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Qualidade do solo: conceitos e integração dos 3 indicadores para avaliar a saúde do solo

Descubra o que é qualidade do solo e a evolução do conceito para saúde do solo. Conheça os indicadores físicos, químicos e biológicos que devem ser integrados para descrever e avaliar a qualidade dos solos. Saiba como esses indicadores são sensíveis ao manejo e como realizar a avaliação holística do solo.

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Introdução

A qualidade do solo é um conceito em constante evolução, que passou a ser conhecido como saúde do solo nas últimas décadas. A saúde do solo é influenciada pelo manejo e pode ser avaliada por meio de indicadores físicos, químicos e biológicos, que devem ser integrados em uma abordagem holística.

A avaliação da saúde do solo é essencial para a sustentabilidade dos sistemas agrícolas e a conservação do meio ambiente. No entanto, ainda há uma lacuna na adoção de uma abordagem holística de avaliação da qualidade dos solos, que integre os indicadores físicos, químicos e biológicos.

A maioria dos estudos se concentra em atributos ou processos específicos do solo, sem avaliar verdadeiramente a saúde do solo. É necessário avançar nessa área, considerando a importância da saúde do solo solo para a multifuncionalidade dos solos e a promoção de práticas agrícolas sustentáveis. Vejamos nesse artigo como a saúde do solo deve ser trabalhada.

Evolução do conceito de qualidade para saúde do solo

Antes de definirmos o que é qualidade dos solos, precisamos entender que o conceito de “qualidade do solo” vem sendo aprimorado desde seu surgimento na década de 1990 e que nas últimas décadas esse termo foi substituído por “saúde do solo” (Figura 1).

evolução do conceito de qualidade do solo para saúde do solo

Figura 1. Evolução do conceito de saúde do solo. Fonte: Cherubin et al. (2023).

No início dos anos 1970, o conceito de qualidade dos solos estava relacionado ao conceito de aptidão agrícola – que estabelece o potencial da área (aptidão) para uso agrícola com base em informações do meio físico como relevo, tipo de solo e condições climáticas.

O termo “qualidade do solo” surgiu em 1971, e foi definido como a capacidade do solo de suportar altas produtividades de grãos em condições de altos níveis tecnológicos. Por isso, este termo ficou associado por muito tempo à produtividade agrícola.

Na década de 1990 foram incorporados os pilares ambiental e de saúde humana no conceito de qualidade de solo. Assim, uma nova definição passou a ser adotada: capacidade de um tipo específico de solo funcionar, dentro dos limites do ecossistema natural ou manejado, para sustentar a produtividade biológica (plantas e animais) e manter a qualidade ambiental e promover a saúde humana e habitação.

Por fim, o papel dos componentes biológicos do solo foi incluído no conceito que mudou para saúde do solo.

 Apesar da evolução conceitual os termos “qualidade do solo” e “saúde do solo” têm sido amplamente utilizados na literatura como sinônimos. Da mesma forma, podemos considerá-los como sinônimos pensando na avaliação da qualidade dos solos nas propriedades agrícolas.

O que é qualidade do solos ou saúde do solo?

Em sistemas agrícolas, a saúde do solo pode ser definida como “a capacidade de um solo de manter-se equilibrado sob o ponto de vista químico, físico e biológico, sustentando processos e funções que proporcionem um máximo potencial genético” (CHERUBIN; SCHIEBELBEIN, 2022).

Assim, podemos dizer que o conceito de qualidade do solo refere-se à capacidade do solo de desempenhar suas funções essenciais dentro de um ecossistema natural ou manejado, sustentando a produtividade das plantas e dos animais e mantendo ou melhorando a qualidade do ar e da água e promovendo a saúde das plantas, dos animais e dos seres humanos.

A saúde do solo é dinâmica, sendo influenciada pelo uso da terra e pelos sistemas agrícolas, principalmente pelo manejo.

Em sistemas agrícolas a saúde do solo está relacionada com uma avaliação integrada de atributos (indicadores) químicos, físicos e biológicos, que sejam dinâmicos e sensíveis às alterações de manejo na camada superficial do solo (~0-30 cm).

Quais as características de um solo de boa qualidade ou de solos saudáveis?

Um solo com boa qualidade se traduz na prática a solos que apresentam maior teor de carbono e biodiversidade, favorecendo os processos de ciclagem e mineralização de nutrientes, infiltração, retenção e condutividade hidráulica, aeração, agregação, supressão de pragas e doenças – fatores que favorecem o pleno crescimento e desenvolvimento das plantas.

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Quais são os parâmetros ou indicadores de qualidade ou saúde do solo?

A avaliação da qualidade do solo pode ser feita indiretamente a partir de indicadores físicos, químicos e biológicos do solo– que após serem avaliados isoladamente precisam ser integrados. Tais indicadores são sensíveis ao manejo adotado.

As ferramentas de avaliação da saúde do solo permitem quantificar o funcionamento do solo em relação ao seu máximo potencial.

Trata-se de uma métrica de sustentabilidade do sistema, uma vez que possibilitam observar alterações na saúde do solo induzidas por diferentes opões de uso da terra e adoção de práticas de manejo.

