A antracnose é bastante conhecida entre os sojicultores por ser um dos fatores bióticos limitantes da produção de soja, principalmente nas regiões tropicais.
Causada por diferentes linhagens e espécies do fungo hemibiotrófico Colletotrichum sp., a antracnose pode comprometer até 50% da produção de grãos de soja.
Os danos podem ocorrer ainda durante o desenvolvimento inicial das plantas, comprometendo os cotilédones e, posteriormente, afetando diretamente a produtividade, causando danos à granação dos grãos e, até mesmo, o abortamento de vagens.
As perdas ocasionadas pela antracnose têm sido, muitas vezes, negligenciadas. Entretanto, com o desenvolvimento de pesquisas, o manejo da doença vem sendo aprimorado. Continue a leitura deste artigo para saber mais sobre a identificação dos agentes causais, sintomas, e o manejo da antracnose na soja!
Agentes causais da antracnose na soja
AA antracnose é causada por um complexo de espécies de Colletotrichum sp. Desta forma, a identificação do agente causal, ou dos agentes causais em associação, é de suma importância para a adoção de estratégias que visem a prevenção e o controle da antracnose.
O gênero Colletotrichum é um grande grupo monofilético de fungos ascomicetos, compreendendo mais de 200 espécies descritas, classificadas em 14 complexos de espécies, além das espécies únicas. Está entre os 10 principais fungos que causam doenças em plantas.
Colletotrichum spp. são os agentes causais de antracnose em mais de 3 mil espécies de plantas, causando expressivas perdas econômicas para os agricultores ao redor do mundo.
Estes fungos possuem estilo de vida hemibiotrófico, ou seja, são capazes de iniciar seu desenvolvimento nas plantas como fungos biotróficos e, quando estão numa fase mais avançada de colonização, tornam-se necrotróficos. Desta forma, podem se desenvolver e esporular mesmo após a morte da planta, sobrevivendo a partir dos tecidos vegetais em decomposição.
Por serem hemibiotróficos e de fácil manipulação em laboratório, este gênero de fungos é considerado um modelo para estudos genéticos, bioquímicos e fisiológicos.
Como pudemos perceber, a antracnose é uma doença mundialmente conhecida por sua etiologia complexa. E a antracnose da soja não é diferente. Embora esta esteja mais comumente associada à ocorrência de Colletotrichum truncatum, nos últimos anos, várias outras espécies do gênero foram relatadas como sendo agentes causais da doença. São elas: C. destructivum, C. coccodes, C. chlorophyti, C. incanum, C. sojae, C. gloeosporioides, C. plurivorum e, mais recentemente, C. brevisporum e C. musicola.
No Brasil, foram relatados, até o momento, sete complexos de espécies de Colletotrichum:
- C. truncatum,
- C. acutatum,
- C. boninense,
- C. gigasporum,
- C. gloeosporioides,
- C. magnum e
- C. orchidearum.
É válido salientar que ainda estão sendo realizados estudos que visam entender como cada um destes agentes causais se comporta, bem como a associação entre os complexos de espécies, visando embasar o desenvolvimento de estratégias para diagnóstico, prevenção e controle eficientes.os estudos que visam entender como cada um destes agentes causais se comporta, bem como a associação entre os complexos de espécies, visando embasar o desenvolvimento de estratégias para diagnóstico, prevenção e controle eficientes.
Epidemiologia e dispersão de Colletotrichum no Brasil
O papel das plantas daninhas e hospedeiros alternativos ainda não foi elucidado dentro de um contexto epidemiológico da antracnose na soja. O inóculo primário de C. truncatum é geralmente o uso de sementes infectadas, sendo disseminado a longas distâncias.
A partir da chegada do inóculo, sob condições favoráveis e na presença de um hospedeiro suscetível, a penetração fúngica ocorre logo após a germinação dos conídios. Em seguida, ocorre a formação de um apressório na superfície da planta e a colonização das folhas de soja é iniciada.
Por serem hemibiotróficas, as espécies de Colletotrichum, durante o primeiro estágio, penetram na planta e desenvolvem uma hifa primária típica que consiste em uma vesícula biotrófica entre a membrana plasmática e a parede celular (Figura 2).
