Deficiência de nitrogênio nas plantas: entenda o papel do nitrogênio na nutrição vegetal e entenda o que acontece fisiologicamente quando há deficiência nutricional.
Os sintomas de deficiência de nitrogênio nas plantas é facilmente reconhecida a campo: trata-se da clássica clorose presente nas folhas velhas. Esses sintomas visuais de deficiência constituem a manifestação final de que o fornecimento de nutrientes foi insuficiente. É um momento drástico em que não é mais possível reverter o dano que a planta sofreu.
Na nutrição de plantas clássica esses sintomas são utilizados como ferramenta para caracterizar o estado nutricional das plantas e otimizar a fertilização. Isso também ocorre para os outros nutrientes, como na deficiência de fósforo, potássio, cálcio e enxofre.
O Nitrogênio é o elemento essencial requerido em maior quantidade pelas plantas (da ordem de gramas do nutriente por quilo de massa seca – g kg-1). Sua deficiência afeta drasticamente o crescimento e a produtividade vegetal.
Na planta, o N é constituinte principal de:
- Purinas e pirimidinas que compõem os ácidos nucleicos (DNA e RNA);
- Macromoléculas como aminoácidos, peptídeos, proteínas e enzimas. A maior parte das moléculas de N está presente nos cloroplastos como Rubisco, proteínas do fotossistema, e nas moléculas de clorofila;
- Íons ou moléculas de sinalização (por exemplo, NO3−; NH4+ e NO).
Os principais sintomas de deficiência de nitrogênio nas plantas são:
- Clorose geral nas folhas mais velhas.
- Crescimento atrofiado, folhas pequenas, ramificação reduzida e floração precoce.
- Muitas vezes ocorre acúmulo de antocianina (coloração púrpura) em folhas e caule.
Repostas morfológicas e fisiológicas da deficiência de nitrogênio nas plantas
Por que as plantas apresentam sintomas visuais de deficiência de N? Plantas deficientes em N desencadeiam uma série de respostas que afetam, por exemplo: a arquitetura da raiz, o desenvolvimento de brotos e a floração (Figura 1). Entenda a seguir todas as repostas morfológicas e fisiológicas desencadeadas pela deficiência de N nas plantas, conforme listado por Bang et al., 2021 em artigo publicado na revista New Phytologist.
Figura 1. Modelo esquemático mostrando como o nitrogênio (N) afeta o crescimento e a fisiologia das plantas. (Traduzido de Bang et al., 2021).
1. Deficiência de nitrogênio nas plantas afeta a absorção de nitrato
O NO3– desempenha papel central no desencadeamento de respostas à deficiência de N pela planta devido à sua função de sinalização. O principal transportador de nitrato é o NRT1.1 que trabalha tanto em alta como em baixa afinidade pelo íon (possui dupla afinidade) e detecta concentrações externas de nitrato. O suprimento de N, portanto, irá influenciar diretamente no funcionamento do NRT1.1.
Em altas concentrações de NO3– , a proteína CIPK8 regula a fosforilação do NRT1.1, fazendo-o trabalhar em estado de baixa afinidade. Com isso, as concentrações de Ca2+ no citosol aumentam. Três proteínas quinases CPK (CPK10, CPK30 e CPK32) agem fosforilando o Ca2+ na proteína NLP7 no núcleo da célula vegetal. O NLP7 induz a expressão de centenas de genes como parte da resposta primária ao nitrato (PNR).
Em baixa concentração de NO3– , por sua vez, a proteína CIPK23 fosforila o NRT1.1 fazendo com que o transportador funcione em estado monomérico de alta afinidade e todos os processos decorrentes do aumento da concentração de Ca2+ no citosol não ocorrem, o que afeta inúmeros processos vegetais.
2. Deficiência de nitrogênio nas plantas afeta a arquitetura do sistema radicular
A distribuição espacial e a concentração de N afetam o desenvolvimento das raízes.
Em condições de deficiência de nitrogênio leve há um alongamento das raízes laterais e da raiz primária das plantas estimuladas pela presença da auxina nas pontas radiculares.
Por outro lado, sob deficiência severa ou prolongada de N, o transportador de nitrato NRT1.1 remove a auxina da raiz principal, inibindo seu crescimento, bem como o comprimento total das raízes. Além da auxina, peptídeos específicos CLE (CLAVATA3: Relacionado a Região Circundante do Embrião) também inibem o crescimento da raiz lateral.
Em condições com distribuição heterogênea de N, a sinalização sistêmica é realizada através de peptídeos codificados (CEP e CEPD) que em baixo N induz o crescimento da raiz lateral e em alto N induz a absorção de N. A citocina promove o desenvolvimento das raízes em alto fornecimento de N através da sinalização raiz-parte aérea-raiz.
As plantas melhoram o desenvolvimento das raízes quando há fornecimento de N. Estudos mostram que plantas deficientes em N expostas a um suprimento local de NH4+ respondem desenvolvendo mais raízes laterais de segunda e terceira ordem através de um mecanismo dependente do transportador de NH4+: AMT1;3.
