transformadores de serrapilheira
A fragmentação da serrapilheira é umas das atividades mais importantes da macrofauna, que quebram o material orgânico e facilitando a ação de decompositores menores, responsáveis por completarem a decomposição deste material.
Esse processo facilita a ação de microrganismos decompositores, que liberam nutrientes (por exemplo, N e K) de forma mais rápida para o solo. Assim, a macrofauna contribui para a fertilidade e saúde do solo, ao potencializar a ação microbiana do solo.
Consequentemente, o aumento da atividade microbiana no solo aumenta a mineralização e liberação de nutrientes.
Função engenheiros do solo
As formigas, cupins e minhocas são assim denominados pela capacidade de criarem estruturas biogênicas (galerias, ninhos, câmaras e bolotas fecais), que impactam as propriedades físicas dos solos.
A formação de canais é muito importante para a aeração do solo e o fluxo de água e auxilia solos agrícolas com alto grau de compactação.
As principais propriedades físicas influenciadas por estes organismos são: densidade do solo, infiltração da água, condutividade hidráulica, macroporosidade e estabilidade de agregados.
Elas também desempenham papel ativo na reciclagem de matéria orgânica, pois consomem folhas e restos vegetais, convertendo esses resíduos em húmus, um composto rico em nutrientes essenciais para a fertilidade do solo.
Em colaboração com microrganismos, elas aceleram o processo de decomposição ao prepararem, aerarem, fragmentarem e aumentarem a área de contato da matéria orgânica, facilitando a ação microbiana.
Vale ressaltar que a contribuição das minhocas para a melhoria da disponibilidade de nutrientes (como nitrogênio, fósforo e potássio) não se dá apensas por meio da decomposição da matéria orgânica, mas também pela liberação de excrementos ricos em nutrientes.
Desta forma, influencia na fertilidade e manutenção da saúde do solo.
Quais fatores aliados às práticas de manejo favorecem a macrofauna edáfica do solo?
Na literatura, há evidências que sistemas agrícolas sustentáveis tendem a preservar mais a macrofauna do solo, enquanto o cultivo intensivo reduz a diversidade destes organismos.
A abundância e diversidade de macrofauna no solo podem ser influenciadas por fatores, como: tipo e cobertura da vegetação; topografia; condições climáticas e tipo de solo. A atividade humana também influencia na composição e distribuição desses organismos no ecossistema (Figura 2).
A sensibilidade da macrofauna aos diferentes manejos reflete o quanto determinada prática pode ser considerada inadequada para a estrutura e fertilidade do solo. Tais características justificam a utilizar a fauna do solo como indicadora das modificações do ambiente.
Tais distúrbios alteram a distribuição da fauna do solo à medida que alteram a disponibilidade de recurso alimentar. As alterações no meio ambiente desaparecem com o desmatamento ou com maior perturbação dos solos.
Fragoso et al. (1999) afirmam que áreas de lavouras mau manejadas apresentam baixa diversidade de minhocas e podem indicar ambiente antropizados, sendo comum a presença das espécies P. corethrurus e A. gracilis.
Para a efetiva conservação da diversidade de minhocas, recomenda-se uma caracterização adequada do ambiente e sensibilidade das espécies às perturbações. É essencial a manutenção de fragmentos florestais, essenciais para a conservação da diversidade das espécies.
Sistemas conservacionistas, como os sistemas agroflorestais (SAFs), por se assemelharem aos sistemas naturais, podem representar uma combinação excelente para a biologia do solo e podem restabelecer a fauna do solo, além de obter dos diversos benefícios adicionais.
Isso ocorre pela oferta de refúgio e a alta disponibilidade de matéria orgânica, para macro e microrganismos, sem que haja grandes perturbações advindas de manejo intensivo.
O sistema plantio direto, prática que evita o revolvimento do solo, preserva a estrutura do solo. Portanto, ao manter a cobertura vegetal constante, protege o solo da erosão, compactação e perda de umidade, regulando a temperatura e mantendo a matéria orgânica.
A cobertura vegetal também serve como fonte de alimento e abrigo para esses organismos. Então, quando praticado de acordo com as premissas, o sistema plantio direto aumenta a diversidade biológica do solo, tornando-o equilibrado e mais resiliente às adversidades.
O uso de adubos verdes é benéfico para a macrofauna do solo, pois fornece matéria orgânica e nutrientes que estimulam o desenvolvimento de organismos como minhocas, besouros e outros invertebrados.
Esses adubos verdes, formados por plantas cultivadas para serem incorporadas ao solo, ajudam a manter a umidade e a estrutura do solo, criando condições favoráveis para a atividade e sobrevivência da fauna edáfica.
A decomposição do adubo verde também contribui para a ciclagem de nutrientes, o que melhora a fertilidade do solo e a saúde do ecossistema.
