A agricultura detém uma parcela significativa de trabalhadores brasileiros: em 2023 mais de 28 milhões de pessoas atuaram nas cadeias do agronegócio. Nesse contexto, buscar estratégias para otimizar processos e valorizar equipes torna-se fundamental para alcançar uma produção de alta qualidade.
Originada dos pilares do Sistema Toyota de Produção, a metodologia Lean Manufacturing se consolidou como uma poderosa ferramenta de gestão, focada em eliminar desperdícios, promover melhoria contínua e maximizar a eficiência.
Diante dos resultados satisfatórios que a metodologia Lean proporciona em diversos setores econômicos, sua aplicação mais aprofundada na agricultura representa uma oportunidade de transformação. Aliada ao desenvolvimento técnico, essa abordagem pode inaugurar uma nova era no agronegócio, promovendo práticas mais eficientes e sustentáveis.
Mas afinal, como é possível aplicar efetivamente a metodologia Lean no agronegócio? Quais são os seus conceitos fundamentais? Quais desafios precisam ser enfrentados? Neste artigo iremos trazer o que você precisa saber para começar a explorar o Lean Thinking na sua propriedade.
A Metodologia Lean
Desenvolvimento do método Lean
Também conhecido como Toyota Production System, o “pensamento LEAN” surgiu na empresa japonesa Toyota Motors, durante um período difícil, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Enfrentando a necessidade urgente de crescimento e adaptação, a Toyota estudou os conceitos aplicados pela Ford. No entanto, ao perceber que esse modelo não se ajustava completamente à sua realidade, a empresa aprimorou os princípios existentes e desenvolveu novos para atender às suas demandas específicas.
O resultado foi uma metodologia que permitiu a Toyota se destacar, produzindo carros de alta qualidade, enquanto preservava a saúde e bem-estar dos seus funcionários. Esse sucesso foi alcançado graças à dedicação contínua à melhoria em todas as áreas da organização.
Embora tenha sido criada inicialmente para a indústria, o Lean pode ser adaptado para o setor agrícola. Apesar de desafiador no início, essa adaptação pode ajudar a resolver problemas comuns, como a redução do desperdício e a melhoria da qualidade dos produtos, impulsando um desenvolvimento mais sustentável e eficiente.
Definição e conceito da Metodologia Lean
Embora ainda haja debates sobre uma definição exata, o conceito básico do Lean é claro: fazer mais com menos. A metodologia busca aumentar a produtividade dos trabalhadores, reduzindo seu desgaste físico e utilizando os recursos de maneira mais eficiente.
Entre seus principais objetivos, o Lean visa:
- Reduzir pela metade o esforço humano: trabalhadores tornam-se mais produtivos e menos sobrecarregados;
- Otimizar o uso do espaço: diminuir pela metade o espaço necessário para a produção;
- Minimizar o investimento em ferramentas: ajustando os processos para operar com menos equipamentos.
- Acelerar a inovação: O tempo de engenharia para desenvolver novos produtos também é reduzido pela metade.
- Controlar o estoque: mantém-se apenas o necessário, prevenindo excessos e diminui os custos de armazenamento.
Com esses ajustes, o Lean promove uma produção com menos defeitos, mais flexível e adaptável a mudanças. Isso resulta em maior qualidade dos produtos, maior confiabilidade do produto final e maior satisfação dos clientes.
O conceito central, dessa forma, gira em torno de otimizar cada etapa da produção, utilizando recursos disponíveis de forma mais inteligente. Dessa maneira é possível reduzir custos, aumentar a agilidade organizacional e fomentar um crescimento sustentável, sem abrir mão da qualidade e da inovação.
Os 5 Princípios Do Lean
O Lean, ou produção enxuta, é uma metodologia que une os melhores aspectos da produção artesanal e da produção em massa, com foco na eficiência, eliminação de desperdícios e entrega de valor ao cliente. Sua aplicação no agronegócio, embora recente, oferece grande potencial para transformar operações agrícolas, tornando-as mais sustentáveis e lucrativas.