3. Deficiência de nitrogênio nas plantas afeta o tempo de floração
A deficiência de nitrogênio nas plantas também afeta a transição do estágio vegetativo para o reprodutivo da planta. Normalmente a deficiência leve de N promove o florescimento em comparação com a deficiência severa e de plantas supridas com altos níveis de N (a). Vários mecanismos são responsáveis por vincular o suprimento de N e a floração (b), como: envelhecimento (mecanismo central), fotoperíodo, ácido giberélico, vernalização, bem como um caminho autônomo. O GENE DA FLORAÇÃO (FT) desempenha papel central para esta regulação.
Na via do envelhecimento, o equilíbrio entre os genes miR156 e miR172 afeta de forma oposta o gene FT, via expressão de APATELA2 (AP2) e da proteína de ligação SPL. No envelhecimento vegetal os níveis de miR156 diminuem em relação ao miR172, promovendo a transição do estágio vegetativo para o reprodutivo. Em condições de baixo N a expressão do miR156 é induzida e do gene miR172 é reprimida, afetando assim o tempo de floração e a transição de estágio, dependendo do estágio de desenvolvimento.
Na via do fotoperíodo, concentrações altas ou baixas de NO3− afetam de forma oposta a expressão da Ferredoxina NADP oxido-redutase 1 (FNR1) que afeta positivamente o gene FT via constante (CO) e Citocromo 1 (CRY1). A deficiência de N induz a FNR1, que por sua vez controla a atividade do CRY1, levando à floração precoce.
A via de vernalização e a via autônoma inibem o LOCUS C DE FLORESCÊNCIA (FLC) que, por sua vez, inibe o gene FT.
4. Deficiência de nitrogênio nas plantas afeta a síntese de clorofila e a proteólise de aminoácidos
A deficiência de nitrogênio resulta em proteólise de aminoácidos que são translocados através do floema das folhas velhas para as folhas novas.
O glutamato é o precursor da síntese da clorofila e é estimulado pelo nitrogênio. A deficiência de nitrogênio induz a quebra da clorofila via proteólise levando à liberação de aminoácidos, amidos e NH4+. Todos esses compostos liberados são altamente móveis no floema. As folhas mais velhas atuam como tecido “fonte”, fornecendo N para os tecidos jovens e em desenvolvimento como folhas, flores e sementes (drenos). Como consequência, os sintomas visuais são primeiro visíveis nas folhas mais antigas.
5. Deficiência de nitrogênio nas plantas afeta o crescimento da folha
Ramificação reduzida, crescimento atrofiado e inibição da expansão da folha constituem respostas fisiológicas centrais à deficiência de nitrogênio. Essas respostas estão intimamente ligadas à citocinina produzida nas raízes em resposta ao NO3−. A síntese da citocinina trans-zeatina na raiz (tZ) e do precursor da citocinina trans-zeatina-ribosídeo (tZR) está correlacionada com os níveis de nitrato. A citocinina derivada da raiz regula positivamente o tamanho e a atividade do meristema apical da parte aérea (SAM) e quebra a dormência do broto auxiliar. Coletivamente, isso leva a mais brotos e mais folhas. Além disso, a citocinina atrasa a senescência e ativa a fotossíntese, resultando em melhor assimilação de carboidratos.
6. Deficiência de nitrogênio nas plantas induz a síntese de antocianina
Em algumas espécies, a deficiência de nitrogênio nas plantas induz a síntese de antocianina nos caules e folhas, resultando em sintoma visual de coloração avermelhada nesses órgãos. Isso só é visto em algumas espécies e também pode ser influenciado por outros fatores abióticos, como alta intensidade de luz, baixas temperaturas e deficiência de fósforo.
Baixo N induz a transcrição de PRODUÇÃO DE PIGMENTO DE ANTOCIANINA (PAP) através da via mediada pela miR165 da SPL9 (SQUAMOSA PROMOTOR BINDING PROTEIN-LIKE 9).
Alto N reprime a expressão dos genes PAP através da expressão mediada por genes NLP7 do DOMÍNIO DE LIMITE DE ÓRGÃOS LATERAIS (LBD). Além disso, as proteínas DELLA afetam positivamente o acúmulo de antocianina durante a deficiência de N, através da repressão de efeitos negativos do ácido giberélico (GA) na biossíntese de antocianina.
Considerações
Conectar os sintomas visuais da deficiência de nitrogênio ns plantas com as funcionalidades moleculares e fisiológicas das plantas nos permitem entender melhor as ligações entre sintoma e função desse elemento. Com isso, podemos compreender como esses distúrbios podem afetar a produtividade e a biodiversidade dos ecossistemas terrestres.
Essas informações também podem servir de apoio para novas tecnologias que facilitem práticas automatizadas baseadas em imagem, sensoriamento remoto e sensores de campo para direcionar adubações de forma mais inteligente e eficiente.
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Quer entender o que ocorre com os outros macronutrientes em caso de deficiência? Baixe o nosso Guia Técnico de Fisiologia Vegetal que fala sobre os Processos Morfológicos e Fisiológicos afetados pela deficiência de macronutrientes
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Referências
Bang, T. C., Husted, S., Laursen, K. H., Persson, D. P., & Schjoerring, J. K. The molecular‐physiological functions of mineral macronutrients and their consequences for deficiency symptoms in plants. New Phytologist. v. 229, p. 2446-2469, 2021. https://doi.org/10.1111/nph.17074
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
Respostas de 3
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Muito bom!
Muito interessante e de grande importância saber identificar os problemas nas deficiência das planta para proceder a uma aplicação de insumos coretos para não cair a produção das lavoras