Você sabia que, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), cerca de 33% dos solos do mundo estão degradados? E que grande parte dessa degradação poderia ser prevenida ou “revertida” com práticas agrícolas que considerassem a biologia do solo?!
A saúde do solo é um dos pilares fundamentais para a produtividade agrícola e a sustentabilidade ambiental. No entanto, as análises de solo tradicionais se concentravam apenas nos aspectos químicos e físicos, negligenciando a rica biodiversidade que vive nele e que desempenha papéis fundamentais na manutenção da sua qualidade.
Diante da necessidade de integrar a dimensão biológica nas análises de solo para promover um manejo mais sustentável nos sistemas de produção de grãos e outras culturas, surgiu a tecnologia BioAS, desenvolvida pela Embrapa. Com o objetivo de fornecer uma análise mais completa e precisa da saúde do solo, a BioAS se destaca por incorporar a bioanálise como uma ferramenta de manejo do solo.
Mas o que é exatamente essa tecnologia? Como ela funciona? E como pode beneficiar os agricultores e o meio ambiente? Vamos explorar essas questões ao longo deste artigo.
Boa leitura!
O que é a BioAS e para que serve essa análise?
A BioAS, sigla para “Bioanálise de Solo“, é uma tecnologia inovadora e recente (lançada em julho de 2020) desenvolvida pela pesquisadora Ieda Mendes e sua equipe da Embrapa, que visa integrar a biologia nas análises de solo.
Ao contrário das análises tradicionais de rotina, que se concentram nos aspectos físicos e químicos do solo, a BioAS introduz parâmetros biológicos (atividades das enzimas β-glicosidase e da arilsulfatase), para fornecer uma visão mais holística da saúde do solo.
Esses indicadores biológicos são fundamentais para entender a real capacidade do solo de suportar culturas agrícolas, uma vez que microrganismos desempenham papéis significativos na ciclagem de nutrientes, na decomposição da matéria orgânica e na formação da estrutura do solo, principalmente nas condições tropicais e subtropicais do Brasil.
Além disso, a tecnologia BioAS serve como uma ferramenta de monitoramento contínuo, permitindo que agricultores e técnicos identifiquem problemas de degradação do solo de forma mais precoce e tomem medidas corretivas mais assertivas.
O que caracteriza um solo saudável? Por que e como a BioAS está ligada à saúde do solo?
Um solo “saudável” ou “com vida” é aquele capaz de sustentar plantas, animais e microrganismos de forma equilibrada e contínua, mantendo sua capacidade de regeneração e prestação de serviços ecossistêmicos.
Os principais atributos de um solo saudável incluem:
- Estrutura física adequada: que permita a infiltração e retenção de água, aeração e enraizamento das plantas;
- Equilíbrio químico: disponibilidade de nutrientes essenciais, ausência de toxinas e um pH favorável ao desenvolvimento das culturas;
- Diversidade biológica: presença de uma ampla variedade de microrganismos, insetos e outras formas de vida que participam de processos como a decomposição da matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes.
A BioAS tecnologia de bioanálise está diretamente ligada à saúde do solo porque avalia a presença e a atividade de enzimas-chave do ciclo do carbono e enxofre, que são indicadores chave da sua qualidade.
Um solo biologicamente ativo tende a ser mais resiliente e capaz de manter a produtividade ao longo do tempo.
Além disso, solos com alta diversidade biológica são menos propensos a pragas e doenças, reduzindo a necessidade de intervenções químicas.
Vantagens do BioAs
Uma das principais vantagens da tecnologia BioAS é sua capacidade de detectar mudanças nas características do solo ao longo do tempo.
Através de uma análise detalhada dos parâmetros biológicos, é possível identificar alterações na saúde do solo, permitindo que os produtores adotem práticas de manejo mais eficazes antes que os problemas se tornem graves.
Esse monitoramento contínuo é importante para manter a produtividade e a sustentabilidade agrícola.
BioAS também facilita a compreensão da relação entre a produtividade das culturas e a matéria orgânica presente no solo. A presença de matéria orgânica é um indicador da saúde do solo, influenciando diretamente a capacidade do solo de reter água e nutrientes.
Ao avaliar essa relação, os produtores podem ajustar suas práticas de manejo para otimizar a produtividade, mantendo um equilíbrio saudável entre a extração de nutrientes e a reposição de matéria orgânica.
Quais parâmetros são avaliados na BioAs?
A Bioanálise de Solo (BioAS) avalia especificamente a atividade de duas enzimas fundamentais para a saúde do solo:
- Atividade da β-glicosidase: Esta enzima está relacionada à decomposição da matéria orgânica e ao ciclo do carbono. Sua atividade indica a capacidade do solo de decompor compostos orgânicos e liberar glicose, um processo essencial para a nutrição das plantas.
