O conceito de potencial hídrico, representado pela letra grega ψ (psi), é muito importante para a compreensão das relações hídricas nas plantas e entre elas, o solo e a atmosfera.
Neste artigo, examinaremos os mecanismos e forças propulsoras que possibilitam a absorção e transporte de água pelas plantas. Além disso, veremos como a transpiração exerce papel chave nesse processo.
Potencial hídrico
Em termodinâmica, o potencial químico de um elemento, é uma expressão quantitativa da energia livre a ele associada. Energia livre representa o potencial para realizar trabalho.
O potencial químico é uma grandeza relativa, ou seja, ele é a diferença entre o potencial de uma substância em um determinado estado e o potencial dela em um estado padrão. A unidade de potencial químico é energia por mol de substância (J mol-1).
Quando falamos especificamente da água chamamos o potencial químico de potencial hídrico (ψ), um parâmetro relacionado. Este é definido como como o potencial químico da água, dividido pelo volume molar parcial da água (18 x 10-6 m3 mol-1). Portanto, o potencial hídrico é uma medida da energia livre da água por unidade de volume (J m-3).
Essa unidade é equivalente a unidade de pressão, como o Pascal, que é a unidade mais comum quando nos referimos ao potencial hídrico (usualmente MPa). Fica mais claro quando comparamos as unidades de medida de potencial hídrico e pressão.
Nos movimentos a curta distância, a água move-se de regiões em que existe um maior potencial hídrico (maior energia livre) para regiões com um menor potencial hídrico (menor energia livre).
Os principais fatores que influenciam o potencial hídrico em plantas são: concentração de solutos, pressão e gravidade. Portanto, o potencial hídrico pode ser dividido em componentes individuais, sendo eles:
- Ψs: potencial osmótico ou potencial de soluto, que representa o efeito dos solutos dissolvidos sobre o potencial hídrico. Os solutos reduzem a energia livre da água, sendo um efeito de entropia, porque a mistura de solutos e água aumenta a desordem do sistema e, portanto, reduz a energia livre.
- Ψp: potencial de pressão ou pressão hidrostática. Pressões negativas diminuem o potencial hídrico e pressões positivas o aumentam. O potencial de pressão dentro de células representa a pressão de turgidez. Já nos vasos do xilema, o valor de Ψp pode ser negativo, o que chamamos de tensão ou pressão hidrostática negativa.
- Ψg: potencial gravitacional. A gravidade faz com que a água se mova para baixo, a não ser que uma força igual seja exercida no sentido oposto.
Portanto, o potencial hídrico é o somatório desses três componentes:
Ψ = Ψs + Ψp +Ψg
Em nível celular, o potencial gravitacional é omitido por ser desprezível. Portanto,
Ψ = Ψs + Ψp
Por outro lado, quanto mais alta uma planta, maior a coluna d’água e mais influente se torna o Ψg.
Existe um outro componente, associado à água no solo e sobre tecidos vegetais com conteúdo de água muito baixo, como em sementes, chamado de potencial mátrico: Ψm.
Nesse caso, a água ocorre como uma fina camada (poucas moléculas de profundidade) ligada a outras partículas por ligação eletrostática. Não conseguimos separar essas interações em Ψs e Ψp, portanto, usamos o termo Ψm.
O Ψm representa a força na qual a água é presa a planta e constituintes do solo. Ela pode ser removida somente usando uma outra força, portanto, o Ψm tem valor negativo.
A água se movimenta pelas células ao longo de um gradiente de potencial hídrico, do maior para o menor potencial. O fluxo de água através de membranas é um processo passivo, ou seja, sem gasto de energia, dependendo apenas de forças físicas.
Mas existe o caso em que a água se move contra o gradiente de potencial hídrico através de uma membrana semipermeável, que é quando ela está acoplada ao movimento de solutos. Tais movimentos, possibilitados por proteínas de membrana, podem trazer a água junto com o soluto.
Na ausência de uma membrana semipermeável, o movimento de água e solutos dissolvidos ocorre ao longo de gradientes de pressão, ou seja, da região de maior pressão para de menor pressão.
Portanto, a água move-se da região de maior potencial hídrico para a de menor apenas quando uma membrana semipermeável está presente separando dois compartimentos.
O movimento de água por membranas não se limita à difusão pela bicamada lipídica. Existem proteínas, chamadas aquaporinas, que facilitam o movimente de água através de membranas.
A presença dessas proteínas pode alterar a taxa de movimento de água através de membranas, porém elas não mudam a direção do transporte ou a força propulsora para o movimento. Porém, as aquaporinas podem ser abertas e fechadas. Isso possibilita que as plantas regulem a permeabilidade de suas membranas.
Quando falamos de difusão de moléculas, na difusão simples, substâncias movem-se a favor de um gradiente de concentração. No fluxo de massa, as substâncias movem-se a favor de um gradiente de pressão. Na osmose, os dois gradientes influenciam o movimento de água. As duas forças propulsoras, gradiente de concentração e gradiente de pressão, governam o movimento de água através de membranas.