A escolha dos indicadores adequados para cada condição específica depende das características específicas do local e das práticas de manejo empregadas.

Dentro dos indicadores físicos os mais comumente avaliados são:

  • parâmetros de água no solo,
  • granulometria,
  • parâmetros de agregação do solo,
  • resistência do solo a penetração,
  • macroporosidade,
  • microporosidade,
  • porosidade total,
  • densidade aparente.

Como indicadores químicos avaliados na análise de solo, temos:

  • CTC,
  • pH,
  • Alumínio,
  • H+Al,
  • fósforo,
  • magnésio,
  • potássio,
  • cálcio,
  • enxofre,
  • saturação por bases,
  • saturação por alumínio,
  • soma de bases.

Por fim, como indicadores biológicos de qualidade do solo podemos analisar:

  • macrofauna do solo,
  • atividades enzimáticas,
  • nitrogênio no solo,
  • atividade microbiana
  • parâmetros orgânicos do solo.

Para uma análise holística da saúde do solo é preciso avaliar os parâmetros dentro de cada indicador (físico, químico e biológico) e depois integrá-los em uma única análise (Figura 2).

saúde do solo ou qualidade do solo indicadores físico, químico e biológico

Figura 2. A saúde do solo (ou “qualidade do solo”) reflete a capacidade do solo de exercer continuamente suas funções, e depende do equilíbrio entre suas propriedades físicas e químicas e da diversidade e abundância de organismos vivos. Fonte: Cherubin et al (2023).

Avaliações baseadas em um ou dois desses parâmetros de solo de forma isolada não estão alinhadas com o conceito de saúde do solo, em sua essência plena.

Apesar disso, essa integração dos parâmetros muitas vezes não é feita. Uma revisão de literatura sobre trabalhos que avaliaram “qualidade do solo” ou “saúde do solo” nas últimas décadas no Brasil (SIMON et al., 2022) revelou que:

  • Menos de 10 % dos estudos centraram-se na avaliação da qualidade dos solos, incluindo uma avaliação abrangente dos indicadores químicos, físicos e biológicos do solo de forma integrada.
  • A maioria dos estudos (mais de 90%) abordou apenas atributos ou processos específicos do solo e incluiu o termo qualidade do solo em um contexto amplo, não avaliando verdadeiramente a saúde do solo.

O principal objetivo da avaliação da saúde do solo é torná-lo entendido holisticamente como um sistema complexo e dinâmico, uma vez que a interpretação dos processos de produção agrícola, a recuperação de áreas degradadas ou a conservação de áreas naturais devem ser investigadas considerando diferentes perspectivas. 

Além de proporcionar o crescimento das plantas, o solo suporta outras funções essenciais e serviços ecossistêmicos, como sequestro de carbono, ciclagem de nutrientes, purificação da água e provisão de habitats para a biodiversidade.

Portanto, a qualidade do solo precisa ser correlacionada à multifuncionalidade dos solos, combinando atributos químicos, físicos e biológicos do solo, que refletem coletivamente as mudanças induzidas pelo uso e manejo dos solos (SIMON et al. 2022).

Como avaliar a qualidade de um solo?

Dada a complexidade dos conceitos, não existe uma metodologia universal para avaliar a qualidade do solo. Uma avaliação da qualidade depende dos objetivos e das condições específicas do local onde a avaliação será conduzida.

Conforme descrito por Simon et al. (2022), três etapas podem ser seguidas nas avaliações de saúde do solo: seleção, interpretação e integração:

seleção consiste em escolher um conjunto adequado de indicadores para caracterizar e monitorar o estado de qualidade do solo em uma dada condição.

Quatro princípios devem ser seguidos nesta etapa para selecionar indicadores adequados ao conjunto mínimo de dados: 

  • os atributos químicos, físicos e biológicos dos solos devem compor a avaliação; 
  • os indicadores devem ser sensíveis às mudanças do solo e representar as funções do solo; 
  • a amostragem deve ser precisa, com metodologias práticas, de fácil avaliação e interpretação, de baixo custo e disponível para estudo em escala de tempo sempre que necessário; e
  • o diagnóstico, por meio dos indicadores selecionados, deve auxiliar os tomadores de decisão a otimizarem o uso de recursos ambientais, humanos e econômicos.

A etapa de interpretação consiste em pontuar cada indicador convertendo seu valor medido em 0 a 1. As curvas de pontuação utilizadas para converter os valores medidos refletem a relação de cada indicador com uma ou mais funções do solo.

Três formas de curvas de pontuação são normalmente utilizadas para interpretar os indicadores de qualidade do solo: “mais é melhor”, “menos é melhor” e “faixa ótima“.

Por fim, tem-se a etapa de integração que reúne todas as informações geradas a partir dos resultados de indicadores químicos, físicos e biológicos e as traduz em um índice de qualidade do solo (IQS).

O IQS é um resultado resumido, que deve ser simples, conciso e de fácil interpretação.

