A deficiência de fósforo desencadeia uma série de respostas morfológicas e fisiológicas nas plantas que culminam com o aparecimento dos sintomas visual de deficiência do nutriente nas plantas, assim como ocorre para os outros nutrientes como nitrogênio, potássio, cálcio e enxofre.
As plantas absorvem o fósforo predominantemente na forma de íons inorgânicos de ortofosfato (H2PO4- e HPO42-, dependendo do pH do solo).
Na planta, o P é constituinte principal de:
- Biomoléculas essenciais envolvidas no metabolismo energético (ATP, NADPH);
- Ácidos nucleicos (DNA e RNA);
- Fosfolipídios nas membranas celulares.
A hidrólise da ligação P-O-P no trifosfato de adenosina (ATP) para produzir ADP e fosfato inorgânico (Pi) é a principal fonte de energia bioquímica dentro da célula (Kamerlin et al ., 2013 ).
Os principais sintomas de deficiência de P na planta são:
- Emergência e crescimento lentos;
- Folhas velhas verde-escuras e/ou roxas, com pecíolos e nervuras arroxeados, principalmente na parte abaxial;
- Plantas estioladas ou com crescimento bastante prejudicado.
Mas quais os processos que desencadeiam esses sintomas visuais? vamos conferir logo abaixo:
Respostas Morfológicas e Fisiológicas da planta afetadas pela deficiência de fósforo
A deficiência de fósforo na planta desencadeia uma série de respostas que afetam, por exemplo: a arquitetura do sistema radicular, a produção de pigmentos antocianinas e as reações dependentes de ATP (Figura 1).
Todas as respostas morfológicas e fisiológicas desencadeadas a partir da deficiência de P nas plantas apresentadas aqui, estão listadas e explicadas em artigo de Bang et al., 2021 publicado na revista New Phytologist.
Figura 1. Modelo esquemático mostrando como fósforo (P) afeta o crescimento e a fisiologia das plantas (Bang et al., 2021).
Deficiência de fósforo e as propriedades funcionais do P na fotossíntese
A deficiência de fósforo afetará tanto as reações luminosas (fase clara) como as reações químicas (fase escura) da fotossíntese.
Nas reações luminosas, a luz absorvida é conduzida à cadeia transportadora de elétrons na membrana do tilacóide para gerar ATP e NADPH.
Baixos níveis de fósforo inorgânico (Pi; PO43-) no cloroplasto levam a uma redução na produção de ATP, porque o Pi, juntamente com CO2 e H2O, são os substratos primários para a fotossíntese.
Nas reações da fase escura (ciclo de Calvin-Benson) as moléculas de ATP e NADPH são usados para converter CO2 em carboidratos no estroma do cloroplasto.
A baixa concentração de fósforo presente no estroma do cloroplasto também afeta a assimilação de CO2 no ciclo de Calvin, afetando a taxa de carboxilação da rubisco e da regeneração das moléculas de ribulose-1,5-bifosfato (RuBP), 3 PGA, 3-fosfoglicerato. G3P, gliceraldeído-3-fosfato, dependentes de P.
Além disso, durante a deficiência de fósforo, uma maior fração de NADP+ permanece na forma reduzida (NADPH), pois não pode ser utilizada no ciclo de Calvin-Benson devido à limitação do ATP.
Uma característica marcante da deficiência de fósforo é, portanto, uma redução drástica na assimilação de CO2 com consequente redução na produção de biomassa vegetal.
Deficiência de fósforo e a redução na produção de ATP
Baixos níveis de Pi no cloroplasto, causados pela deficiência de fósforo, causam uma redução na produção de ATP.
A síntese reduzida de ATP, por sua vez, afeta o fluxo de prótons do lúmen dos tilacóides para o estroma do cloroplasto. Como resultado há a acidificação do lúmen, o que desencadeia a dissipação de energia via extinção não fotoquímica.
Deficiência de fósforo e a exsudação de citrato e outros ácidos orgânicos
Existe uma forte correlação da nutrição com fósforo e a respiração celular. Existem duas vias para a transferência de elétrons para redução do oxigênio molecular (O2) durante a respiração: a via convencional da enzima citocromo oxidase (COX) e a via alternativa da oxidase (AOX).
Geralmente, a expressão de AOX é muito baixa até que surja uma condição de estresse.
Quando a concentração de Pi da célula diminui, menos substrato está disponível para fosforilação oxidativa (síntese de ATP) através da via COX. Isso desencadeia a via AOX, sem síntese de ATP, garantindo que o transporte de elétrons no processo de respiração continue sob inanição de P.
Além disso, a deficiência de P leva ao acúmulo de óxido nítrico (NO), o que afeta o ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) e leva à inibição da enzima aconitase.
Como consequência, o citrato se acumula, levando à estimulação da AOX em relação à COX e promovendo a exsudação de citrato da raiz para a rizosfera.
Dessa forma, um dos ajustes bioquímicos promovido pelas plantas durante a deficiência de P é a ativação da exsudação de ácidos orgânicos, como o citrato, para solubilizar o P inorgânico aprisionado em sais precipitados de Al, Fe e Ca na rizosfera.
Os ácidos orgânicos são produzidos principalmente nas mitocôndrias através do ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) (ciclo de Krebs) e, em menor grau, nos glioxissomos como parte do ciclo do glioxilato.
Os ácidos orgânicos possuem alta afinidade por Al, Fe e Ca e podem deslocar o Pi de complexos insolúveis por meio de troca de ligantes, aumentando a solubilidade do P e tornando o Pi do solo disponível para absorção pelas plantas.
Em condições de deficiência de fósforo, há um aumento na atividade de enzimas-chave, como citrato sintase (CS) e PEP carboxilase, envolvidas na biossíntese de ácidos orgânicos, e, como resposta, ácidos orgânicos são liberados para a rizosfera.