A seguir, exploramos na Figura 1, os cinco Princípios do Lean, estabelecidos por Womack e Jones, dois autores e especialistas amplamente conhecidos pelo desenvolvimento e disseminação do conceito de “Lean Manufacturing”, e como eles podem ser implementados no setor agrícola.
1. Especificar um valor
O primeiro princípio é baseado na identificação do valor a partir da perspectiva do cliente. Esse princípio orienta a organização a avaliar e reconsiderar quem são, de fato, seus clientes e o que esses clientes consideram valioso.
Isso incentiva a gestão a compreender e definir o que é importante em seus produtos ou serviços a partir da perspectiva do cliente, para assim atender à demanda oferecendo o que realmente desejam comprar.
Segundo Emiliani (M.L. Emiliani, Diretor Executivo da Lean Behaviors LLC, Wethersfield, CT, EUA), entender e aceitar o valor pela ótica do cliente exige, em muitos casos, uma ampla reorganização dos processos de negócios e da cultura organizacional.
No agronegócio, isso pode significar atender às demandas de consumidores por produtos de alta qualidade, sustentáveis ou com características específicas, como alimentos orgânicos.
- Aplicação prática: reorganizar linhas de produtos, implementar certificações que garantam qualidade e sustentabilidade, ou ajustar práticas agrícolas para atender ao que o mercado realmente valoriza.
2. Identificar o Fluxo de Valor
O fluxo de valor mapeia todas as atividades que contribuem para a criação de um produto, destacando as que agregam valor e eliminando desperdícios.
Womack e Jones (1990) definiram o fluxo de valor como o conjunto de todas as ações necessárias para levar um produto específico pelos três principais processos de gestão de uma unidade de negócios, que são:
- Solução de problemas: Processo de resolver e encontrar soluções para questões que surgem desde a fase conceitual até o lançamento de um produto.
- Gestão da informação: Organização e coordenação das informações desde o processo de recebimento do pedido até a entrega do produto ao cliente.
- Transformação física: Aquisição de matérias-primas e à transformação dessas matérias-primas em produtos acabados, entregando-os nas mãos dos clientes.
O princípio “identificar o fluxo de valor” orienta as organizações a:
- Revisar e identificar todas as atividades envolvidas na criação de um produto;
- Determinar quais atividades agregam valor e;
- Eliminar atividades identificadas como desperdício no fluxo de valor.
Em um contexto geral, Liker e Lamb (2000), especialistas em Lean Manufacturing e práticas de gestão enxuta, descrevem atividades que agregam valor como esforços que convertem um insumo em um produto desejado pelo cliente.
Atividades que não agregam valor, por outro lado, são esforços que fazem parte do processo, mas que não melhoram o produto final para o cliente. Jolley, autor e pesquisador que contribuiu para o estudo e a aplicação dos princípios do Lean Manufacturing, considera essas atividades como “inibidores do sistema”, manifestando-se como desperdício, variabilidade e inflexibilidade, que geram custo e não agregam valor. Essas atividades não agregadoras de valor podem ser divididas em:
Atividades inevitáveis que não agregam valor: são desperdícios que existem devido a falhas na estrutura atual do sistema, sendo difíceis de evitar nas condições atuais.
Atividades evitáveis que não agregam valor: são desperdícios desnecessários que podem ser eliminados dentro da estrutura atual.
As atividades identificadas como não agregadoras de valor devem ser eliminadas para maximizar o desempenho do fluxo de valor. Ao remover atividades que não agregam valor, as fazendas podem resolver problemas subjacentes que prejudicam o desempenho, otimizando processos de negócios, aumentando a eficiência e a capacidade. Eliminar desperdícios reduz os custos e aumenta a eficiência e a lucratividade, tanto no curto quanto no longo prazo.