Existem duas estratégias para calcular o IQS:

  1. aditivo simples – todos os indicadores têm o mesmo peso (contribuição) no índice, e
  2.  aditivo ponderado – os indicadores são ponderados, e então alguns indicadores têm maior influência do que os outros no índice final.

Procedimentos estatísticos (por exemplo, análise de componentes principais (ACP), mínimos quadrados parciais (PLS), correlações lineares) e a expertise do pesquisador podem ser destacados como os métodos mais difundidos para definir o peso de cada indicador na etapa de integração (SIMON et al., 2022).

Saúde do solo permanente e saúde do solo dinâmica

Um exemplo de análise de qualidade de solo pode ser encontrado no artigo de Cherubin et al. (2021), onde os autores avaliam a saúde do solo em função remoção de palha em cultivos de cana-de-açúcar em solos arenosos e argilosos (Figura 3).

Fica claro no trabalho que a qualidade do solo varia em função do tipo de solo. Solos arenosos possuem índices de saúde de solo mais baixos que solos argilosos, mas isso é intrínseco às características de formação do solo: como maior densidade de partícula e menores teores de nutrientes, por exemplo.

A saúde do solo permanente é a saúde do solo derivado dos fatores e processos de formação do solo, que não respondem as mudanças recentes de manejo.

Solos com características intrínsecas muito distintas apresentam tendências numéricas divergentes que não refletem uma comparação do estado de saúde atual do solo, mas sim da qualidade permanente do solo (Figura 3).

Saúde do solo permanente; saúde do solo dinâmica; qualidade do solo

Figura 3. Variações de saúde do solo devido à remoção da palha da cana-de-açúcar, para solos argilosos e arenosos. Fonte: Cherubin et al (2023).

Assim, o índice de saúde permanente dos solos arenosos é menor que o de solos argilosos. Essa comparação é útil para demonstrar que solos arenosos, são, no geral, mais vulneráveis, e devem ser manejados de formas mais apropriadas, levando-se em conta suas propriedades intrínsecas.

Por outro lado, quando se deseja avalia isoladamente o efeito do manejo sobre a saúde do solo (no caso estudado a remoção de palha) é ideal comparar solos com características semelhantes (granulometria, espessura, clima e relevo). Assim é possível obter a saúde do solo dinâmica.

Neste estudo, os autores encontraram uma redução no índice de saúde do solo dinâmica à medida que houve a remoção de palha do sistema (tanto para solo arenoso quanto argiloso).

Embora a magnitude do declínio do índice de saúde do solo induzido pela remoção da palha foi semelhante para os dois tipos de solos, a necessidade de mudanças de manejo foi mais evidente para solos arenosos por causa de sua menor saúde inerente do solo em comparação com solos argilosos.

Considerações 

A qualidade ou saúde do solo é a capacidade do solo de desempenhar sias funções, as quais são vitais para nossa sobrevivência na Terra. É o principal pilar para produzirmos mais e de forma mais estável e sustentável ao longo dos anos.

O conceito de saúde do solo está diretamente relacionado aos novos modelos de agricultura, denominados de agricultura sustentável, agricultura de baixo carbono e/ou agricultura regenerativa.

Embora o uso do termo qualidade ou saúde do solo esteja aumentando na literatura brasileira, ainda são escassos os pesquisadores que trabalham especificamente com avaliação da qualidade do solo, em sua concepção completa, isto é, integrando indicadores químicos, físicos e biológicos (SIMON, et al. 2022).


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Referências 

CHERUBIN, M.R.; CARVALHO, M.L.; RODRIGUES, M. Saúde do solo: entendendo os conceitos, relevância e sua aplicações na agricultura e meio ambiente. Informações agronômicas: Nutrição de plantas, NPCT, nº 18. Junho de 2023. p. 15-23. Disponível em: https://www.npct.com.br/publication/IASite.nsf/pub/available/IA-2023-18?OpenDocument&toc=2023/. Acesso: 11 jan 2024.

CHERUBIN, M.R.; SCHIEBELBEIN, B.E. Saúde do solo: Múltiplas perspectivas e percepções. 1.ed. Piracicaba: ESALQ-USP, 2022. v.1. 126 p.

CHERUBIN, M.R.; BORDONAL, R.O.; CASTIONI, G.A.; GUIMARÃES, E.M.; LISBOA, I.P.; MORAES, L.A.A.; MENANDRO, L.M.S.; TENELLI, S.; CERRI, C.E. Soil health response to sugarcane straw removal in Brazil. Industrial Crops and Products. V.163, e113315, 2021. DOI:  10.1590/1678-992X-2017-0093

SIMON, C.P.; GOMES, T.F.; PESSOA, T.N.; SOLTANHHEISI, A.; BIELUCZYK, W.; CAMARGO, P.B.; MARTINELLI, L.A.; CHERUBIN, M.R. Soil quality literature in Brazil: A systematic review. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v. 46, e0210103, 2022. DOI: 10.36783/18069657rbcs20210103.

Sobre a autora:

Beatriz Nastaro Boschiero

Beatriz Nastaro Boschiero

Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance

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