- Atividade da arilsulfatase: Esta enzima está associada à mineralização do enxofre orgânico, transformando-o em formas disponíveis para as plantas. A atividade da arilsulfatase é um indicador importante da saúde biológica do solo, especialmente no que se refere ao ciclo do enxofre.
As enzimas arilsulfatase e β-glicosidase possuem uma estreita relação com a matéria orgânica do solo (Figura 3) e se destacam por sua alta sensibilidade em detectar alterações no solo em função dos diferentes sistemas de manejo.
Essas enzimas são reconhecidas por sua precisão, sensibilidade e facilidade de determinação analítica, tornando-se ideais para a rotina de solos em laboratórios comerciais. Elas também possuem a vantagem de não serem influenciadas pela aplicação de adubos e calcário, o que as torna indicadores robustos e confiáveis para a avaliação da saúde do solo.
Explicando o IQS – Índice de Qualidade do Solo
O Índice de Qualidade do Solo (IQSFERTIBIO) é uma métrica desenvolvida para integrar diferentes parâmetros biológicos, químicos e físicos em um único valor, facilitando a interpretação dos resultados da análise de solo.
O IQSFERTIBIO pode ser decomposto em dois subíndices: o índice de qualidade biológica do solo (IQSbiológico) e o índice de qualidade química do solo (IQSquímico).
O IQSbiológico é calculado a partir dos dados coletados durante a bioanálise, como a atividade das enzimas arilsulfatase e β-glicosidase (que indicam a capacidade de ciclagem de nutrientes ou Função F1) enquanto o IQSquímico é obtido a partir dos dados químicos de fertilidade do solo, como matéria orgânica e CTC potencial (que indicam a capacidade solo de armazenar nutrientes ou Função F2), acidez e suprimento de bases e fósforo (que indicam a capacidade de suprir nutrientes, ou Função F3), conforme indicado na Figura 4.
Os valores de IQSFERTIBIO variam de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 melhor o desempenho da função (índices das funções F1, F2 e F3) ou a qualidade do solo.
O desempenho dessas três funções é mensurado pelos indicadores obtidos nas análises químicas e biológicas do solo, os quais são individualmente interpretados por meio de algoritmos definidos conforme a textura do solo.
Todos esses cálculos são realizados com a utilização do Módulo de Interpretação da Qualidade do Solo (MIQS) da tecnologia BioAS, desenvolvido pela Embrapa Cerrados em parceria com a Embrapa Agrobiologia.
O resultado é um valor numérico que pode ser comparado ao longo do tempo para monitorar a evolução da qualidade do solo.
O IQS permite que agricultores e técnicos avaliem rapidamente o estado de saúde do solo e tomem decisões informadas sobre o manejo.
Como coletar e preparar uma amostra para bioanálise do solo?
A coleta de amostras de solo é uma etapa crítica para garantir a precisão dos resultados da BioAS.
Aqui estão as etapas principais:
1 – Escolha do local de coleta: identifique áreas representativas da lavoura. Evite locais anômalos, como áreas de declive ou depressão.
2 – Quando coletar: o solo deve ser coletado após a colheita das lavouras.
3 – Profundidade de amostragem: para a maioria das análises, a camada superficial (0-10 cm) é a mais relevante, pois é onde ocorre a maior atividade biológica.
4 – Quantidade de solo: coleta-se uma quantidade suficiente para realizar todas as análises. Geralmente, 500g a 1kg de solo é adequado.
5 – Homogeneização da amostra: misture bem o solo coletado para obter uma amostra representativa.
6 – Armazenamento e envio: mantenha as amostras em condições adequadas para evitar alterações na atividade biológica, como manter o solo em um local fresco e enviá-lo rapidamente ao laboratório.
Onde é possível consultar quais laboratórios realizam a Bioanálise do solo (BioAS)?
Atualmente, diversos laboratórios no Brasil estão capacitados para realizar a bioanálise de solo utilizando a tecnologia BioAS.
A Embrapa mantém uma lista atualizada desses laboratórios, que pode ser consultada em seu site oficial.
Esses laboratórios seguem protocolos rigorosos para garantir a precisão e a confiabilidade dos resultados.
Como interpretar uma análise de BioAS?
A interpretação dos resultados da BioAS deve ser feita considerando os valores de referência estabelecidos para cada parâmetro avaliado.
Os índices obtidos, como o IQS, podem ser comparados com benchmarks regionais ou históricos para determinar se o solo está em boas condições ou se necessita de intervenções.
Além disso, é importante considerar as condições específicas da área analisada, como o tipo de cultura, o histórico de uso do solo e as condições climáticas.
