Absorção de nitrogênio pelas plantas: há preferência pelo nitrato ou amônio?

Sumário

Entenda como ocorre a absorção de nitrogênio pelas plantas, quais são as formas predominantemente absorvidas e se existe uma forma preferencial de absorção. Entenda quais são os fatores que afetam esse processo crucial para a eficiência da adubação nitrogenada.

Dada a sua importância e alta mobilidade no solo, o nitrogênio (N) tem sido amplamente estudado visando promover maior eficiência de uso pelas plantas.

Para isso, além de reduzir as perdas de N no solo, melhorar a absorção e metabolização do N no interior da planta é fundamental para aumentarmos a eficiência da adubação nitrogenada, que em termos globais é de apenas 50%.

Entender, portanto, quais são as formas de nitrogênio absorvidas pelas plantas e como esta dinâmica ocorre é um importante ponto para pensarmos em como melhorar seu aproveitamento.

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Formas de N absorvidas pelas plantas

O gás N2, existente em grande abundância na atmosfera (78% de seu volume) é a principal fonte de N da natureza, embora as plantas não consigam absorvê-lo e assimilá-lo diretamente nesta forma.

Assim, o N2 atmosférico precisa ser convertido a formas combinadas para ser absorvido pelos vegetais.

Isso pode ocorrer tanto por processos biológicos (fixação biológica, descargas elétricas, reações fotoquímicas) como industriais (fixação indústria).

Depois de fixado e adicionado ao sistema solo-planta, o N pode sofrer inúmeras transformações e ser encontrado no solo de duas formas principais:

  • na forma orgânica (~95% do N total), principalmente ligado à matéria orgânica do solo ou como componente da biomassa microbiana
  • na forma inorgânica, também chamada de mineral, como nitrato, nitrito ou amônio

A planta absorve principalmente as formas minerais de nitrato e amônio, embora também possa absorver diretamente compostos orgânicos de baixo peso molecular (como ureia e aminoácidos).

A preferência das plantas pelas fontes minerais (nitrato ou amônio) depende da disponibilidade desses íons no meio de cultivo, da espécie vegetal e da idade da planta.

Normalmente o nitrato (NO3) é a fonte preferencial de absorção para a maioria das espécies vegetais – por ser mais móvel no solo e possuir maior concentração (1-5 mM) que o amônio (20-200 µM) na solução dos solos agricultáveis.

Porém, a dependência da espécie das plantas e alguns fatores ambientais devem ser considerados. Entre estes fatores destacam-se o pH, a temperatura e o teor de carboidratos nas raízes.

Trabalhos mostram que em condições de pH próximo a neutro, em temperaturas mais baixas e na presença de maior teor de carboidratos, a absorção de NH4+ é favorecida.

Para a cana-de-açúcar, por exemplo, trabalho de Robinson et al (2011) realizado na Australia mostrou haver uma preferência de absorção da cultura pelo amônio.

Nas condições tropicais brasileiras o amônio é a forma menos disponível, uma vez que sofrem intensa nitrificação.

Contudo, trabalhos de Boschiero et al (2019) mostraram que embora a cana-de-açúcar de fato absorva mais rapidamente o amônio, o fornecimento contínuo de amônio por um longo período de tempo resulta em menor produção de biomassa das plantas, além de favorecer o surgimento de doenças foliares.

Nas condições mencionados o maior crescimento da cana ocorreu quando houve um fornecimento de 75% do N na forma de nitrato e 25% do N na forma de amônio.

Mas como ocorre a absorção das formas de N pelas plantas? Vejamos a seguir.

Absorção de nitrogênio pelas plantas

A absorção é a entrada do elemento (essencial, benéfico ou tóxico) no espaço intercelular (da raiz ou da folha) ou qualquer parte da planta.

Antes que ocorra a absorção de um dado elemento há o contato dele, presente na solução do solo com a raiz da planta, que pode ocorrer por três processos: fluxo de massa, difusão e/ou interceptação radicular.

A absorção de nutrientes é facilitada pela presença de transportadores específicos presente na membrana celular dos vegetais e vários fatores como temperatura, pH, processos de oxirredução etc.; podem afetar a absorção de nutrientes.