- Exemplo no agro: práticas que não agregam valor, como transporte desnecessário ou processos duplicados, devem ser eliminadas. O uso de ferramentas como mapeamento de processos pode ajudar os produtores a identificarem os gargalos e oportunidades de melhoria.
3. Identificar e criar o Fluxo Contínuo
Após a eliminação de desperdícios evidentes no fluxo de valor, é a hora de introduzir um fluxo nos processos que agregam valor. Em vez de focar apenas na eficiência de estações de trabalho (como melhorar a taxa de utilização de máquinas), a gestão deve concentrar-se no fluxo do valor do produto, onde a atenção realmente é necessária.
A ideia aqui é que os processos fluam de maneira ininterrupta, evitando interrupções e estoques intermediários. Na prática agrícola, a adoção de fluxos contínuos pode envolver o alinhamento das operações de colheita e transporte ou a integração de processos para reduzir tempos ociosos.
Transformar a produção convencional em uma produção baseada em fluxo é um grande desafio e requer uma transformação radical e melhorias contínuas para alcançar um fluxo suave nas operações.
4. Estabelecer Sistemas Puxados
Neste modelo, a produção só é iniciada quando há demanda real. Isso evita excessos de estoque e desperdícios.
O princípio de “puxar” torna-se um aspecto importante para garantir que os consumidores recebam o produto ou serviço desejado quando precisarem. De forma simples, Womack e Jones definiram o conceito de “puxar” como “ninguém na cadeia de produção deve fabricar um bem ou serviço até que o cliente final solicite”.
Esse princípio é bem diferente do modelo tradicional de “push” (empurrado) na produção. Ele, por exemplo, evita-se a compra excessiva e antecipada, reduzindo o capital imobilizado e o risco de perda de validade dos insumos.
5. Buscar a Perfeição
Buscar constantemente a perfeição é o último princípio, pois ao implementar os quatro primeiros princípios de forma eficaz, as fazendas se aproximam da perfeição. As atividades no fluxo de valor se tornam mais visíveis e compreensíveis.
Essa transparência permite que a administração explore continuamente novas oportunidades de melhoria, pois o esforço de reduzir esforço, tempo, espaço, custos e erros em um fluxo de valor nunca termina.
Esse princípio cria uma cultura de melhoria contínua onde se busca constantemente aumentar a eficiência operacional, reduzir custos e melhorar a qualidade. Significa abandonar a ideia de que é possível acertar tudo na primeira tentativa, pois sempre existirão possibilidades de melhoria nas operações. Ou seja, o princípio de buscar a perfeição indica que alcançar um estado de perfeição completo é inalcançável, mas o processo de melhoria contínua é essencial.
Eliminação de Desperdícios no Agronegócio
O agronegócio enfrenta desafios únicos, como sazonalidade, mudanças climáticas e manejo de recursos biológicos. Nessas condições, a eliminação de desperdícios torna-se essencial para aumentar a eficiência e a lucratividade.
Taiichi Ohno, um dos pioneiros do Sistema Toyota de Produção (TPS) ou sistema de produção enxuta, identificou em seu livro sete tipos principais de desperdício (superprodução, estoques excessivos, processamento desnecessário, movimentos desnecessários, defeitos, espera e transporte).Mais tarde, adicionou-se um oitavo tipo: a subutilização das capacidades e habilidades dos funcionários. Esses conceitos se aplicam diretamente ao contexto agrícola.
- Superprodução: evitar cultivos que excedam a demanda.
- Excessos de Estoques: armazenar insumos e produtos na quantidade certa, utilizando ferramentas de monitoramento.
- Processamento Desnecessário: ajustar o uso de insumos para evitar desperdícios.
- Movimentação Desnecessária: redesenhar layouts para reduzir deslocamentos em fazendas.
- Defeitos: prevenir perdas por padrões inadequados, por meio de práticas de manejo apropriadas.
- Espera: reduzir tempos ociosos com melhores planejamentos sazonais.
- Transporte: otimizar rotas e logística de escoamento de produção.