O conceito de potencial hídrico ajuda a entender o transporte de água através de membranas e também a entender o status hídrico de uma planta. Em déficit hídrico, muitos processos fisiológicos são afetados, como expansão celular, fotossíntese, condutância estomática, síntese proteica, entre outros
Como ocorre a absorção de água pelas plantas?
Para uma absorção efetiva de água pelas raízes é necessário um contato próximo entre a superfície das raízes e o solo. Para tanto, as plantas desenvolveram pelos radiculares.
Eles são extensões microscópicas filamentosas da epiderme ampliam consideravelmente a área de superfície das raízes, oferecendo, consequentemente, maior capacidade para a absorção de íons e água do solo.
A água penetra mais facilmente na raiz próximo ao seu ápice. Regiões maduras da raiz, em geral, são menos permeáveis à água porque elas desenvolvem um tecido subepidérmico denominado de hipoderme, ou exoderme, que contém materiais hidrofóbicos em suas paredes.
Rotas de movimento de água na raiz
No solo, a água se movimenta predominantemente por fluxo de massa. Por outro lado, quando ela entra em contato com a raiz, existem três rotas pelas quais a água pode fluir: a apoplástica, a simplástica e a transmembrana (Figura 1).
- Rota apoplástica: a água se move pelo apoplasto, que é um sistema contínuo de espaços intercelulares, de paredes celulares e lumes de células mortas (ex. conduítes do xilema e fibras). Portanto, nesta rota a água não atravessa nenhuma membrana.
- Rota simplástica: a água se move através dos citoplasmas das células, via plasmodesmos, percorrendo o parênquima cortical da raiz. Então, não atravessa nenhuma membrana.
Como nas rotas apoplástica e simplástica, a água não atravessa nenhuma membrana, a força propulsora do movimento de água é o gradiente de pressão hidrostática.
- Rota transmembrana: Esta é a via pela qual a água entre e sai da célula atravessando a membrana plasmática duas vezes, na entrada e na saída. E segue para a próxima célula atravessando novamente a membrana. Como o movimento se dá através de membranas semipermeáveis, a força propulsora é o gradiente de potencial hídrico total.
Embora didaticamente dividamos a rota em três, é importante lembrar que a água não se move por um único caminho, mas para onde os gradientes de potencial e as resistências permitem.
Se escolhermos uma molécula para analisar, veremos que ela pode se mover pelo apoplasto, em seguida atravessar uma membrana, seguir no simplasto e sair da célula.
Avançando para dentro da raiz, a água atinge a endoderme. Tal tecido é constituído de estrias de Caspary, que é uma banda dentro das paredes celulares radiais impregnada com suberina ou lignina, sustâncias hidrofóbicas.
Isso obriga a água e solutos a atravessarem a endoderme por dentro das células. Para tanto, entram em ação as aquaporinas. Tais proteínas são reguladas, entre outros fatores, pelo pH intracelular. Um aumento do pH, em resposta a baixas temperaturas ou condições anaeróbias, diminui a condutância das aquaporinas. Elas dependem de energia para funcionar, então estão intimamente ligadas a respiração celular.
O acúmulo de solutos no xilema pode gerar um fenômeno chamado pressão de raiz. Ele se desenvolve mais facilmente quando o solo está com alto potencial hídrico e a planta com baixa transpiração. Mesmo a planta transpirando pouco, as raízes continuam a absorver íons do solo e a transportá-los no xilema gerando uma pressão hidrostática positiva.
O acúmulo de solutos na seiva do xilema causa um decréscimo no potencial osmótico e consequentemente do potencial hídrico. Essa diminuição do potencial hídrico gera a força para absorção de água, que ao entrar na planta, gera uma pressão hidrostática positiva no xilema. Nessas condições a água é empurrada para cima na planta.
As plantas que desenvolvem pressão de raiz, acabam muitas vezes por expelir água na forma líquida pelas folhas, fenômeno chamado de gutação. Os poros especializados para exsudação de água são chamados de hidatódios e estão associadas as terminações das nervuras nas margens da folha.
Transporte de água pelo xilema
O xilema constitui a parte mais longa da rota do transporte de água na maioria das plantas, desempenhando um papel importante no controle do movimento de água do solo para as folhas. Por outro lado, é uma rota de baixa resistência, quando comparado com camadas de células por onde a água também passa em determinada etapa do fluxo.
As células condutoras do xilema têm uma estrutura especializada que lhes permite transportar grandes quantidades de seiva a grandes distâncias com muita eficiência.
Existem dois tipos de células de transporte no xilema, sendo elas os traqueídes e os elementos de vaso. As traqueídes estão presentes em gimnospermas e angiospermas e outros grupos de plantas vasculares. Já os elementos de vaso estão presentes apenas em angiospermas e na ordem Gnetales (gimnosperma) e em alguns fetos (planta vascular sem semente).
A maturação dessas células condutoras envolve morte celular, ou seja, a perda do citoplasma, permanecendo a parede celular lignificada e espessa, formando um tubo oco que permite o fluxo de água com baixa resistência.
