Agosto de 2024 trouxe um cenário alarmante para o meio ambiente e o agronegócio brasileiro. As condições climáticas extremas, como seca severa, altas temperaturas e ventos intensos, resultaram em um recorde alarmante de focos de queimadas em todo o País, afetando gravemente tanto áreas de florestas quanto de lavouras.
O impacto das queimadas gera tanto prejuízos financeiros quanto ambientais difíceis de mensurar. Dados preliminares da Confederação Nacional de Municípios (CNM) indicam que os prejuízos diretos ao agronegócio já totalizam R$ 22,8 milhões. A Raízen informou que 2% da cana-de-açúcar prevista para a safra 2024/25 foi comprometida pelos incêndios no Estado de São Paulo. Além desses impactos diretos, que são preocupantes, os danos ambientais são ainda mais difíceis de mensurar.
As queimadas alteram, de maneira direta ou indireta, diversas características dos solos, que inclui mudanças no pH, teor de nutrientes e carbono, além de impactos na biodiversidade da fauna.
Outros efeitos incluem alterações na temperatura, porosidade e densidade do solo. Ademais, essa prática contribui para o aumento do efeito estufa, a deterioração da qualidade do ar e da água, e compromete a saúde pública.
Confira a seguir o impacto das queimadas e as opções disponíveis para prevenir e minimizar seus danos.
Boa leitura!
Impacto das queimadas no solo
Os prejuízos das queimadas ao solo, tanto agrícolas quanto florestais, incluem:
- Redução da cobertura do solo
- Perda da matéria orgânica do solo
- Aumento da hidrofobicidade do solo
- Aumento da acidez (pH) e condutividade elétrica do solo
- Perda de nutrientes, como carbono e nitrogênio
- Redução na biodiversidade microbiana do solo (macrofauna e microfauna)
Vamos entender como isso ocorre.
Os solos são compostos por diversos horizontes, cada um com características pedológicas distintas. Esses horizontes se originam de processos de pedogênese, que incluem adições, perdas, translocações e transformações de materiais ao longo do tempo. O horizonte superficial, mais afetado pelas queimadas, está em contato direto com materiais em combustão, como restos de vegetação e plantas vivas.
Após uma queimada, o solo fica exposto à luz solar, o que provoca ressecamento, e à chuva, que pode ocasionar erosão, resultando na diminuição de sua capacidade produtiva.
A imagem abaixo ilustra um perfil de solo, destacando a disposição e a variação dos horizontes:
Características dos Horizontes do Solo
- Horizonte O: Formado por matéria orgânica em decomposição, como folhas e restos vegetais. É a camada mais superficial do solo, rica em nutrientes e essencial para a vida do ecossistema.
- Horizonte A: Conhecido como horizonte superficial mineral, o Horizonte A apresenta uma coloração escura devido à presença de húmus. Ele contém uma mistura de matéria orgânica e minerais, desempenhando um papel crucial na fertilidade do solo.
- Horizonte B: Acumula minerais e nutrientes lixiviados dos horizontes superiores. É mais denso e menos fértil do que os horizontes superiores.
- Horizonte C: Composto por material parental, ainda pouco alterado e pode incluir fragmentos de rocha. Serve como a base para os horizontes superiores.
- Horizonte R: Representa a rocha consolidada, que não sofreu alterações significativas pelos processos de intemperismo. Ele forma a camada mais profunda do solo.
Agora, compreendendo a estrutura das camadas do solo, consegue imaginar como o calor do fogo deteriora suas partes superficiais e prejudica também as mais profundas?
Efeitos Pós Queimadas ao solo
Pesquisas mostram que, após a ocorrência de queimadas, há um aumento temporário nos níveis de nutrientes como cálcio (Ca), magnésio (Mg), fósforo (P) e potássio (K), além de uma elevação no pH do solo, tornando esses elementos imediatamente acessíveis às plantas.
Contudo, esse efeito é passageiro, pois quando as chuvas chegam os nutrientes são rapidamente lixiviados.
Além dos nutrientes, há uma perda significativa de matéria orgânica do solo, o que impacta negativamente a atividade e a diversidade microbiológica do solo, causando sua degradação.