- Subutilização de Talentos: aproveitar a expertise das equipes com treinamentos e incentivos.
Estudos de Caso no Agronegócio
O estudo “The Lean Farm: Application of Tools and Concepts of Lean Manufacturing in Agro-Pastoral Crops”, de Martins et al. (2023), reuniu vários cases da Metodologia Lean aplicada ao agro. Os resultados evidenciaram aumentos significativos de produtividade e lucratividade devido à redução de perdas e desperdícios.
Essas conclusões foram alcançadas por meio de uma análise criteriosa dos resultados obtidos em diferentes fazendas e tipos de cultivo. A tabela 1 destaca alguns dos principais achados:
Tabela 1. Redução de Custos aplicados na agricultura devido à utilização da metodologia Lean.
Estudo | Resultados principais |
Estudo de produtividade em fazendas de camarão (Pakpahan et al. 2017) | Atingimento de métricas-chave: taxa de sobrevivência de 90% em sistemas intensivos e 75% em sistemas tradicionais; além de um aumento de 37% nas vendas anuais. |
Lean na agricultura Sueca (Melin e Barth, 2018) | Em 34 fazendas avaliadas, 9 estão na fase de pré-implementação, 11 estão em implementação e 14 já concluíram a implementação. Todos os cases demonstraram redução de perdas nos processos. |
Gestão Lean na indústria de arroz na Indonésia (Oliveira et al. 2019) | Redução no tempo de espera no pós-colheita de 68,41 h para 65,65 h em implementação, com uma eficiência estimada de 99,87%do tempo total de entrega e apenas 0,13% de tempo desperdiçado no carregamento. |
Redução do impacto ambiental em uma fazenda de ovos (Estrada-González et a. 2020) | Esquema ecoeficiente que reduziu o consumo total de energia em 49,5% e os impactos ambientais em 56,3% nos custos elétricos da produção de ovos. |
Lean na produção de laticínios na Índia (Kumar e Shankar, 2022) | Redução de 34,79% no tempo total de produção ao separar atividades que não agregam valor e aquelas necessárias no processo. |
Mapeamento de fluxo de valor em fazendas familiares de alface (Aguiar et al. 2020) | Redução de 23,2% de tempo em atividades que não agregam valor, com melhorias nos fluxos de processos. |
Modelagem matemática para redução de custos em sistemas agrícolas (Caicedo et al. 2022) | Redução de cerca de 59% do custo de produção em processos e plantio e colheita de banana. |
O estudo detalhou que a metodologia Lean identifica e elimina desperdícios em sete áreas principais: superprodução, espera, transporte, processamento excessivo, estoque excessivo, movimento e defeitos.
Para isso, ferramentas como o Mapeamento de Fluxo de Valor (VSM) são recomendadas para diagnosticar pontos críticos e implementar melhorias, diminuindo custos operacionais e aumentando a eficiência no uso de insumos, mão de obra ou tempo.
Benefícios do Lean no Agronegócio
- Aumento da Eficiência
O Lean otimiza processos como plantio, colheita e distribuição, eliminando gargalos e reorganizando o fluxo de trabalho.
Por exemplo, práticas como Heijunka (nivelamento da produção) ajudam a equilibrar a demanda e os recursos disponíveis, permitindo que a produção ocorra de forma mais contínua e sem interrupções desnecessárias.
Além disso, o uso de ferramentas Lean como 5S e a padronização de procedimentos operacionais conseguiram evitar desperdícios e facilitar uma execução mais rápida e ágil das atividades. Essas práticas impactaram desde a logística de distribuição até o uso de máquinas e a alocação de recursos, o que reduz o tempo de espera e torna o fluxo de operações mais eficiente e previsível.
- Melhoria da Qualidade
A redução de defeitos e a consistência nos processos são alcançadas com ferramentas como o Controle Estatístico de Processos e o uso de padrões visuais.