Processos de contato do íon com a raiz

O processo predominante de contato dos íons nitrogenados (nitrato e amônio) com a raiz das plantas é o fluxo de massa, responsável por aproximadamente 99% dos íons absorvidos.

Nesse processo o contato entre o nutriente e a raiz se dá quando o nutriente é carregado juntamente com a água (solução do solo) que vai de um local de maior umidade (maior potencial de água) para um local de menor umidade (menor potencial de água), nas proximidades das raízes.

A quantidade do nutriente que pode atingir as raízes é proporcional ao volume de água absorvido e à concentração do nutriente na solução do solo.

Pequenas quantidades dos íons nitrogenados podem sofrer interceptação radicular (cerca de 1% do total absorvido pelas plantas). Neste caso o contato se dá quando a raiz ao crescer encontra o nutriente.

Mecanismo de absorção radicular

Nitrato e amônio

A absorção radicular pode ocorrer por mecanismos passivos ou ativos.

No caso do N, ambos os mecanismos podem estar envolvidos, dependendo da forma de nitrogênio absorvida.

Enquanto o NO3 é absorvido por mecanismos ativos, que envolvem gastos de energia, o NH4+ é absorvido sem gasto de energia (mecanismo passivo), embora ambas as absorções dependam do gasto energético gerado pela bomba de prótons que cria o potencial eletroquímico na célula.

Uma bomba de prótons presente na membrana plasmática das células (P-H+ ATPase), hidrolisa ATP, bombeando íons H+ para o exterior da célula, e resulta num gradiente de potencial eletroquímico através desta membrana ao longo do qual pode ocorrer simporte ou antiporte de solutos.

O gradiente de potencial eletroquímico permite a entrada de cátions no interior da célula.

Os ânions são absorvidos acompanhando o fluxo de prótons. Assim, proteínas carregadoras transportam o amônio (NH4+) de forma passiva e em sentido uniporte, havendo a compensação da entrada do íon com a saída de um próton H+ do citosol, o que diminui o pH do meio de cultivo.

Assim, quando a planta absorve somente o amônio há redução do pH do meio de cultivo, conforme mostrado por Boschiero et al (2019) que cultivou a cana-de-açúcar por 160 dias com proporções de nitrato e amônio na solução nutritiva (Figura 1).

absorção de nitrogênio pelas plantas: nitrato e amônio e o pH da solução

Figura 1. Variação do pH da solução nutritiva com o tempo (dias após o transplantio). O pH do meio foi corrigido diariamente para 5,8 ± 0,1. Os tratamentos são indicados na legenda da Figura e representam proporções de N-NO3/N-NH4+, respectivamente. Fonte: Boschiero et al (2019).

Em contrapartida, a absorção de nitrato (NO3) é um processo ativo secundário, em simporte com dois íons de hidrogênio, conforme ilustração apresentada a seguir.

absorção de nitrato e amônio pela planta

Figura 2. Absorção de nitrato (NO3) e amônio (NH4+) através da membrana plasmática. (1) bomba de prótons (P-H+ ATPase); (2) transportador de nitrato (simporte); (3) transportador de NH4+ (uniporte). ∆¥ (potencial elétrico através da membrana); ∆µNH4+ ou ∆µNO3 (respectivamente, diferença de potencial químico para o íon NH4+ ou NO3, entre o interior e o exterior da célula). Fonte: Souza & Fernandes (2006).

Esses sítios proteicos são denominados de sistemas de transporte de alta afinidade (HATS – Hight affinity system) ou sistemas de transporte de baixa afinidade (LATS – Low affinity system), dependendo da concentração dos íons na solução do solo.

carregadores de altas afinidade e de baixa afinidade (HATS e LATS)

Os carregadores de baixa afinidade (LATS) operam quando a concentração externa de N é alta e são caracterizados por serem constitutivos e não sujeitos à regulação.

Os carregadores de alta afinidade (HATS) atuam sob baixas concentrações externas de N e podem ser constitutivos (Constitutive High Affinity Transport System – cHATS) ou induzidos pela exposição ao N (Inducible High Affinity Transport System – iHATS).

Para o nitrato, sob concentrações externas inferiores que 100-200 mmol L-1, o transporte pela membrana ocorre via carregadores de alta afinidade (HATS).

