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pH do solo x disponibilidade de nutrientes: é correto utilizar esse diagrama?

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Utilizar o diagrama de disponibilidade de nutrientes em função do pH do solo é um erro de acordo com Hartemink e Barrow (2023)! Segundo os autores, o diagrama não deve ser usado, pois sofre de inúmeras exceções e quase não representa nenhuma regra em condições reais de campo. 

 

Em ciência nada é definitivo! Justamente por isso ela é tão eficiente em compreender o mundo: tudo só está provado até que se prove o contrário. O aprendizado na ciência é uma constante evolução. 

Um dos diagramas mais difundidos mundialmente na área de solos e nutrição de plantas é o diagrama de pH do solo influenciando a disponibilidade de nutrientes. Em todos os cantos do mundo difundiu-se a ideia de que o pH em torno de 6,5 (faixa de 6,0 a 7,0) é o ideal para a disponibilidade da maioria dos nutrientes minerais às plantas. 

Recentemente, contudo, Hartemink e Barrow (2023) publicaram um artigo na revista Plant and Soil  questionando esse diagrama. Segundo os autores é um erro utilizá-lo. 

Nesse artigo vamos resumir a visão dos autores sobre o diagrama. 

  

 

Calcanhar de Aquiles da Fertilidade do Solo 

De acordo com Hartemink e Barrow (2023), o conceito de pH do solo x disponibilidade de nutrientes é o calcanhar de Aquiles da fertilidade do solo 

Isso porque, segundo os autores, a partir de um diagrama criado nas décadas de 1930 e 1940, com base em ensaios de campo, observações e várias suposições divulgou-se amplamente no mundo a ideia de que o cultivo com pH do solo em torno de 6,5 é o ideal para promover a adequada disponibilidade de nutrientes para as culturas agrícolas 

A partir daí o pH do solo tem sido utilizado frequentemente como um indicador da fertilidade química do solo.  

Contudo, de acordo com Hartemink e Barrow (2023) isso não reflete a realidade na grande maioria dos casos. As pesquisas indicam que o pH do solo influencia sim a solubilidade, a concentração na solução do solo, forma iônica e adsorção e mobilidade da maioria dos nutrientes.

Contudo, os nutrientes sofrem interações no solo e diferentes plantas respondem de forma diferente a uma mudança no pH, o que não é considerado no diagrama.  

Para os autores o pH do solo não pode ser usado para prever ou estimar a disponibilidade de nutrientes da planta, e o diagrama não deve ser usado, pois sofre de inúmeras exceções e quase não representa nenhuma regra. 

 

Quando e como o diagrama de disponibilidade de nutrientes foi criado?   

O diagrama que apresenta a disponibilidade de nutrientes em função do pH do solo foi publicado em 1936 por Nicholas Pettinger, em um Boletim intitulado: “Um gráfico útil para ensinar a relação da reação do solo com a disponibilidade de nutrientes das plantas para as culturas” (Pettinger 1936). 

No boletim e no diagrama que o acompanha, Pettinger discute a faixa de pH do solo em relação às disponibilidades de potássio, nitratos, magnésio, cálcio, fosfatos, ferro, alumínio e manganês.  

O diagrama de cores é composto por uma série de bandas que representam a disponibilidade de nutrientes da planta em relação a uma faixa de pH de 4 a 10. As mudanças na largura das bandas representam mudanças na disponibilidade de nutrientes (Figura 1).  

diagrama pH e disponibilidade de nutrientes

Figura 1. Diagrama ilustrando a tendência da reação do solo (pH) à disponibilidade de nutrientes das plantas, de “Um gráfico útil para ensinar a relação da reação do solo à disponibilidade de nutrientes das plantas às culturas” publicado em 1935 por Nicolas Pettinger. 

 

No boletim o autor relatou as limitações do diagrama: o mesmo foi concebido para ilustrar os princípios básicos da disponibilidade de nutrientes em relação à reação do solo, e não “… situação de maneira quantitativa ou absoluta para qualquer solo em particular” (Pettinger 1936).  

O diagrama foi considerado válido apenas para solos bem drenados de regiões úmidas, e não para solos alcalinos de regiões áridas, mal drenados ou orgânicos.  

Pettinger reconheceu que a disponibilidade de alguns nutrientes era diretamente afetada pela reação do solo, enquanto para outros nutrientes a disponibilidade era controlada por processos que não estavam relacionados à reação do solo.   

