A soja é suscetível à deficiência de manganês (Mn), o que pode se tornar um desafio quando cultivada em solos arenosos e com pouca matéria orgânica, especialmente após práticas de correção do solo, como a calagem.
Os sintomas dessa deficiência, como a clorose internerval algumas vezes acompanhada de necrose nas folhas, muitas vezes são confundidos com outros problemas nutricionais ou de manejo, o que torna a identificação precisa ainda mais crucial.
A compreensão detalhada dos fatores que afetam a disponibilidade de Mn no solo e a capacidade de diagnosticar corretamente sua deficiência são essenciais para evitar perdas na produtividade.
Neste artigo, exploraremos as causas, sintomas, e soluções para a deficiência de manganês na soja, oferecendo um guia prático para garantir que sua lavoura alcance o máximo potencial produtivo.
Acompanhe!
Sintomas de deficiência de manganês na soja
Os principais sintomas da deficiência de manganês na soja incluem:
- Clorose internerval em folhas novas (ou seja, o amarelecimento) que pode apresentar áreas internervais com coloração variando de verde-claro ao branco e com nervuras distintas. Algumas vezes a clorose pode ser acompanhada por manchas necróticas (Figuras 1).
- Epinastia foliar basípeta: Dobramento das folhas na direção da base da planta.
O manganês tem baixa mobilidade no floema e por isso a sua deficiência aparece inicialmente nas folhas mais novas.
O principal sintoma da deficiência de manganês na soja, que é a clorose internerval, pode estar relacionado com outros problemas na cultura, como deficiência de zinco ou ferro ou existência de nematoide de cisto da soja.
Portanto, é prudente procurar várias evidências antes de declarar deficiência de manganês na soja.
- Inspecione o sistema radicular para descartar problemas de nematoides ou danos por herbicidas de safras anteriores.
- Procure por caules encurtados e em roseta, que são indicativos de deficiência de zinco.
- Procure pela presença de manchas necróticas — que é outro sintoma indicador da deficiência de manganês.
A deficiência de Mn deve ser confirmada com os resultados de uma análise foliar.
Identificar uma possível deficiência é importante para sanar a deficiência a campo (caso haja tempo hábil para isso), mais do que isso, é essencial para o planejamento das safras futuras!
Deficiência de manganês em soja RR após aplicação de glifosato?
Como detalhado no artigo “Interação Manganês e Glifosato na Soja” existe uma complexa relação entre a aplicação de manganês (Mn) e glifosato em cultivares de soja resistentes ao glifosato (soja RR).
Há uma crença de que o glifosato interfere no metabolismo do manganês na planta.
Essa é crença, é, contudo, desmistificada no artigo que explica que o “yellow flashing” (amarelecimento temporário das folhas) é resultado da toxicidade de um metabólito do glifosato (AMPA), e não da complexação do Mn dentro da planta.
Portanto, a aplicação de glifosato em soja RR, ao contrário do que muitos acreditam, não causa deficiência de manganês na soja!
Agora que já conhecemos os sintomas visuais da deficiência de manganês, vamos ver por que elas ocorrem. Isso é explicado entendendo as funções do manganês nas plantas e a dinâmica do nutriente no solo.
Funções do manganês nas plantas
O manganês (Mn) é um micronutriente essencial para o crescimento e desenvolvimento das plantas, desempenhando várias funções vitais, como co-fator enzimático, participação na fotossíntese, síntese de lignina, desintoxicação de espécies reativas de oxigênio (EROS), metabolismo de nitrogênio e regulação da respiração celular.
- Cofator de enzimas: o Mn atua como cofator em enzimas metálicas dependentes de Mn, desempenhando papéis de ácido de Lewis ou catalisador. Foram Identificadas 101 enzimas contendo Mn, com 37 exclusivamente dependentes de Mn. Mn pode ser substituído por Mg, Ca, Zn, Co, Ni, Fe e Cu em algumas enzimas. A enzima Mn-SOD é a mais bem caracterizada em plantas, localizada nas mitocôndrias e peroxissomos, e catalisa a dismutação de radicais superóxidos em oxigênio e peróxido de hidrogênio (2O2– → O2 + H2O2).
- Participação na fotossíntese: O Mn é vital para o funcionamento do Complexo de evolução do oxigênio no fotossistema II (PSII), onde participa na fotólise da água (divisão da água em oxigênio, prótons e elétrons).
- Síntese de Lignina: O manganês é necessário para a biossíntese de lignina, um componente estrutural importante na parede celular das plantas. A lignina confere rigidez e resistência mecânica aos tecidos vegetais.
- Desintoxicação de Espécies Reativas de Oxigênio (EROS): O Mn é parte essencial das superóxido dismutases (Mn-SODs), enzimas que protegem as células vegetais contra danos oxidativos ao converter espécies reativas de oxigênio (como o superóxido) em formas menos prejudiciais.
- Metabolismo de Nitrogênio: O manganês está envolvido na assimilação de nitrogênio nas plantas, contribuindo para a síntese de aminoácidos e proteínas.
- Regulação da Respiração Celular: O Mn influencia processos de respiração celular, especialmente no ciclo de Krebs, uma via metabólica central na produção de energia.
A Figura 2 mostra de que forma a deficiência de manganês afeta o crescimento e fisiologia das plantas e é explicada a seguir.
1. Necrose internerval
A deficiência de manganês leva ao desenvolvimento de manchas necróticas internervais características em folhas de plantas como soja e cevada.
Causa: As manchas resultam da acumulação de espécies reativas de oxigênio devido à disfunção do PSII.