Acima destas concentrações, a absorção de nitrato ocorre pelos carregadores de baixa afinidade (LATS).

Para o amônio, a absorção é mediada pelo HATS quando a concentração externa deste íon é menor que 1 mmol L-1, enquanto que o LATS é responsável pela absorção de amônio em concentrações externas superiores a 1 mmol L-1.

A absorção de N é, portanto, modulada pela:

  • presença dos carregadores específicos;
  • pela afinidade desses carregadores em relação ao nitrato ou amônio;
  • pela quantidade de N presente no solo.

Nitrogênio orgânico

Em geral, as formas orgânicas de N não são consideradas como fonte direta importante de N para as plantas, em condições de cultivos de campo.

A absorção de aminoácidos é feita via simporte, com próton, e depende, portanto, da formação de gradiente de H+ e geração de força próton motriz pelas P-H+-ATPases.

Também existem sugestões de que plantas como o arroz possam absorver diretamente proteínas.

A outra forma orgânica importante que pode ser absorvida pelas plantas é a ureia, que é absorvida por transportadores específicos de alta ou baixa afinidade em simporte com prótons e, portanto, de forma ativa ou a ureia pode ser absorvida de forma passiva através de canais de aquaporina (proteínas intrínsecas da membrana).

Fixação Biológica

Em sistemas em que o N é fixado por organismos de vida livre, bem como em alguns sistemas associativos a disponibilização do N biologicamente fixado ocorre após a morte das células bacterianas e a lise de constituintes orgânicos celulares, que são diretamente absorvidos pelas raízes vegetais por transportadores específicos.

Em sistemas simbióticos, ocorre a transferência direta de moléculas contendo o N fixado para dentro de vias metabólicas vegetais de assimilação de N.

No caso da simbiose mutualística entre leguminosas e rizóbios, o nitrogênio molecular (N2) é convertido em amônia (NH3), que é o primeiro produto estável no processo natural de fixação.

A amônia produzida é liberada pelo bacteroide por difusão simples ao citoplasma da célula infectada pela bactéria e em pH fisiológico a amônia é protonada para formar íons amônio (NH4+), que será posteriormente assimilado pelas plantas.

Fatores que interferem na absorção radicular

Fatores internos e externos podem afetar a absorção radicular de íons. Dentre eles destacam-se:

Fatores externos

  • Concentração de O2 ou aeração; (absorção ativa de íons depende da energia do ATP – respiração);
  • Temperatura (aumenta a velocidade das reações);
  • pH: efeito direto (H+ competido com a absorção de cátions, em pH baixo ou quando OH- compete com a absorção de outros Ânions em pH alto) ou indireto ( a disponibilidade de nutrientes depende do pH do solo);
  • Interação entre íons: antagonismo, inibição (competitiva e não competitiva); sinergismo. Ex: Inibição não competitiva: ex: N e Mg
  • Luminosidade: maior absorção na presença de luz;
  • Umidade
  • Presença de fungos micorrízicos arbusculares (aumenta a superfície de contato com a raiz);

Fatores internos intrínsecos às plantas

  • Espécies e variedades de plantas: relacionadas com a cinética de absorção do elemento;
  • Tamanho e morfologia das raízes;
  • Níveis de carboidratos (geram ATP necessário à absorção ativa);
  • Intensidade transpiratória;
  • Elevados teores de NO2, NH4+ e aminoácidos livres no citosol inibem a absorção de nitrato.

Assimilação de N pelas plantas

Embora o nitrato e o amônio possam ser absorvidos pelas plantas, a assimilação do N (incorporação à aminoácidos orgânicos) ocorre somente na forma reduzida (NH4+).

Assim enquanto o amônio pode ser assimilado imediatamente após sua absorção, o nitrato passa por processo de redução, que envolve gasto energético da planta para ser convertido a amônio e posteriormente assimilado. Mas isso é assunto para outro artigo.

Conclusões 

A absorção de nitrogênio pelas plantas é um processo complexo e vital que desempenha um papel fundamental na nutrição vegetal e, por extensão, na produção de alimentos e culturas.