A análise BioAS classifica a qualidade do solo em cinco faixas, de “Muito Baixo” (0 a 0,20) a “Muito Alto” (0,81 a 1,00), utilizando uma escala cromática que facilita a interpretação dos resultados.
Essa classificação permite aos produtores identificarem o estado de saúde do solo de forma clara, destacando parâmetros como a atividade biológica, a matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes.
Solos classificados como “Muito Baixo” ou “Baixo” (0,21 a 0,40) requerem intervenções imediatas, enquanto aqueles em faixas “Médio” (0,41 a 0,60), “Alto” (0,61 a 0,80) e “Muito Alto” indicam condições favoráveis, sugerindo a manutenção ou melhoria das práticas de manejo.
Essa categorização simplificada ajuda os produtores a tomar decisões informadas sobre as práticas agrícolas, promovendo a sustentabilidade e a produtividade. A ferramenta BioAS se mostra valiosa para o monitoramento contínuo da saúde do solo, garantindo que os recursos sejam utilizados de forma eficiente e que a qualidade do solo seja preservada ou aprimorada ao longo do tempo.
Na análise BioAS, as cores utilizadas na escala cromática têm significados específicos que facilitam a interpretação dos resultados:
- Solos classificados como “Alto” (0,61 a 0,80) e “Muito Alto” (0,81 a 1,00) são representados em verde, indicando uma condição favorável e saudável do solo.
- A cor amarela é utilizada para a faixa “Médio” (0,41 a 0,60), sinalizando uma condição intermediária, que requer atenção, mas não necessariamente ação imediata.
- Já os solos classificados como “Muito Baixo” (0 a 0,20) aparecem em vermelho, alertando para uma condição crítica que necessita de intervenções urgentes para evitar a perda de produtividade.
Um exemplo de análise interpretada pela tecnologia da bioanálise do solo é apresentado na Figura 5.
Quais as perspectivas futuras de melhoria de manejo com a utilização do BioAS?
O uso da BioAS abre novas possibilidades para o manejo sustentável do solo. Ao incorporar parâmetros biológicos nas análises, os agricultores podem adotar práticas de manejo mais precisas e sustentáveis, que não só mantêm a produtividade, mas também melhoram a saúde do solo a longo prazo.
Futuras inovações na tecnologia BioAS podem incluir a automação de processos de coleta e análise, bem como a integração com sistemas de monitoramento contínuo, como sensores e plataformas digitais. Isso permitirá um monitoramento ainda mais preciso e em tempo real da saúde do solo, facilitando a tomada de decisões rápidas e informadas.
Outros métodos de avaliação
Além da BioAS, existem outras abordagens inovadoras para a análise do solo, como a análise metagenômica.
A análise metagenômica do solo permite a identificação e quantificação de todo o material genético presente no solo, oferecendo uma visão detalhada da diversidade microbiana e das funções ecológicas desempenhadas pelos microrganismos.
Ao sequenciar o DNA de comunidades microbianas diretamente do solo, essa técnica revela a presença de espécies que não podem ser cultivadas em laboratório, fornecendo informações valiosas sobre a complexidade e a saúde do ecossistema do solo.
Assim, enquanto a BioAS foca em indicadores biológicos específicos e diretos, a análise metagenômica complementa essa abordagem, oferecendo uma compreensão ainda mais profunda das interações biológicas no solo e suas implicações para a produtividade agrícola e a sustentabilidade ambiental.
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Conclusão
A tecnologia BioAS representa um avanço significativo na forma como avaliamos e compreendemos a saúde do solo. Ao integrar parâmetros biológicos nas análises tradicionais, ela oferece uma visão mais completa e precisa das condições do solo, permitindo que agricultores e técnicos tomem decisões mais informadas e sustentáveis.
Com a capacidade de identificar precocemente sinais de degradação e promover práticas de manejo que beneficiam tanto a produtividade quanto a saúde ecológica, a BioAS se torna uma ferramenta essencial para o futuro da agricultura.
À medida que a demanda por alimentos e a pressão sobre os recursos naturais aumentam, soluções como a BioAS são fundamentais para garantir a sustentabilidade da produção agrícola.
O futuro da tecnologia promete ainda mais inovações, tornando a gestão do solo uma prática cada vez mais eficiente, sustentável e alinhada com os princípios da agroecologia. Portanto, adotar a BioAS não é apenas uma escolha inteligente, mas uma necessidade para qualquer agricultor comprometido com o sucesso a longo prazo de suas culturas e a preservação do meio ambiente.
Referências
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Sobre o autor:
Alasse Oliveira da Silva
Doutorando em Produção Vegetal (ESALQ/USP)
- Engenheiro agrônomo (UFRA) e Técnico em agronegócio
- Mestre e especialista em Produção Vegetal (ESALQ/USP)