Quando mudam para a fase necrotrófica, a produção de hifas secundárias é iniciada e o fungo passa a colonizar o tecido intra e intercelularmente, levando à morte das células colonizadas. Podem acontecer, também, infecções endofíticas/latentes. Neste último caso, os tecidos vegetais não apresentam quaisquer sintomas.
No Brasil, a antracnose na soja está presente em todos os pólos produtores de soja, especialmente nas regiões do Cerrado, MATOPIBA (Estados do MAranhão, TOcantins, PIauí e BAhia) e Sul do país.
Lembrando que a antracnose é, muitas vezes, considerada uma doença silenciosa, ocorrendo no interior do dossel das plantas de soja e deve ser constantemente monitorada durante a safra de cultivo a fim de evitar uma maior disseminação do patógeno.
Quais são os sintomas da antracnose na soja?
Os sintomas da antracnose podem ser facilmente observados desde os estágios fenológicos iniciais até o final do ciclo da soja. Podemos encontrar sintomas em plântulas, folhas, pecíolos, caules, vagens e grãos(Figura 3). Veja a seguir, detalhadamente, os sintomas que podem ser observados durante o desenvolvimento das plantas:
- Plântulas: morte durante a germinação das sementes; lesões nos cotilédones, hipocótilo e raízes, podendo levar ao tombamento e morte da plântula (consequentemente, a falhas de estande);
- Estágios iniciais: a infecção se torna latente e os sintomas se tornarão visíveis novamente com o avançar do desenvolvimento das plantas;
- Caules: é possível observar manchas necróticas (avermelhadas, castanho-escuras ou até mesmo pretas);
- Folhas: necroses descontínuas e deprimidas, concentradas nas nervuras da epiderme (veias laminares necróticas), formando estrias escuras;
- Pecíolos: manchas necróticas e deprimidas que podem “estrangular” a folha, levando à desfolha prematura;
- Vagens: além das mesmas manchas necróticas observadas nas folhas, caules e pecíolos, pode ocorrer abortamento, abertura prematura e apodrecimento de vagens e grãos e, até mesmo, retenção foliar e haste verde no final do ciclo da cultura.
Os sintomas acima descritos constituem um padrão sintomático associado às infecções por C. truncatum, C. gloeosporioides, C. musicola, C. incanum, C. plurivorum e C. coccodes.
Os sintomas podem mudar a depender da espécie ou complexo de espécies associados à doença. No caso de C. sojae, por exemplo, são observadas lesões circulares ou irregulares de coloração acinzentada com margens escuras, enquanto que C. chlorophyti causa lesões necróticas intravenais e intervernais, cercadas por clorose leve.
Outras espécies de Colletotrichum sp. ainda estão sendo estudadas quanto ao padrão de sintomas causado.
Em condições ideais para o desenvolvimento da antracnose, a severidade da doença pode ser grave, levando a perdas de até 100% da produção de soja.
No final do ciclo de cultivo da soja, as sementes infectadas podem servir de inóculo inicial para a disseminação da doença durante as safras subsequentes, aumentando a pressão da doença durante o estabelecimento da lavoura.
Na maioria dos casos, as sementes infectadas de uma safra anterior são assintomáticas. Contudo, mesmo as baixas porcentagens de infecção das sementes podem levar a perdas severas no momento da colheita.
Condições favoráveis ao desenvolvimento da antracnose
Na fitopatologia, aprendemos que a ocorrência de doenças de plantas é dependente de três fatores, que juntos formam o triângulo da doença. Este triângulo consiste em uma representação clássica da interação entre o hospedeiro (planta suscetível), patógeno (agente causal) e ambiente (condições favoráveis).
Para que a antracnose ocorra na cultura da soja, é necessário que os três fatores estejam presentes, ou seja, que haja inóculo virulento de Colletotrichum sp., cultivo de variedade suscetível e condições ambientais favoráveis.
Uma vez que a doença acomete o cultivo, independentemente do inóculo inicial, os conídios do fungo fitopatogênico se tornam os inóculos secundários (Figura 4). Estes, por sua vez, podem se disseminar pelo vento e, até mesmo, respingos de chuva.