Deficiência de fósforo e a arquitetura do Sistema Radicular
A arquitetura do sistema radicular das plantas (raízes primárias e pelos radiculares) é afetada durante a deficiência de fósforo, que pode aumentar/reprimir o crescimento da raiz primária e da raiz lateral dependendo da espécie vegetal, enquanto a densidade e o comprimento dos pelos radiculares geralmente são aumentados.
O comprimento e a densidade de pelos radiculares e raízes finas são pontos importantes para a aquisição de P, pois fornecem a maior área de superfície para absorção de P com o menor investimento de carbono na biomassa radicular.
De modo geral há um aumento na relação raiz: parte aérea e alteração na arquitetura da raiz para facilitar uma exploração mais completa dos recursos de P do solo, particularmente na superfície do solo onde a maior parte do nutriente tende a se acumular.
Plantas de milho tendem a alocar relativamente mais recursos de carbono para suas raízes durante a deficiência de fósforo e apresentam até mesmo um leve alongamento das raízes. Também as raízes do arroz japônica respondem com alongamento da raiz primária sob deficiência de fósforo.
Contudo, para algumas espécies, como Arabidopsis thaliana , respondem à inanição de P por um processo chamado exaustão do meristema apical da raiz, onde as células dentro da ponta da raiz perdem atividade meristemática e as células na zona de alongamento são interrompidas, levando a uma redução no crescimento da raiz primária.
A auxina é um regulador chave da arquitetura do sistema radicular e desempenha um papel importante na formação da arquitetura das raízes durante a inanição de P.
O meristema apical da raiz parece ser importante a esse respeito, pois a auxina se acumula no meristema apical quando o P se torna limitante, o que inibe o crescimento adicional da ponta da raiz, independentemente do status de P da parte aérea.
Surpreendentemente, essa resposta inibitória do crescimento da ponta da raiz à auxina é oposta ao alongamento das raízes laterais, que são promovidas pelo acúmulo de auxina.
Deficiência de fósforo e o transporte de Auxina
Durante a deficiência de fósforo, há um aumento na biossíntese da estrigolactona (hormônio vegetal que regula o crescimento de gemas laterais) nas raízes, levando ao aumento do transporte de estrigolactona para a parte aérea e aumentando seu nível na gema, que, por sua vez, inibem o transporte de auxina para longe da gema.
Quando o nível de auxina no botão é alto, o nível de citocinina é baixo e o crescimento da gema é inibido.
Deficiência de fósforo e a produção de Antocianina
Um sintoma marcante da deficiência de P é a presença da cor roxo-avermelhado nas folhas ou caules, que ocorre devido ao acúmulo de antocianinas.
As antocianinas são pigmentos flavonoides sintetizados na face citoplasmática do retículo endoplasmático e armazenados nos vacúolos onde são protegidos da oxidação pelo baixo pH.
As antocianinas normalmente se acumulam em um fundo de cor verde escuro, devido à alta concentração de clorofila causada pela redução na divisão e alongamento celular em plantas deficientes em fósforo.
Não são todas as espécies vegetais que acumulam antocianina sob deficiência de fósforo. Exceções importantes a esse sintoma clássico são, por exemplo, a batata, a beterraba e o arroz.
Além disso, a manifestação desse sintoma é diferente entre as espécies. Enquanto o tomate apresenta pigmentação arroxeada na face abaxial da folha, no milho os sintomas aparecem na face adaxial. Além disso, outras espécies tendem a acumular antocianina no caule e nas margens das folhas.
A severidade dos sintomas de deficiência de fósforo parece ser fortemente influenciada por fatores abióticos, como temperatura foliar e intensidade luminosa.
Fisiologicamente falando, esse sintoma ocorre, pois, a deficiência de P desencadeia o aumento da expressão de genes na via Biosintética das antocianinas.
Alguns destes genes parecem ser dependentes da giberelinas (que tem seus níveis reduzidos sob deficiência de P) e por consequência induzem a síntese de antocianina.
Acredita-se que o principal papel das antocianinas seja a fotoproteção dos complexos coletores de luz do PSII, pela dissipação de energia térmica excedida pela absorção excessiva de fótons.
Assim, a produção de antocianina, pode ser vista como uma resposta de feedback à deficiência de fósforo, a fim de evitar a super excitação e danos ao PSII.
Considerações
A deficiência de fósforo é limitante para o crescimento vegetal. Quando os sintomas visuais se fazem presentes já não é mais possível reverter o dano causado pela deficiência nutricional desse elemento.
Entender a importância do fósforo para os processos morfológicos e fisiológicos das plantas é importante, portanto, para entender como eles podem afetar a produtividade e a biodiversidade dos ecossistemas terrestres.
Quer entender o que ocorre com os outros macronutrientes em caso de deficiência? Baixe o nosso Guia Técnico de Fisiologia Vegetal que fala sobre os Processos Morfológicos e Fisiológicos afetados pela deficiência de macronutrientes
E ouça no Spotify o Episódio 5 do PodCast Agro em Meia Hora ou mais, com o professor Paulo Mazzafera sobre sobre
Referências
Bang, T. C., Husted, S., Laursen, K. H., Persson, D. P., & Schjoerring, J. K. The molecular‐physiological functions of mineral macronutrients and their consequences for deficiency symptoms in plants. New Phytologist. v. 229, p. 2446-2469, 2021. doi: 10.1111/nph.17074
Kamerlin SCL, Sharma PK, Prasad RB,Warshel A. Why nature really choose phosphates. Quarterly Reviews of Biophysics. V. 46, p. 1–132. 2013.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
Uma resposta
Excelente artigo, agregou muito aos meus conhecimentos enquanto graduando de agronomia.