O uso do kaizen promove melhorias contínuas, garantindo que a qualidade do produto esteja sempre alinhada às expectativas dos consumidores. O estudo cita esses avanços em fazendas que aplicaram o Lean, como a redução das células somáticas no leite e o aumento da taxa de sobrevivência de camarões, refletindo a eficácia em manter a qualidade do produto final.
- Satisfação do Cliente
Ao alinhar a produção com as demandas de mercado, ferramentas como o Kanban e o Pull System garantem a fabricação apenas do necessário, reduzindo superprodução.
Essa abordagem melhora a sustentabilidade, aumenta a fidelidade dos consumidores e evita desperdícios.
Como implementar o Lean em sua fazenda
Embora muitas tarefas agrícolas sejam simples, elas demandam precisão, pontualidade e capacidade para responder a mudanças e resolver problemas. Um agricultor consistente, que identifica e resolve problemas rapidamente, tende a alcançar melhores resultados do que aquele que procrastina ou negligência suas atividades.
Os “segredos do sucesso” permanecem os mesmos: fazer as coisas corretamente, no momento certo, e resolver problemas, independentemente do tamanho da operação. Em grandes propriedades, o desafio é garantir que toda a equipe, incluindo trabalhadores temporários, realize essas tarefas com consistência.
É aqui que os princípios Lean entram em cena, aplicados à agricultura para eliminar desperdícios e melhorar a eficiência, não importa o porte da operação. Como mencionado no início deste artigo, existem cinco áreas principais de melhoria onde o Lean pode transformar a produtividade na agricultura:
- Eliminar o tempo sem valor agregado
- Resolver problemas com os “cinco porquês”, e não com os “cinco quem”
- Padronizar o trabalho para mão de obra temporária
- Manutenção Lean
- Métricas, comunicação e rotina diárias
Eliminando o “tempo sem valor agregado” em fazendas
Na agricultura, valor agregado é quando uma atividade melhora diretamente o produto, como plantar, cultivar, colher, limpar e embalar. Muitas outras atividades, como deslocamentos desnecessários, não agregam valor e são, portanto, consideradas desperdícios.
Mas como identificar e eliminar desperdícios?
- Defina o que é “valor agregado”: Por exemplo: Atividades como o plantio e a colheita aumentam o valor do produto. Já o deslocamento pela propriedade, embora necessário, não contribui diretamente para o produto final.
- Identifique o desperdício de tempo e esforço: Nas fazendas, os trabalhadores frequentemente percorrem grandes distâncias para realizar suas tarefas, o que pode consumir uma grande parte de seu dia. Esse deslocamento é considerado desperdício, pois não contribui para a qualidade ou o valor do produto final. Além disso, no setor agrícola, encontrar mão de obra suficiente nas épocas de pico é difícil, e reduzir o tempo desperdiçado ajuda a reduzir a necessidade de mais trabalhadores.
Um exemplo prático seria da TXM, especializada em Lean, que trabalhou com um produtor de ervas aromáticas no sul da França para identificar desperdícios no processo de colheita. Após mapear os deslocamentos, o layout do trabalho foi reorganizado, reduzindo distâncias percorridas. Com a padronização dos procedimentos, a produtividade dobrou, demonstrando como eliminar atividades sem valor agregado pode transformar uma operação.
Aplicando os “Cinco Porquês”
Em vez de perguntar “Quem causou o problema?” o Lean incentiva a equipe a se perguntar “O que deu errado?” e “Por quê?” repetidas vezes até chegar a raíz da questão. Esse método evita soluções superficiais e promove uma análise mais profunda do processo.
Aplicação de um exemplo prático:
Uma fazenda enfrentou um recall devido à presença de insetos no produto final, entregue ao consumidor. A reação inicial foi aumentar a inspeção para tentar detectar mais insetos, mas isso não eliminava a causa do problema.
Aplicando os “Cinco Porquês”, descobriram que um habitat inadequado próximo à área de colheita estava atraindo os insetos. Ao eliminar esse habitat, o risco de infestação foi significativamente reduzido.