Finalmente, ele observou que “… quando a descoberta de novas evidências tornar necessário descartar as crenças atuais total ou parcialmente, ou quando melhores métodos de representação dos fatos forem desenvolvidos, o diagrama será revisado e reeditado em uma forma melhorada” (Pettinger 1936). 

Pettinger faleceu no mesmo ano que o boletim foi publicado aos 34 anos e apesar do seu boletim não ter sido amplamente distribuído ou reconhecido, ele chegou às mãos de Emil Truog, que em 1946 expandiu o diagrama para 11 nutrientes e o fez “mais simples na forma, mas mais completo em vários aspectos” (Truog 1946). 

Nitrato e fosfato foram substituídos por N e P elementares, alumínio foi deletado e enxofre, boro, cobre e zinco foram adicionados (Figura 2).  

Relação entre pH do solo e disponibilidade de nutrientes, do artigo de Emil Truog

Figura 2. Versão muito reproduzida da relação entre pH do solo e disponibilidade de nutrientes, do artigo de Emil Truog de 1946 em Soil Science Society of America Proceedings 

 

O diagrama de Truog ilustra a relação do pH do solo com os nutrientes das plantas em que a largura da banda em qualquer valor de pH indica a disponibilidade relativa do nutriente.  

A faixa não apresentou a quantidade real, pois esta foi influenciada por outros fatores como tipo de cultivo, solo e adubação.  

Para os 11 nutrientes do diagrama, um pH em torno de 6,5 era mais favorável, mas não significava um suprimento satisfatório; indicou que, no que diz respeito à reação do solo, as condições eram favoráveis.  

Da mesma forma, não significava que fora da faixa favorável prevaleceria uma deficiência. Os nutrientes fora da faixa ideal podem ser fornecidos adequadamente, pois outros fatores além do pH do solo afetaram o crescimento das plantas ou porque algumas plantas tinham requisitos baixos. 

Novas versões foram criadas a partir desses diagramas – mais coloridas e mais intuitivas (Figura 3), incluindo versões gráficas como ocorreu no Brasil. 

 

Versões mais modernas e atualizadas do diagrama de Truog (1946) trazendo gradientes de cores para indicar a disponibilidade de nutrientes [baixa (vermelha) e alta (verde)]. 

Figura 3. Versões mais modernas e atualizadas do diagrama de Truog (1946) trazendo gradientes de cores para indicar a disponibilidade de nutrientes [baixa (vermelha) e alta (verde)]. 

 

Gráfico de pH do Solo x disponibilidade de nutrientes no Brasil 

No Brasil o diagrama foi “reescrito” pelo Professor Eurípedes Malavolta em 1979 na forma gráfica (Figura 4) e é muito utilizado no meio acadêmico. 

No gráfico foram adicionadas tendências da disponibilidade de nutrientes (crescente ou decrescente) em função da mudança do pH do solo. Nesse gráfico o alumínio, que é um problema em solos ácidos brasileiros, foi incluído. 

 

Relação entre a disponibilidade de nutrientes e pH do solo. Fonte: Malavolta (1979). 

Figura 4. Relação entre a disponibilidade de nutrientes e pH do solo. Fonte: Malavolta (1979). 

 

 

Limitações do diagrama de disponibilidade de nutrientes 

De acordo com Hartemink e Barrow (2023) as principais limitações do diagrama são: 

1. O diagrama assume que a disponibilidade de nutrientes é a mesma para todas as plantas e tipos de solos, o qual deve apresentar pH em torno de 6,5 (em água). 

  • Isso não é verídico – algumas plantas preferem pH ácido (como chá, abacaxi, mirtilo e cramberry) e outros pH alcalino. 

2. Existem inúmeros casos na disponibilidade de nutrientes das plantas que não condizem com o diagrama, e alguns deles já foram destacados por Truog. Exemplos: 

  • a toxicidade de cobre e zinco em solos ácidos; 
  • o fato de que o cálcio pode não ser um fator limitante em solos ácidos – a toxicidade de alumínio é mais problemática do que a disponibilidade de cálcio em si; 
  • Toxicidade de manganês em solo de baixo pH 
  • Deficiência de boro e de enxofre em solo alcalino 

3. A disponibilidade de fósforo é muitas vezes assumida como problemática em solos de baixo pH, onde é dito ser fixado por ferro e alumínio, ou em solos com pH alto quando o fósforo é precipitado pelo cálcio. 

