Depois da fotossíntese – processo realizado pelas plantas para a produção de energia, a Fixação Biológica do Nitrogênio (FBN) é um dos processos mais importantes para a sobrevivência das espécies.
As estimativas são de que a FBN contribui com cerca de 65% de todo o N reativo introduzido no ciclo do N no planeta, ou 96% da fixação por processos naturais.
Bactérias diazotróficas transformam o N2, gás que constitui 78% da atmosfera terrestre em N assimilável pelas plantas. Esse mesmo N irá depois ser utilizado para produção de aminoácidos, proteínas e todos os demais compostos orgânicos essenciais à manutenção da vida.
Assim, pode-se afirmar que a FBN é uma verdadeira “fábrica biológica”, capaz de suprir as necessidades de várias leguminosas como a soja.
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O que é a fixação biológica do nitrogênio?
A fixação biológica de nitrogênio é um processo de simbiose mutualística entre uma planta e bactérias diazotróficas. As bactérias se fixam nas raízes do hospedeiro em troca de abrigo, nutrientes e compostos fotoassimilados, formando nódulos.
Em contrapartida, realizam a fixação atmosférica do nitrogênio (N2) em amônia (NH3) que passam a ser utilizados pela planta em seu metabolismo. Dessa forma a fixação biológica de nitrogênio captura da atmosfera milhares de tonelada de N2 por ano e transforma em formas assimiláveis de nitrogênio para a formação de proteínas e tecidos.
A reação que ocorre durante a fixação biológica de nitrogênio é a seguinte:
N2 + 8 e– + 8 H + 16MgATP —> 2NH3 + H2 + 16MgADP + 16 Pi
O Brasil se destaca hoje como maior produtor mundial de soja devido a adoção de tecnologias que são ambientalmente favoráveis, como a fixação biológica de nitrogênio, onde a inoculação das sementes com bactérias do gênero Bradyrhizobium dispensa totalmente a utilização de fertilizantes nitrogenados e por isso diminui as emissões de gases de efeito estufa e a contaminação de lençóis freáticos com nitrato.
Quais os benefícios da FBN?
Os grãos de soja contêm cerca de 40% de proteína e 15% dessa proteína é nitrogênio. A Fixação biológica de nitrogênio é a capaz de suprir toda a demanda da cultura da soja, juntamente com o N oriundo da matéria orgânica do solo, alcançando elevados índices de produtividade.
A técnica de inoculação da semente é uma ferramenta de grande importância para maximizar a fixação biológica de nitrogênio. Durante os anos houve uma grande evolução das técnicas de inoculação, que buscam os seguintes objetivos:
- Garantir uma alta concentração de bactérias sobre a semente;
- Incorporar ao solo estirpes de alta capacidade de fixar biologicamente mais nitrogênio do ar;
- Manter altos níveis de sobrevivência bacteriana para se obter maior quantidade de nódulos provenientes dos inoculantes.
Ambientalmente falando a fixação biológica de nitrogênio reduz os impactos ambientais devido à não utilização de fertilizantes minerais. O aproveitamento dos fertilizantes nitrogenados pelas plantas é baixo e raramente ultrapassa 50%. Isso significa que ao aplicar 100 kg de N, pelo menos 50 kg são perdidos por diferentes processos que ocorrem no solo, como volatilização e lixiviação.
Pensando na fixação biológica de nitrogênio, a contribuição de N não excede as necessidades dos agroecossistemas. Além das perdas econômicas, o fertilizante perdido simboliza uma grave fonte de poluição ambiental, contaminando rios, lagos, lençóis freáticos e a atmosfera com gases de efeito estufa, incluindo o óxido nítrico e o óxido nitroso, que são os de maior impacto à camada de ozônio.
A fixação biológica de nitrogênio também traz benefícios econômicos, devido a não utilização de fertilizantes nitrogenados nas lavouras de soja. Estima-se que o Brasil economize anualmente cerca de US$ 8 bilhões.