Outro exemplo:
Em outra fazenda, a roda traseira de um trator caiu. Embora ninguém tenha se ferido, essa falha poderia ter causado um acidente grave. A gestão inicialmente pensou em culpar um trabalhador por não realizar a manutenção corretamente.
No entanto, com uma análise de causa raiz, descobriu-se que a prática usual de apertar as porcas das rodas estava resultando em um aperto excessivo, o que enfraquecia os parafusos ao longo do tempo.
A solução Lean foi introduzir uma chave de torque para garantir que o aperto das porcas fosse feito corretamente. Além disso, foi constatado que essa prática incorreta existia em toda a fazenda e poderia causar falhas semelhantes em outros veículos. Se a resposta tivesse sido culpar um trabalhador, o problema teria continuado a ocorrer, possivelmente com consequências mais graves.
Padronizando o trabalho para temporários:
Treinamento e respeito aos temporários: Um princípio central do Lean é o “respeito pelas pessoas”, que inclui tratar os trabalhadores temporários com dignidade, oferecendo treinamento adequado, comunicação frequente e feedback. Isso aumenta o engajamento e diminui os erros, pois os trabalhadores temporários se sentem mais preparados e valorizados.
Para garantir que tarefas específicas sejam executadas corretamente, o Lean recomenda o uso de instruções visuais simples. Em uma vinícola, por exemplo, um vídeo de 40 segundos mostrando como medir o nível de um tanque de vinho ajudou a evitar erros caros no processo de mistura. Esse vídeo garantiu que os temporários entendam exatamente como realizar a tarefa, reduzindo o risco de perdas de milhares de litros de produto devido a misturas incorretas.
No ambiente agrícola, temporários lidam frequentemente com máquinas complexas. O Lean utiliza ferramentas visuais, como a codificação por cores, para simplificar a tomada de decisões.
Um exemplo envolve o gerenciamento de líquidos nas máquinas agrícolas: erros na colocação de líquidos, como óleo hidráulico no motor, podem danificar equipamentos caros. Ao codificar as cores dos líquidos e adicionar lições pontuais com orientações visuais, uma grande fazenda conseguiu eliminar esses erros, mesmo com operadores temporários (Figura 2).
Manutenção Produtiva Total
A Manutenção Produtiva Total (TPM), visa garantir que equipamentos estejam em condições ideais para operação, minimizando falhas e aumentando a eficiência (Figura 3). A TPM adapta-se perfeitamente à agricultura, garantindo que máquinas essenciais, como tratores e colheitadeiras, estejam sempre em bom estado.
A abordagem Lean TPM foca em quatro pilares específicos para atender às necessidades agrícolas:
- Melhoria Focada (Focused Improvement): No contexto agrícola, isso envolve revisar e aprimorar o equipamento antes do início de cada nova safra. Equipamentos agrícolas costumam iniciar a colheita com problemas remanescentes da safra anterior, o que pode comprometer sua eficiência. Por isso, é importante implementar um processo de inspeção e revisão anual para garantir que todo o maquinário de colheita esteja em boas condições antes do próximo uso.
- Manutenção Planejada (Planned Maintenance): A manutenção planejada garante que as equipes de manutenção tenham os recursos e a organização necessários para realizar as tarefas regulares de manutenção. Isso inclui uma programação definida para verificações de rotina, permitindo que os equipamentos permaneçam operacionais durante a safra e reduzindo a chance de falhas imprevistas.
- Manutenção Autônoma ou pelo Operador (Autonomous Maintenance): A TPM no Lean incentiva os operadores a executarem tarefas básicas de manutenção, como limpeza, lubrificação e inspeção de equipamentos. Na prática, isso significa que os operadores verificam o nível de óleo, a pressão dos pneus e limpam radiadores para remover poeira. Esses cuidados diários ajudam a identificar problemas antes que se agravem e permitem que o maquinário funcione com mais eficiência.