Quando o pH diminui de 6 para 4, a taxa de absorção de fosfato pelas raízes aumenta, a quantidade dessorvida do solo aumenta e a quantidade sorvida pelo solo também aumenta. As duas primeiras aumentam a disponibilidade de P; o terceiro efeito a diminui.

O diagrama de disponibilidade de fósforo de pH falha no teste mais fundamental da ciência e é difícil entender por que persiste (Hartemink e Barrow (2023). 

4. De fato, o pH do solo é um indicador útil da condição do solo e afeta inúmeras reações químicas do solo e processos, contudo não pode ser usado para prever ou estimar a disponibilidade de nutrientes da planta e diferentes plantas respondem de forma diferente: alguns nutrientes sofrem interações sinérgicas, outros antagônicas 

  • O pH do solo influencia a solubilidade, a concentração na solução do solo, a forma iônica e a mobilidade da maioria nutrientes das plantas. O pH do solo afeta a disponibilidade de muitos nutrientes, mas o pH ideal para o crescimento das plantas depende de qual nutriente é o mais limitante!! 
  • A atividade das comunidades microbianas e uma série de reações químicas no solo são afetadas pela variação do pH. O pH total do solo (comumente medido em uma relação solo-água) pode não refletir o pH na rizosfera onde os nutrientes são absorvidos pela planta. 

 

Principais críticas discutidas por Hartemink e Barrow (2023) sobre o uso do diagrama de disponibilidade de nutrientes

Diagrama não possui dados e referências científicas e sem investigações adicionais 

De acordo com os autores, Emil Truog relatou em seu texto que acreditava que o diagrama fosse confiável, mas enfatizou que foi generalizado e experimental e criado com base em suposições, pois faltavam dados.  

Ainda assim, mesmo sem fornecer dados e referências, nem receber uma investigação mais aprofundada, o diagrama foi amplamente difundido e utilizado por toda a comunidade científica internacional, inclusive em muitos livros didático sobre solos. 

O diagrama tem muitos usos – muitas vezes sem citação, o que sugere que foi aceito como senso comum, tornando-se um princípio definidor na fertilidade do solo e na nutrição das plantas. 

 

Pesquisas recentes sobre disponibilidade de nutrientes — impossível resumir num simples diagrama 

Desde a década de 1950, uma grande quantidade de trabalho de pesquisa sobre a solubilidade dos nutrientes, as transformações biológicas dos nutrientes nos solos e o efeito do pH do solo na adsorção e na absorção pelas plantas foram realizadas.  

E tais pesquisas não poderiam ser resumidas em um simples diagrama. 

Para os autores a relação entre o pH do solo e a disponibilidade de nutrientes continua sendo interessante, mas deve considerar as condições de solos, cultura e região climática, além de mudanças climáticas e de uso da terra.  

 

Conclusão 

Apesar de não condizer com muitos casos em condições de campo, o diagrama de disponibilidade de nutrientes em função do pH do solo, que foi criado com poucos dados e várias suposições, foi amplamente difundido e utilizado no mundo, talvez pela sua fácil compreensão e interpretação. 

Com isso, difundiu-se a ideia de que um pH em torno de 6,5 é ideal para a disponibilidade da maioria dos nutrientes minerais às plantas, contudo isso não representa a realidade para muitos casos. 

O diagrama nunca foi revisto, como sugeriram seus criadores, e apesar das inúmeras pesquisas sobre disponibilidade de nutrientes realizadas posteriormente, a complexidade do assunto é tanta que tais informações não poderiam ser apresentadas em um simples diagrama. 

Os autores também publicaram outro artigo sobre o assunto, agora em março de 2023, em que revisam os aspectos fundamentais da relação pH-nutriente do solo (Barrow e Hartemink, 2023).

Algumas conscientizações podem ser criadas com base nesse artigo: a ciência sempre busca o avanço – com erros e acertos vamos aprimorando nosso conhecimento. É primordial considerarmos as diferentes condições edafoclimáticas para pensarmos em disponibilidade de nutrientes e para isso as pesquisas são essenciais!

 

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Referências 

HARTEMINK, A.E.; BARROW, N.J. Soil pH ‑ nutrient relationships: the diagram. Plant and Soil. 2023. DOI: 10.1007/s11104-022-05861-z 

MALAVOLTA, E. – ABC da Adubação. Editora Agronômica CERES Ltda. São Paulo (SP), 1979. 256 p. 