Outras condições ambientais que favorecem a ocorrência da antracnose em soja são:
- Chuvas intensas e prolongadas;
- Alta umidade relativa do ar;
- Temperaturas acima de 25 ºC;
- Períodos de molhamento foliar de mais de 24 horas;
- Dias nublados;
- Cultivo adensado e;
- Deficiências nutricionais, principalmente o déficit de potássio.
É válido ressaltar, que mesmo com a ocorrência de condições climáticas favoráveis, é possível reduzir a disseminação de inóculos do fungo ao se evitar o plantio de sementes infectadas e a prática de sucessão de cultivos de soja.
A antracnose pode atingir 100% de ocorrência no campo, entretanto, mesmo em casos de baixa incidência, como, por exemplo, de 1%, é capaz de causar perdas de rendimento de até 90 kg por hectare de soja cultivado.
A doença pode ocasionar danos em todos os estágios de desenvolvimento da soja, sendo um problema no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. No Sul do país, a doença se agrava ainda mais durante as safras chuvosas.
Prevenção e boas práticas de manejo
A estratégia mais indicada para a prevenção e controle da antracnose na cultura da soja é a adoção do manejo integrado da doença. Desta forma, realiza-se a integração de diversas práticas voltadas à prevenção e redução de danos.
Algumas práticas preconizadas são: rotação de culturas; adubação equilibrada; utilização de sementes sadias e, se possível, certificadas; tratamento de sementes com fungicidas; pulverização de fungicidas preventivos e; redução do adensamento do cultivo, evitando períodos prolongados de molhamento foliar.
A busca por cultivares menos sensíveis a antracnose segue a todo vapor, sendo, também, uma prática capaz de influenciar tanto no desenvolvimento e progresso da doença, quanto na eficácia do controle químico (aplicação de fungicidas) e biológico (introdução e/ou conservação de agentes biocontroladores do fungo fitopatogênico).
Não existem cultivares de soja resistentes à doença, contudo, existe uma variação na suscetibilidade. Entretanto, o uso de cultivares menos suscetíveis já auxilia o produtor rumo a um manejo mais eficiente.
Como controlar a antracnose na soja?
Uma vez que a doença se estabeleceu na lavoura, algumas práticas devem ser adotadas/mantidas, como a aplicação de fungicidas e a introdução de agentes de controle biológico de Colletotrichum sp.
Assim como para outras doenças fúngicas, há uma necessidade recorrente de melhoria do manejo da antracnose em soja. Isto se deve, em parte, pela má compreensão ainda existente sobre o ciclo de vida e papel epidemiológico de Colletotrichum sp. associado à soja. Desta forma, são necessários mais estudos para entender quais espécies do fungo são, de fato, causadoras da doença no campo.
Vejamos a seguir os métodos de controle da antracnose mais utilizados, e em constante otimização, até o momento.
- Controle químico
Devido ao alto potencial de sobrevivência, mesmo em períodos de entressafra, as espécies de Colletotrichum que infectam a soja se tornam um desafio de controle. Desta forma, o controle químico é geralmente adotado antes do estabelecimento das lavouras de soja a partir do tratamento de sementes com fungicidas sistêmicos.
Em seguida, o uso de fungicidas continua durante a fase vegetativa da soja. Durante esta fase, ainda é possível aplicar de forma mais eficiente os produtos no “baixeiro” da planta, controlando a formação de inóculos secundários.
No início da floração, durante a fase reprodutiva da cultura (R1), recomenda-se a pulverização de fungicidas, uma vez que é um momento bastante crítico devido à possibilidade de transmissão de inóculos das folhas para as flores e, consequentemente, para as vagens.
Aplicações subsequentes de fungicidas, rotacionando-se sempre os ingredientes ativos, são importantes para ampliar o espectro de controle e reduzir riscos de seleção de isolados resistentes de Colletotrichum sp.
As principais moléculas fungicidas utilizadas no tratamento de sementes de soja são: carboxanilida, dimetilditiocarbamato, benzimidazóis ou triazóis. Já os fungicidas mais utilizados como preventivos ou protetores são azoxistrobina, captana, mancozeb, tiofanato-metílico, carbenzazim e inibidores da desmetilação de esterol (IDMs), como os triazóis.