- Educação e Treinamento (Education and Training): O TPM também foca em capacitar operadores e técnicos de manutenção para que compreendam e executem as melhores práticas de cuidado com o equipamento. Isso garante que cada operador tenha conhecimento suficiente para lidar com sua máquina, minimizando o desgaste e prolongando sua vida útil.
Aplicação do Lean nas Rotinas Diárias
Métricas diárias e até mesmo horárias são registradas para fornecer feedback constante sobre o trabalho, tanto para líderes quanto para a equipe. Esses indicadores permitem que todos entendam o progresso em relação às metas, identifiquem rapidamente problemas e ajustem as atividades para manter a eficiência.
Reuniões rápidas de dez minutos realizadas diariamente com cada equipe, abordando o desempenho frente aos indicadores, desafios do dia e oportunidades para resolver problemas, trazem muitos benefícios. No caso de uma granja de ovos, as reuniões foram organizadas em sequência para que o gerente do local pudesse participar de cada uma, obtendo uma visão geral do dia e identificando as áreas que precisavam de maior suporte.
Os líderes têm a responsabilidade de garantir que todas as tarefas necessárias para manter a consistência de desempenho sejam realizadas. Isso inclui acompanhamento das equipes, apoio nos pontos críticos e resolução de obstáculos diários.
Uma ferramenta prática do Lean é o quadro de tarefas com cartões (tee card board), onde cada tarefa diária essencial é representada por um cartão. No caso do produtor de ovos, os cartões são organizados em colunas representando os dias da semana, e cada cartão é virado de vermelho para verde quando a tarefa é concluída, indicando que está completa e não foi negligenciada. Essa rotina Lean melhorou a performance da fazenda de várias maneiras:
Todos os funcionários tinham clareza sobre o que precisavam fazer diariamente, evitando confusões e garantindo que tarefas essenciais fossem cumpridas.
Em operações intensivas, como a produção de ovos, tarefas rotineiras de manejo são importantes para a saúde animal e a qualidade da produção. O quadro de tarefas com cartões simples garantiu que não houvesse falhas, como problemas de abastecimento de água ou alimentação inadequada, evitando prejuízos e garantindo bem-estar animal (Figura 4).
Conclusão
No agronegócio, a metodologia Lean desponta como um divisor de águas, oferecendo uma abordagem prática para revolucionar a gestão das propriedades agrícolas. Inspirada em princípios de redução de desperdícios e melhoria contínua, a metodologia, oriunda da indústria, adapta-se ao setor agropecuário com soluções que permitem superar desafios.
Adotar o Lean no campo significa abraçar um modelo de produção mais enxuto, que valoriza cada etapa do processo e busca o uso inteligente de recursos. Com essa mentalidade, o agronegócio tem a oportunidade de não só promover a sustentabilidade, mas também de elevar a qualidade dos produtos e melhorar a competitividade no mercado. Essa mudança exige uma cultura de melhoria contínua e o envolvimento de toda a equipe – esforços que, como mostram experiências em setores diversos, rendem retornos significativos em produtividade, economia de custos e satisfação dos clientes.
Para produtores e gestores que desejam modernizar suas operações e alcançar maior resiliência em um cenário de constantes mudanças, o Lean Thinking se destaca como uma metodologia que serve de inspiração para novas práticas e conduz o agronegócio brasileiro a um futuro de excelência e inovação.
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Sobre a autora:
Gabriele Tarley
Estagiária em MArketing na Agroadvance
- Graduanda em Gestão Ambiental (ESALQ/USP))
- Eletricista de Manutenção Eletroeletrônica Industrial
Como citar este artigo:
TARLEY, G. Metodologia Lean: O que é e como ela pode transformar a Gestão de Propriedades Agrícolas? Blog Agroadvance. 2024. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-metodologia-lean-aplicada-no-agronegocio/. Acesso: xx Xxx. 20xx.