Vantagens e desvantagens da fixação biológica de nitrogênio comparado a fertilizantes minerais
Se houver uma associação eficiente entre esses microrganismos diazotróficos e as plantas, o nitrogênio fixado pode suprir todas as necessidades de várias espécies com importância econômica e ambiental, eliminando a necessidade de fertilizantes nitrogenados.
No caso da simbiose com leguminosas, são observados aportes de grandes quantidades de nitrogênio por hectare por ciclo.
Na Tabela 1, são apresentadas as principais vantagens e desvantagens da fixação biológica de nitrogênio (FBN) em simbiose em comparação com o uso de fertilizantes nitrogenados.
O caso mais bem-sucedido de utilização da FBN na agricultura, reconhecido internacionalmente, é a cultura da soja no Brasil, resultado de décadas de investimentos em pesquisa, transferência de tecnologia e adoção pelos agricultores.
Tabela 1. Principais vantagens e desvantagens da utilização de fertilizantes nitrogenados e do processo de fixação biológica de N2 (FBN) em leguminosas
Vantagens |
Desvantagens |
Fertilizantes nitrogenados | |
1. Disponibilidade imediata para as plantas 2. Crescimento inicial mais rápido das plantas; 3. Plantas inicialmente mais verdes; 4. Em geral o custo energético para a sua absorção pelas plantas é inferior ao custo da FBN |
1. Gasto energético elevado para a sua síntese, transporte e utilização; 2. Em condições tropicais, em geral, no máximo 50% do fertilizante nitrogenado aplicado é aproveitado pelas plantas; 3. Perdido facilmente por desnitrificação, volatilização, lixiviação; 4. Poluição das águas; 5. Emissão de gases do efeito estufa. |
Fixação biológica de N | |
1. Menor custo para o agricultor; 2. Melhor aproveitamento do N pelas plantas, translocação mais eficiente do N para os grãos; 3. Menores impactos ambientais 4. Melhoria e manutenção da fertilidade do solo. |
1. Plantas dependentes da FBN podem ter um crescimento inicial mais lento, pois há necessidade de formação e início de atividade dos nódulos; 2. As exigências nutricionais das plantas dependentes da FBN são mais elevadas, pois precisam atender às suas necessidades, das bactérias e da simbiose; 3. Plantas dependentes da FBN são mais sensíveis a estresses abióticos; 4. Estirpes de bactérias fixadoras e genótipos de plantas diferem em sua efetividade e o processo de seleção e melhoramento de ambos os parceiros precisa ser contínuo. |
O produtor deve utilizar fertilizante nitrogenado para um “arranque inicial” da soja?
Muitos produtores são orientados a fazerem uma “aplicação de arranque” com N mineral no plantio da soja. Essa prática é mesmo correta? Embora essa questão tenha sido alvo de muitos debates a resposta mais sensata diante de evidências científicas é: não!
A aplicação de fertilizantes nitrogenados na soja, além de aumentar os custos de produção, pode comprometer o processo simbiótico e interferir na formação dos nódulos que são as grandes fábricas de nitrogênio e com isso diminuir a produtividade da cultura.
Apesar de poder melhorar o desenvolvimento do sistema radicular no início do ciclo de crescimento, o fornecimento de N via fertilizante atrapalha o processo de formação dos nódulos e consequentemente diminui a capacidade das plantas em aproveitar o N atmosférico (fonte limpa e segura com um custo 100 vezes menor que a adubação nitrogenada – que por sua vez comprometem a qualidade ambiental).
A importância da inoculação anual da soja
A inoculação anual da soja tem se mostrado uma prática importante e benéfica para o cultivo dessa cultura, uma vez que promove a fixação biológica de nitrogênio.
Pesquisas realizadas pela Embrapa Soja mostraram que mesmo em solos com populações elevadas de rizóbios nodulantes, introduzidas por inoculações anteriores, a reinoculação anual proporciona incrementos significativos no rendimento de grãos e no teor de nitrogênio dos grãos. Esses benefícios são especialmente observados em regiões mais sujeitas a estresses ambientais.
A inoculação anual contribui para uma nodulação inicial eficiente na coroa da raiz principal, resultando em maior atividade de fixação biológica do nitrogênio (FBN) durante a fase inicial de crescimento das plantas.