A rotação de culturas visa alternar diferentes tipos de plantas em uma mesma área ao longo do tempo. Essa variação enriquece o solo, pois cada planta contribui com diferentes tipos de matéria orgânica, raízes e resíduos, que alimentam a macrofauna de forma variada.
Além disso, culturas diferentes criam micro-habitat e melhoram a estrutura e fertilidade do solo, ajudando a prevenir pragas e doenças que podem afetar a fauna edáfica, criando um ambiente mais saudável e diversificado para organismos como minhocas e insetos.
Uso racional de defensivos agrícolas: O excesso de defensivos agrícolas pode eliminar organismos benéficos, como minhocas e insetos decompositores, que desempenham papéis essenciais na ciclagem de nutrientes e na aeração do solo.
Ao adotar um uso controlado e seletivo, preserva-se a biodiversidade edáfica, permitindo que esses organismos continuem contribuindo para a saúde do solo e para um ecossistema agrícola mais equilibrado e produtivo.
Qual é o método de coleta para a macrofauna edáfica?
O método TSBF (Tropical Soil Biology and Fertility – Anderson & Ingram, 1993) é amplamente utilizado para a coleta da macrofauna edáfica, permitindo a avaliação da diversidade e abundância de organismos no solo. Veja o passo-a-passo para a análise:
- Selecionar corretamente a área de amostragem: Escolha locais representativos do ambiente a ser estudado, evitando áreas com alto grau de antropização.
- Delimitar o ponto de coleta dos monólitos: Em cada ponto de coleta, delimite um bloco de solo com dimensões de 25 cm x 25 cm, até uma profundidade de 30 cm.
- Coleta da serapilheira: Antes de remover o monólito, recolha manualmente a serapilheira presente na superfície dentro da área delimitada, separando os organismos encontrados.
- Extração do monólito: Com o auxílio de ferramentas apropriadas, retire cuidadosamente o bloco de solo delimitado, preservando sua estrutura (Figura 3A).
- Triagem manual: No laboratório, desmonte o monólito em camadas, procurando manualmente por organismos da macrofauna. Utilize bandejas e pinças para facilitar a visualização e coleta dos invertebrados (Figuras 3B e 3C).
- Conservação dos espécimes: Os organismos coletados devem ser preservados em soluções adequadas para posterior identificação. Minhocas, por exemplo, podem ser fixadas em formaldeído a 4%, enquanto outros invertebrados podem ser conservados em álcool 70% (Figura 3D).
- Identificação e quantificação: Classifique os organismos em grupos taxonômicos apropriados e registre a abundância de cada grupo para análises subsequentes (Tabela 2).
A Tabela 2 exemplifica a classificação taxonômica da macrofauna em área de pastagem e floresta, onde os táxons em negrito foram encontrados exclusivamente na área floresta, demonstrando não somente a abundância, mas também a riqueza da área.
Tabela 2. Classificação dos organismos em grupos taxonômicos, em área de pastagem e florestas.
Táxons | |
Pastagem | Floresta |
Coleoptera | Coleoptera |
Formicidae | Formicidae |
Isoptera | Isoptera |
Hemiptera | Hemiptera |
Dermaptera | Dermaptera |
Aranea | Aranea |
Diplopoda | Diplopoda |
Quilopoda | Quilopoda |
Minhocas | Minhocas |
Acari | Acari |
Isopoda | Isopoda |
Diplura | Diplura |
Pseudo-escorpinidae | Pseudo-escorpinidae |
Blataria | Blataria |
Colembolla | Colembolla |
Thysanoptera | Thysanoptera |
Opilionida | |
Schizomida | |
Parasita | |
Siphonaptera | |
Psocoptera | |
Cicadea | |
Diptera | |
Hymenoptera | |
Crustacea | |
Symphila | |
Nicoletiidae |
Conclusão
A conservação e o manejo adequado da macrofauna edáfica são essenciais para a manutenção dos serviços ecossistêmicos. Ao promover práticas que respeitem e favoreçam a diversidade do solo, garantimos não apenas a produtividade agrícola, mas também a resiliência dos ecossistemas frente às mudanças ambientais.
Ressalta-se a importância de praticar sistemas de agricultura que visem favorecer a saúde e a abundância desses organismos no solo.
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Nayana Alves Pereira
Analista de Produtos Educacionais B2B na Agroadvance
- Engenheira Agrônoma (UFPI/Teresina)
- Mestra em Solos e Nutrição de Plantas (UFPI/Bom Jesus)
- Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
Como citar este artigo: PEREIRA, N.A. Macrofauna edáfica: qual a influência na fertilidade e manejo sustentável do solo? Blog Agroadvance. 2024. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-macrofauna-edafica-do-solo/. Acesso: xx de Xxx de 20xx.