2. Epinastia das folhas
As folhas deficientes em manganês se dobram para trás (epinastia) devido à redução da força mecânica das células ricas em lignina.
Causa: diminuição na biossíntese de lignina, especialmente em monocotiledôneas com veias paralelas.
3. Lignificação das raízes
A baixa lignificação causada pela deficiência de Mn resulta em um crescimento radicular reduzido.
Consequência: As raízes tornam-se vulneráveis a infecções patogênicas, incluindo a “queima das raízes” fortemente influenciada pelo status de Mn da planta.
4. Biossíntese de lignina
O manganês atua como um transportador redox difusível na biossíntese de lignina. Assim, em caso de deficiência de Mn, haverá redução na síntese de lignina
Processo: o Mn é oxidado de Mn(II) para Mn(III) por peroxidases apoplásticas, movendo-se na matriz da parede celular para reduzir monolignóis e formar polímeros de lignina.
5. Formação de EROS
A deficiência de Mn leva à desintegração do complexo PSII e à dissociação de proteínas extrínsecas (PsbP e PsbQ) do OEC.
Consequência: Isso causa uma oxidação incompleta da água e formação de H2O2, resultando em danos oxidativos ao núcleo de reação do PSII.
6. Complexo de evolução do oxigênio do PSII
O cluster Mn4CaO5 é fundamental para o processo de fotólise da água no complexo de evolução do oxigênio no fotossistema II (PSII).
Impacto: A deficiência de Mn interfere na acessibilidade da água ao cluster Mn4CaO5, levando à formação de peróxido de hidrogênio (H2O2) e radicais hidroxila (OH°), contribuindo para o estresse oxidativo e danos ao PSII.
Deficiência de manganês no solo
A disponibilidade de manganês (Mn) no solo depende tanto da sua concentração quanto do pH do solo. À medida que o pH aumenta, especialmente acima de 6,2 (como resultado de práticas como a calagem), o Mn no solo tende a se converter em formas químicas menos disponíveis para as plantas, como Mn³⁺ e Mn⁴⁺.
Apenas o Mn na forma Mn²⁺ pode ser eficientemente absorvido pelas plantas, de modo que, quando o pH do solo se eleva, os sintomas de deficiência de Mn começam a se manifestar.
Embora a deficiência de Mn possa ser generalizada no campo, também podemos ver sintomas de deficiência de Mn em manchas no campo. O clima seco favorece o surgimento dos sintomas de deficiência.
Curiosamente, as deficiências de Mn são menos prováveis em áreas do campo que permanecem mais úmidas (por exemplo, trilhas de rodas compactadas, valas de campo), pois solos mais úmidos são menos oxigenados, promovendo formas de Mn disponíveis para as plantas.
Veja algumas características relacionadas à deficiência de Mn:
- A maior disponibilidade de Mn ocorre na faixa de pH de 4,0 a 6,0;
- A calagem tende a diminuir a disponibilidade de Mn e aumentar os sintomas de deficiência do nutriente;
- Os solos orgânicos tendem a apresentar problemas de deficiência devido à formação de complexos estáveis entre a matéria orgânica e o Mn;
- A umidade do solo influencia a disponibilidade de Mn. Em climas quentes e secos, a deficiência pode se agravar, pois o solo seco e bem oxigenado promove a oxidação do Mn²⁺ para formas não disponíveis. Por outro lado, em solos com alto teor de matéria orgânica, a deficiência de Mn pode se manifestar durante a estação fria e úmida, quando o solo está saturado e as temperaturas são baixas, mas esses sintomas tendem a diminuir à medida que o solo seca e as temperaturas aumentam.
- O excesso de Ca, Mg e Fe podem causar deficiência de Mn.
Manejo nutricional: Como garantir o suprimento adequado de manganês para as plantas?
O primeiro passo para realizar o manejo nutricional é saber quais são os níveis de manganês no seu solo. Para isso é necessário realizar uma análise de solo. Isso ajuda a identificar possíveis deficiências e ajustar a aplicação de fertilizantes conforme necessário.
Se os teores de Mn no solo estiverem baixos pode-se realizar a adubação via solo com fontes de oxi-sulfatos ou fontes de óxidos, pensando em correção do solo.
Outro ponto de atenção deve ser o pH do solo, já que, como vimos, pH elevados tem uma redução na disponibilidade de Mn. Em caso de calagem recente é possível que o pH se eleve muito e reduza a disponibilidade de Mn para as plantas, sendo possível pensar em aplicações foliares.
Normalmente, o manejo da adubação do manganês na soja é feito via foliar juntamente com a aplicação de herbicidas. As fontes complexadas (como Mn-EDTA) devem ser priorizadas, uma vez que eles evitam complexação na mistura de tanques com os herbicidas e apresentam maior eficiência de fornecimento de Mn.
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Referências
DECHEN, A.R.; NACHTIGALL, G.R. Micronutrientes. In: FERNANDES, M.S. Nutrição Mineral de Plantas. Viçosa: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. 2006. p. 327-544.
LILAY, G.H.; THIÉBAUT, N.; DU MEE, D.; ASSUNÇÃO, A.G.L.; SCHJOERRING, J.K.; HUSTED, S.; PERSSON, D.P. Linking the key physiological functions of essential micronutrients to their deficiency symptoms in plants. New Phytologist. v. 242. p. 881-902. 2024. DOI: 10.1111/nph.19645.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
Como citar este artigo:
BOSCHIERO, B.N. Deficiência de manganês na soja. Blog Agroadvance. 2024. Disponível em: <https://agroadvance.com.br/blog-deficiencia-de-manganes-na-soja>. Data de acesso: XX de Xxx de XXXX.