As traqueídes são células alongadas e fusiformes dispostas em filas verticais sobrepostas. Nessas células estão presentes as pontoações em suas paredes laterais, por onde a água flui.
As pontoações são regiões microscópicas da parede celular onde existe apenas a parede primária. As pontoações de uma traqueíde estão alinhadas com as pontoações da traqueíde vizinha, formando pares de pontoações, constituindo uma rota de baixa resistência para o deslocamento de água.
Os elementos de vaso são mais curtos e mais largos que as traqueídes e tem as placas de perfuração em cada extremidade da célula. Tal como as traqueídes, os elementos de vaso possuem pontoações.
Mas, por outro lado, essas células estão dispostas de maneira empilhada formando condutos maiores denominados vasos. As paredes terminais perfuradas, alinhadas entre os elementos de vaso facilitam o movimento de água.
O transporte de água a longas distâncias no xilema é impulsionado pelo fluxo de massa causado pela pressão da água. Em contraste com a difusão de água através de membranas semipermeáveis, o fluxo de massa acionado pela pressão é independente do gradiente de concentração de solutos.
O que explica o transporte de água no xilema? A teoria da coesão-tensão
As tensões no xilema, requeridas para extrair a água do solo, surgem nas folhas como um resultado direto da transpiração. Como essas tensões se formam?
Quando as folhas abrem seus estômatos para capturar o CO2 para a fotossíntese, o vapor de água difunde-se para fora delas. Isso causa a evaporação da água da superfície das paredes celulares dentro das folhas.
Consequentemente, a perda de água das paredes celulares resulta na diminuição do potencial hídrico nelas, estabelecendo um gradiente no potencial hídrico que provoca um fluxo de água em direção aos locais de evaporação.
A água no mesofilo foliar, banhando as paredes celulares, está em contato com o ar dos espaços intercelulares. A interface ar-água assume uma curvatura devido a tensão superficial da água.
À medida que água evapora, a água remanescente é sugada para dentro dos interstícios das paredes celulares, onde ela forma interfaces ar-água cada vez mais curvas, ou seja, de menor raio.
Devido à alta tensão superficial da água, a curvatura dessas interfaces induz uma tensão ou pressão negativa na água. À medida que mais água escapa como vapor pela transpiração, a curvatura das interfaces ar-água aumenta e a pressão fica mais negativa, ou seja, a tensão aumenta. Assim, a água é sugada em direção as folhas.
Esta é a Teoria da Coesão-Tensão de Ascensão de Seiva, proposta por Dixon e Joly no final do século XIX. Recebe esse nome por que ela requer a propriedade de coesão da água para suportar as grandes tensões nas colunas de água do xilema.
Rotas de movimento de água da folha para a atmosfera
A cutícula cerosa que recobre as folhas é praticamente impermeável à água, sendo atravessada por apenas 5% da água perdida pelas folhas. O restante é perdido através da fenda estomática, por difusão. Ou seja, o movimento de água é controlado pelo gradiente de concentração de vapor d’água.
Portanto, podemos dividir a transpiração em cuticular e estomatal.
A transpiração foliar é dependente de dois fatores principais: 1) a diferença de concentração de vapor de água entre mesofilo foliar e a atmosfera e 2) a resistência à difusão.
Esta última resistência está associada à difusão pelo estômato (resistência estomática) e à camada limítrofe de ar que fica parado junto a superfície foliar (resistência da camada limítrofe).
A espessura da camada limítrofe é determinada por características das folhas como tamanho, presença de tricomas e presença de estômatos em cavidades. Além disso, é determinada pela velocidade do vento. Quanto mais forte o vento, menor é a camada limítrofe.
A resistência estomática é controlada pelas plantas através da regulação da abertura e fechamento de células especializadas da epiderme, as células-guarda, que circundam a fenda estomática (ostíolo).
A transpiração, além de permitir a subida de seiva bruta nas plantas, serve para controlar a temperatura das folhas e impedir o estresse térmico.
Em situações de déficit hídrico, as plantas fecham os estômatos para diminuir a perda de água.
Conclusão
O movimento de água nas plantas é passivo, ou seja, não há gasto de energia metabólica para bombear a água das raízes até as folhas. Pelo contrário, ela é sugada pelas folhas desde o solo, ou seja, a água vai de uma região de maior potencial hídrico (raízes) para uma região de menor potencial hídrico (folhas). É desta maneira que a água desafia a gravidade para ascender nas plantas.
Apesar de ser passivo, o transporte é altamente regulado a fim de evitar desidratação.
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Referências
TAIZ, L.; ZEIGER, E.; MOLLER, I. M.; MURPHY, A. Fisiologia e Desenvolvimento Vegetal. 6ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2017.
Defining water potential—What it is. How to use it. Disponível em: https://metergroup.com/measurement-insights/defining-water-potential-what-it-is-how-to-use-it/. Acesso em: 27 Fev. 2024.
Sobre o autor:
Gabriel Daneluzzi
Gestor de Tráfego na Agroadvance
- Biológo (UNESP)
- Mestre e doutor em Fisiologia e Bioquímica de Plantas (ESALQ/USP)