Estudos mostram que em temperaturas superiores a 60°C são suficientes para reduzir drasticamente a biomassa microbiana do solo.
O fogo pode gerar mudanças duradouras nas propriedades do solo, como pH, textura e retenção de umidade, influenciando a recuperação das plantas e da microbiota do solo. A recuperação das propriedades físicas do solo depende da intensidade e frequência do fogo, bem como da capacidade de recuperação das plantas e organismos do solo.
As queimadas também desempenham um papel importante na emissão de gases de efeito estufa, como monóxido de carbono (CO) e dióxido de carbono (CO2), além de compostos nitrogenados.
O material particulado, que contém carbono e minerais, é levado pelo vento e retorna ao solo através da chuva. Essas partículas são uma importante fonte de poluição atmosférica que podem afetar a qualidade do ar e, consequentemente, as vias respiratórias da população. A exposição a esses poluentes pode agravar doenças respiratórias, como asma e bronquite, especialmente em áreas próximas aos focos de queimadas.
A importância da palhada na cobertura do solo
A palhada que cobre o solo após a colheita da cultura implantada desempenha um papel crucial na saúde do solo ao longo do ciclo das safras.
Sua degradação gradual ajuda a controlar eficientemente as plantas daninhas e favorece a infiltração da água, reduzindo o escoamento superficial e a erosão, especialmente em áreas com maior inclinação.
Além disso, essa prática diminui significativamente a necessidade de herbicidas, que se tornam obrigatórios em áreas agrícolas que sofrem os danos das queimadas.
A cobertura de palhada também protege a porosidade do solo e a evaporação excessiva de água e da radiação solar, atenuando os efeitos das altas temperaturas.
Algumas vantagens da palhada na cobertura do solo são:
- Redução considerável do uso de herbicidas para o controle de plantas daninhas;
- Proteção do solo contra a erosão e altas temperaturas;
- Favorece a infiltração de água e reduz a evaporação da água no solo, mantendo a umidade do solo;
- Proteção da atividade microbiológica do solo, favorecendo o controle de pragas e doenças;
- Melhora propriedades físico-químicas construindo um bom perfil de solo.
Todos esses fatores são importantes para o bom desenvolvimento da atividade agrícola implantada na fazenda. Assim, os impactos econômicos causados pelas queimadas são amplamente significantes, mas os impactos ambientais causados pela eliminação da palhada são imensuráveis.
Consequências das queimadas para o Agronegócio
Os danos econômicos causados pelas queimadas são preocupantes. Para a cana-de-açúcar, por exemplo, as queimadas podem reduzir a produtividade da cultura e o ATR, além de forçar o produtor a renovar o canavial antes do previsto, aumento os custos de produção.
A Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana) estimou em R$R$500 milhões as perdas econômicas devifo os focos de incêndio que atingiram o estado de são Paulo em agosto desde ano. Foram queimados cerca de 80 mil hectares de cana, considerando tanto canaviais que poderiam ser colhidas, como canaviais que estava em crescimento vegetativo.
Os prejuízos não se limitam apenas à destruição imediata das culturas, mas também afetam a qualidade do solo e a viabilidade das práticas agrícolas a longo prazo.
A degradação da qualidade do solo leva a uma redução na produtividade agrícola, resultando em perdas financeiras significativas para os agricultores.
Culturas que antes se desenvolviam em solos férteis podem se tornar inviáveis, obrigando os produtores a recorrerem a insumos químicos e readequar o manejo para tentar restaurar a fertilidade perdida, o que eleva os custos de produção.
As queimadas no Brasil, especialmente em agosto, apresentaram uma situação preocupante, com um aumento significativo nos focos de incêndio em diversas regiões.
Esse aumento nos focos de queimadas está diretamente relacionado à estiagem prolongada que afeta amplas regiões do Brasil.
Um mapeamento recente revelou que a distribuição das chuvas tem sido muito irregular em diversas áreas do país desde o início do outono.
É importante destacar que o inverno é a estação com menor índice de chuvas no Brasil em comparação com as demais. A combinação de altas temperaturas e a falta de chuvas resulta em solo e vegetação secos, tornando-os altamente inflamáveis.