Como discutido ao longo deste artigo, as plantas têm a capacidade de absorver diversas formas de nitrogênio, incluindo nitrato, amônio, compostos orgânicos de baixo peso molecular e até mesmo proteínas em condições específicas.

A preferência das plantas por uma forma de nitrogênio sobre outra está intimamente relacionada à disponibilidade dessas formas no ambiente circundante, juntamente com uma série de fatores ambientais, como pH do solo, temperatura e teor de carboidratos nas raízes.

O conhecimento dessas preferências e mecanismos de absorção é crucial para otimizar a adubação nitrogenada e melhorar a eficiência do uso de nutrientes nas práticas agrícolas.

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Referências 

BOSCHIERO, B.N.; MARIANO, E.; AZEVEDO, R.A.; TRIVELIN, P.C.O. Influence of nitrate-ammonium ratio on the growth, nutrition, and metabolismo of sugarcane. Plant Physiology and Biochemistry. V. 139, p. 246-255, 2019. DOI: 10.1016/j.plaphy.2019.03.024

BREDEMEIER, C.; MUNDSTOCK, C.M. Regulação da absorção e assimilação de nitrogênio nas plantas. Ciência Rural. V. 30, p. 365-372, 2000.  

ROBINSON, N.; BRACKIN, R.; VINALL, K.; SOPER, F.; HOLST, J.; GAMAGE, H.; PAUNGFOO-LONHIENNE, C.; RENNENBERG, H.; LAKSHMANAN, P.; SCHMIDT, S. Nitrate paradigm does not hold for sugarcane. Plos one, 6, 1-9 (e19045). 2011.

SOUZA, S.R.; FERNANDES, M.S. Nitrogênio. In: FERNANDES, M.S. (editor) Nutrição Mineral de Plantas: Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, 2006. p. 215-254.

Sobre a autora:

Beatriz Nastaro Boschiero

Beatriz Nastaro Boschiero

Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance

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Respostas de 6

  1. Buenas Beatriz!

    Muito didático o seu artigo!! Parabéns!
    A contribuição, do N oriundo das descargas elétricas na atmosfera, sempre estará na forma de Nitrato?

    1. Obrigada Tadeu!
      Fico feliz que tenha gostado do artigo!
      Sim! O processo físico de fixação do nitrogênio por descargas elétricas ou relâmpagos ocorre devido a oxidação do N2 atmosférico à formas como HNO3 (ácido nítrico), NO (óxido nítrico) ou N2O (óxido nitroso). Essas moléculas são carregadas para o solo através da chuva e poderão passar por processos de oxidação, tornando-se disponíveis à plantas e microrganismos principalmente na forma de nitrato.

      1. As descargas elétricas fornecem N apenas na forma de Nitrato. De amonio não? Tem alguma referencia bibliografica que fale sobre isso, por favor? Agradeço.

        1. Olá Jair,

          As descargas elétricas, como raios, fornecem nitrogênio predominantemente na forma de nitrato (NO₃⁻), e não na forma de amônio (NH₄⁺). Isso acontece porque as altas temperaturas geradas pelos raios quebram a molécula de nitrogênio (N₂) presente na atmosfera, permitindo que o nitrogênio reaja com o oxigênio para formar óxidos de nitrogênio (NOx), como o óxido nítrico (NO) e o dióxido de nitrogênio (NO₂). Quando esses óxidos de nitrogênio se dissolvem na água da chuva, são convertidos em ácido nítrico (HNO₃), que, por sua vez, se dissocia, liberando nitrato na superfície terrestre.

          A formação de nitrogênio na forma de amônio não ocorre diretamente a partir de descargas elétricas, mas pode ocorrer no solo por meio de processos biológicos, como a fixação biológica de nitrogênio ou a decomposição da matéria orgânica, que libera amônio.

          Para mais detalhes, algumas referências podem ser consultadas:

          – Schumann, U. & Huntrieser, H. (2007). The global lightning-induced nitrogen oxides source. Atmospheric Chemistry and Physics, 7(14), 3823–3907.
          – Stark, M. S., Anastasi, C., & Harrison, J. T. H. (1996). The formation of nitrogen oxides by electrical discharges and implications for atmospheric lightning. Journal of Geophysical Research, 101(D3), 6963-6969.

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