Contudo, nas últimas safras, várias pesquisas a campo mostraram que a eficiência de fungicidas contra a antracnose na soja está reduzindo significativamente. No Brasil, o uso de triazóis em combinação com estrobirulinas foi eficiente durante a primeira safra, mas não durante uma segunda safra sob infecção natural de Colletotrichum spp.
Existem, também, isolados de Colletotrichum truncatum resistentes a múltiplos triazóis como o tebuconazol, metconazol, flutriafol e fenbuconazol e menos sensíveis ao difenoconazol e propiconazol.
Estudos recentes mostram que carbendazim é o fungicida mais eficaz na redução do crescimento de C. truncatum in vitro. Este, em combinação com o mancozeb, também reduziu a incidência da doença a campo e aumentou o rendimento das parcelas de soja tratadas.
Contudo, outros estudos com mais de 50 isolados de C. truncatum em teste, oriundos de diferentes campos, revelou que quase 90% destes se mostraram resistentes ao carbendazim e 86% dos isolados, apresentaram, ainda, mutações genéticas que os tornam cepas fúngicas altamente resistentes.
Novamente, o que pode explicar o contraste sobre os resultados acerca da eficiência de fungicidas contra a antracnose é o fato de que ainda se carece de estudos que elucidem quais espécies de Colletotrichum, em possível associação,são responsáveis pela doença.
Portanto, avanços rumo à identificação correta do agente causal da antracnose poderá contribuir para um posicionamento mais assertivo e eficiente do controle químico.
- Controle biológico
A introdução de agentes biocontroladores de Colletotrichum a campo é alvo de pesquisas e ainda está em fase inicial.
Alguns microrganismos estudados quanto à sua utilização na biopreparação de sementes mostraram resultados promissores. É o caso da bactéria Pseudomonas aeruginosa e do fungo Trichoderma harzianum, que, ao serem utilizados no tratamento de sementes de soja, reduziram a incidência da antracnose a campo em até 92%, entregando uma eficiência análoga à eficiência oferecida pelo fungicida benomyl.
A bactéria Bacillus subtilis também se destaca no controle de doenças de plantas a campo e em pós-colheita. Por ser um microrganismo extremamente versátil e efetivo, tem sido utilizado na prevenção e manejo de diversas doenças fúngicas em várias culturas agrícolas.
Conclusões
A identificação precisa do agente causal, ou agentes causais, de uma doença fúngica é um passo decisivo para a adoção de estratégias de prevenção e manejo a campo.
Historicamente, Colletotrichum truncatum foi considerada a espécie prevalente dentre o complexo de espécies causadoras de antracnose na soja. Contudo, muitas questões ainda permanecem sem resposta e, com base no banco de dados genéticos coletados até o momento, é possível que a importância atribuída a C. truncatum tenha sido superestimada.
Com o constante avanço de ferramentas moleculares e biotecnológicas, é esperado que o conhecimento acerca da diversidade, filogenia e epidemiologia de Colletotrichum sp. avance a passos largos. Isto, por sua vez, terá implicações diretas sobre a otimização do manejo da antracnose na soja cultivada no Brasil e no mundo.
—
Quer ter acesso a mais conteúdo agro de qualidade, de forma totalmente gratuita?! Clique em “BAIXAR GRÁTIS!”, e faça o download do nosso E-book Nutrição e Proteção para Soja e Milho!
BOUFLEUR, T. R.; CIAMPI‐GUILLARDI, M.; TIKAMI, Í.; ROGÉRIO, F.; THON, M. R.; SUKNO, S. A.; MASSOLA JÚNIOR, N. S.; BARONCELLI, R. Soybean anthracnose caused by Colletotrichum species: Current status and future prospects. Molecular Plant Pathology, v. 22, n. 4, p. 393-409, 2021.
Sobre a autora:
Gabryele Silva Ramos
Doutoranda em Entomologia (ESALQ/USP)
- MBA em Marketing (ESALQ/USP)
- Mestre em Proteção de Plantas (UNESP/Botucatu)
- Engenheira Agrônoma (UFV)
RAMOS, G.S. Antracnose na soja causada por espécies de Colletotrichum: diagnóstico e controle. Blog Agroadvance. 2024.Disponível em:https://agroadvance.com.br/blog-antracnose-na-soja-fungo-colletotrichum/. Acesso: xx Xxx 20xx.