PETTINGER NA (1936) A useful chart for teaching the relation of soil reaction to the availability of plant nutrients to crops. Virginia Agricultural and Mechanical College and Polytechnic Institute and the United States Department of Agriculture, Cooperating, Blacksburg 

TRUOG E (1946) Soil reaction infuence on availability of plant nutrients. Soil Sci Soc Am Proc 11:305–308 

Sobre a autora:

Beatriz Nastaro Boschiero

Beatriz Nastaro Boschiero

Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance

Este post tem 6 comentários

  1. Junai Luís Gomes Didolich

    Com todo respeito aos grandes autores, ao publicar em revista de relevância para toda comunidade…é certo afirmar que esse gráfico é sim um marco orientador…para a grande maioria dos técnicos, pois facilita sua interpretação; o modo em que os autores falas de certas plantas ( abacaxi etc…) sem mencionar a capacidade simbionte de cada rizosfera e a capacidade da mesma em adaptar-se e comandar o pH ao seu redor mostra que ainda o conhecimento esta muito segmentado e que stricto senso é um caminho do super conhecimento em algo e a ignorância do todo, pois é impossível acompanhar o avanço em toda as áreas principalmente na agronomia que é a ponta da ciência. Sim correção de solo em áreas tropicais, pH e os microrganismos do solo sua população e seu desenvolvimento, bem como as respostas fenológicas de genótipos mais produzidos no mundo e de relevância para a humanidade, que uma teoria que ainda e superficial e pouco profunda para ser tão enfatizada. Enfim tudo tem um fundo comercial e esse certeza não deve ser diferente…pois o grande lugar para estar o foco é o Mar…O solo é sem duvida para as culturas perenes, principalmente nos trópicos. Todo e qualquer esforço em muda o solo, em todos os níveis e amplitudes causam mudanças biogeoquímicas que perturbam a sua qualidade, principalmente física, ao ponto de agravar os aspectos biológicos e químicos ao ponto de ser quase inviável a agricultura.

    1. Beatriz Nastaro

      Olá Junai,
      Agradeço seu comentário. O mar certamente é onde muitas descobertas precisam ser feitas, apesar do foco da agricultura concentrar-se no solo – nosso grande recurso para a produção de alimentos…
      Continue acompanhando nossos conteúdos!
      Abraço,

  2. Raphael

    Acompanho a página e gosto muito da forma com que os temas são abordados. Clareza e objetividade, dentre outros aspectos, além das ‘novidades’ são sempre muito bem relatadas. Parabéns, pessoal!!!

    1. Beatriz Nastaro

      Muito obrigado pelo seu comentário Raphael!
      Ficamos muito felizes em saber que você acompanha nossa página e que nossa abordagem seja clara e objetiva.
      Trabalhamos sempre para trazer as melhores novidades da área e é muito gratificante saber que estamos cumprindo nosso objetivo.
      Agradecemos pelo reconhecimento e esperamos continuar a proporcionar conteúdo de qualidade para você!!

  3. Crispiniano Carlos Silva Nunes

    Os níveis de pH apresentados são definidos pelo pH em H2O ou em KCl?
    A diferença entre entre os resultados dos dois métodos interferem diretamente nas faixas de disponibilização de nutrientes do solo.

    1. Beatriz Nastaro

      Olá Crispiniano!
      O autor do artigo não aborda os método de extração de nutrientes, pois isso não influencia na questão central abordada por eles.
      No texto eles mencionam que difundiu-se a ideia no mundo que um pH em torno de 6,5 (faixa de 6,0 a 7,0) seria o ideal para a disponibilidade da maioria dos nutrientes minerais às plantas, o que seria um equívoco. Neste caso pH 6,5 provavelmente é o calor para o pH extraído em água.

      Embora haja diferença entre o pH determinado em água e em CaCl2 0,01 M (o pH em CaCl2 é cerca de 0,6 unidades mais baixo que o pH em água pois a adição do sal faz com que a atividade do H+ seja diminuída devido a presença do Ca: para manter o equilíbrio do solo, o H ligado aos coloides se deslocam para a solução do solo, o que provoca uma diminuição do pH) isso não importa para a discussão central do artigo.

      Obrigada pelo seu comentário e continue nos acompanhando!

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