Essa prática tem se mostrado mais eficiente do que a aplicação de fertilizantes nitrogenados, que podem inibir a nodulação sem proporcionar ganhos nos parâmetros de rendimento e teor de nitrogênio dos grãos.
Devido aos benefícios comprovados, a inoculação anual da soja é amplamente adotada pelos agricultores, sendo praticada em aproximadamente 79% da área cultivada no Brasil na safra 2019/2020 (HUNGRIA & NOGUEIRA, 2022).
Coinoculação na cultura da Soja
A coinoculação da soja, que consiste na aplicação conjunta de Bradyrhizobium spp. e Azospirillum brasilense, tem demonstrado resultados positivos e despertado o interesse dos agricultores.
As estirpes de A. brasilense selecionadas no Brasil são conhecidas por sua capacidade de produzir fitormônios, como o ácido indolacético, promovendo o crescimento das raízes e melhorando a absorção de água e nutrientes pelas plantas.
Estudos mostraram que a inoculação anual da soja resultou em incrementos médios no rendimento de grãos de 8,4%, enquanto a coinoculação apresentou um aumento ainda maior, de 16,1% (HUNGRIA & NOGUEIRA, 2022).
A coinoculação também mostrou benefícios adicionais, como maior massa de raízes, número e massa de nódulos, e teor de nitrogênio nos grãos.
Essa prática tem sido difundida por programas de assistência técnica e extensão rural, alcançando milhares de agricultores em diferentes municípios do país. Estudos científicos têm respaldado os benefícios da coinoculação, consolidando-a como uma estratégia eficiente para o cultivo da soja.
Resultados de Barbosa et al. (2021), mostraram que a coinoculação da soja aumentou a massa da raiz em 11%, o número de nódulos em 5,4%, a massa de nódulos em 10,6%, a concentração de N na parte aérea em 2,8%, o rendimento de grãos e a concentração de N nos grãos em 3,2% e 3,6%, respectivamente, comparados à inoculação única convencional com Bradyrhizobium spp. Esses resultados são de experimentos de campo realizados entre 2009 e 2020 no Brasil para avaliar quais condições ambientais e agronômicas afetam a resposta da soja à coinoculação bacteriana.
Conclusões
A fixação biológica de nitrogênio desempenha um papel fundamental na sobrevivência das espécies, incluindo a soja, sendo uma verdadeira “fábrica biológica” de nitrogênio assimilável pelas plantas.
Ao adotar a inoculação anual com bactérias fixadoras de N, os agricultores obtêm benefícios significativos, como maior rendimento de grãos e teor de nitrogênio.
Além disso, a coinoculação com Azospirillum brasilense potencializa esses resultados, promovendo o crescimento das raízes e melhorando a absorção de nutrientes.
Essas práticas sustentáveis reduzem a dependência de fertilizantes nitrogenados, diminuem as emissões de gases de efeito estufa e preservam a qualidade ambiental.
O Brasil, como maior produtor mundial de soja, tem se destacado no uso dessas estratégias, impulsionando a produtividade da cultura de forma econômica e sustentável.
Ao adotar a fixação biológica de nitrogênio na soja, os agricultores estão investindo no futuro da agricultura, garantindo a saúde do solo, o aumento da produtividade e a preservação do meio ambiente.
Referências
BARBOSA, J.Z.; JUNGRIA, M.; SENA, J.V.S.; POGGERE, G.; REIS, A.R.; CORRÊA, R.S. Meta-analysis reveals benefits of co-inoculation of soybean with Azospirillum brasilense and Bradyrhizobium spp. in Brazil. Applied Soil Ecology. v. 163, 103913, 2021. DOI: 10.1016/j.apsoil.2021.103913.
HUNGRIA, M.A.; NOGUEIRA, M.A. Fixação biológica do nitrogênio. In: MEYER, M.C.; BUENO, A.F.; MAZARO, S.M.; SILVA, J.C. (Eds). Bioinsumos na cultura da soja. Brasília: EMBRAPA, p. 141-162. 2022.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
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