Esse cenário favorece a rápida propagação de incêndios, especialmente em áreas de vegetação densa, o que pode devastar ecossistemas inteiros e piorar a qualidade do ar.
Alternativas para mitigar e prevenir o impacto das queimadas
As alternativas mais eficazes para prevenir queimadas incluem uma combinação de práticas sustentáveis, conscientização e regulamentação.
Aqui estão algumas das principais estratégias:
Construção de aceiros
Aceiros são áreas agrícolas onde a cobertura do solo foi completamente eliminada ao longo das cercas e divisas de talhões.
Sua principal função é evitar a propagação do fogo para regiões vegetadas ou com palhada no solo, ajudando a prevenir queimadas e incêndios.
Os aceiros devem ser criados no início da estação seca, quando a vegetação começa a murchar. Essa é uma estratégia eficaz para impedir a entrada de fogo nas áreas das propriedades rurais.
Vigilância nas Propriedades Rurais
Em propriedades rurais, mantenha sempre a área aceirada e incentive os vizinhos a ficarem atentos a qualquer sinal de queimada.
Evite o Fogo como Limpeza
Não utilize fogo para limpeza em qualquer local, nem para descarte de materiais.
Destinação Correta de Resíduos
Não queime lixo, folhagens, galhadas ou entulhos, especialmente perto de áreas de vegetação. Esses materiais devem ser descartados de forma adequada.
Cuidados na Zona Urbana
Proprietários de terrenos urbanos devem manter suas propriedades limpas, com pouca ou nenhuma vegetação, para evitar riscos de incêndio.
Ação Rápida em Caso de Incêndio
Se você perceber um incêndio, acione imediatamente o Corpo de Bombeiros pelo telefone 193 ou a Defesa Civil pelo 199.
Mantenha a calma, identifique-se e forneça a localização exata e pontos de referência para facilitar o atendimento.
No caso das propriedades rurais, conte com a ajuda de vizinhos e colaboradores. É importante manter-se atento.
Conscientização e Capacitação
A conscientização e a educação são fundamentais na prevenção de queimadas, pois ajudam a criar uma cultura de respeito ao meio ambiente e de responsabilidade coletiva.
Através de campanhas de sensibilização e da disseminação de dicas práticas, é possível mobilizar a população para ações que protejam os ecossistemas e reduzam os riscos de incêndios.
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Conclusão
A escassez de precipitação tem contribuído de forma significativa para a propagação dos incêndios, agravando problemas já críticos enfrentados.
Os impactos das queimadas são profundos. A degradação ambiental causada pelas queimadas representa um desafio significativo para o agronegócio, com impactos econômicos profundos e duradouros.
A seca prolongada, intensificada por um outono e inverno com temperaturas acima da média, cria um ambiente favorável ao aumento das queimadas.
Os prejuízos não se limitam apenas à destruição imediata das culturas, mas também afetam a qualidade do solo e a viabilidade das práticas agrícolas a longo prazo.
Referências
SILVEIRA, E.C.Aceiros evitam propagação de fogo em pastagens. 2008. Embrapa News. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/18031879/aceiros-evitam-propagacao-de-fogo-em-pastagens>. Acesso em: 02 Set. 2024.
BORGES, G.Balanço das queimadas em agosto: comparativo entre 2023 e 2024. 2024. Climatempo.com.br – Disponível em: <https://www.climatempo.com.br/noticia/2024/08/28/balanco-das-queimadas-em-agosto-comparativo-entre-2023-e-2024-6181>. Acesso em: 02 Set. 2024.
GOV.BR -Queimadas: Prevenir é melhor que combater! GOV.BR. 2023.Disponível em: <https://www.gov.br/dnit/pt-br/assuntos/portais-tematicos/br-280-sc/noticias/queimadas-prevenir-e-melhor-que-combater>. Acesso em: 02 Set. 2024.
Sobre a autora:
Simone Cristina Dameto
Diretora de Negócios na Agência Do Campo à Cidade
- Engenheira Agrônoma e Produtora Rural