A agricultura intensiva e as extensas áreas de monocultura são destaque no agronegócio brasileiro. E é justamente nesse sistema de produção que produtores rurais enfrentam problemas para realizar o controle de insetos-pragas ao longo da safra.
Os percevejos são um problema bastante recorrente em plantações, principalmente em um cenário de sucessão de cultivos agrícolas. Algumas características como o fato de atacarem várias espécies de plantas e possuírem alta mobilidade fazem com que estes insetos passem a invadir novas culturas.
Por isso, é essencial controlar as populações de percevejos-praga nas lavouras, impedindo a migração destes para os cultivos subsequentes. Embora o controle químico seja o método comumente empregado no manejo destas pragas, o controle biológico de pragas vem se mostrando uma alternativa possível e promissora.
O mercado de bioinsumos não para de crescer! E hoje você vai conhecer mais um agente de controle biológico, uma microvespa capaz de controlar populações de percevejos de modo eficaz e sustentável: Telenomus podisi!
Aproveite a leitura!
O que é Telenomus podisi?
Telenomus podisi é uma espécie de vespa parasitóide que pertence à família Platygastridae, ordem Hymenoptera. Esse inseto é amplamente estudado e utilizado no controle biológico de pragas agrícolas. A principal característica do Telenomus podisi é sua habilidade de parasitar ovos de percevejos, especialmente de espécies da família Pentatomidae, como o percevejo-marrom (Euschistus heros) e o percevejo-verde (Nezara viridula), que são pragas comuns em diversas culturas agrícolas, como soja, milho e algodão.
Vejamos abaixo algumas características e aspectos importantes de Telenomus podisi:
Ciclo de vida do parasitoide
O ciclo de vida de Telenomus podisi varia de 10 a 14 dias em uma faixa de temperatura de 25 a 32ºC.
Medindo cerca de 1 milímetro, a microvespa Telenomus podisi possui vida livre e, durante a fase adulta, se alimenta de mel ou néctar.
Machos e fêmeas da espécie podem ser diferenciados pelo tipo de antena (Figura 1):
- fêmeas possuem as denominadas antenas “clavadas”, as quais possuem um engrossamento nas extremidades,
- machos possuem antenas do tipo filiforme, que são longas e finas da base à extremidade.
A fêmea deposita seus ovos dentro dos ovos dos hospedeiros. Quando os ovos do Telenomus eclodem, as larvas se alimentam do conteúdo dos ovos, impedindo o desenvolvimento das pragas.
Ao longo do desenvolvimento, o parasitismo é percebido pela mudança de coloração dos ovos hospedeiros (Figura 2). Os ovos do percevejo-marrom Euschistus heros, por exemplo, mudam de amarelo para marrom-acinzentado e, em seguida, para preto, que é a coloração do parasitoide adulto.
Figura 2. Ovos de Euschistus heros parasitados por Telenomus podisi.
Foto: Koppert Brasil.
A microvespa é comumente encontrada parasitando ovos de percevejos da família Pentatomidae, que são conhecidos como “maria-fedida”. Porém, também pode se desenvolver em percevejos das famílias Scutelleridae e Coreidae.
Quando as fêmeas desta espécie de parasitoide encontram ovos hospedeiros, elas aproximam as antenas, tateiam e inserem o ovipositor na base do ovo para iniciar o parasitismo. Após esse processo, elas realizam um tipo de “marcação” do ovo que já está parasitado: passam o ovipositor sobre o córion a fim de evitar parasitar o mesmo ovo duas vezes.
Os machos do parasitoide de ovos emergem até dois dias antes. E logo são atraídos para a cópula, assim que as fêmeas começam a mastigar o córion para emergir dos ovos.
As fêmeas são capazes de parasitar uma média de 105 ovos nos três primeiros dias de vida. Em condições de laboratório, estas podem viver de três a 54 dias, e a taxa de parasitismo decai com o avanço da idade da fêmea.
Distribuição geográfica da espécie
Este parasitoide de ovos de percevejos é mesmo muito popular: pode ser encontrado desde a América do Sul até a América do Norte.
No Brasil, o parasitoide é encontrado em todo o Centro-Oeste e Sul do país.
A ampla distribuição da espécie sinaliza o seu potencial de uso em programas de controle biológico de percevejos-praga nas Américas.
Para quê Telenomus podisi é usado?
Diferentemente do seu “primo” Telenomus remus, que parasita apenas ovos de lepidópteros (principalmente de Spodoptera sp.), o parasitoide Telenomus podisi possui como alvo somente os ovos de percevejos.
Pragas-alvo do parasitoide de ovos
O parasitoide de ovos Telenomus podisi é um importante agente de controle biológico do percevejo-marrom, Euschistus heros. Mas não para por aí, essa microvespa ainda foi encontrada parasitando naturalmente as seguintes espécies de percevejos-praga:
- Chinavia sp.: 3,4% de parasitismo;
- Diceraeus melacanthus: 25 a 50% de parasitismo;
- Nezara viridula: 0,1% de parasitismo;
- Piezodorus guildinii: 20,9% de parasitismo.
Em campos de soja, Telenomus podisi apresenta preferência por ovos de Euschistus heros, estando a ocorrência deste parasitoide fortemente associada à ocorrência do percevejo-marrom. Porém, uma vez presente na área, Telenomus podisi também parasita ovos de hospedeiros alternativos, como os citados acima.
Embora exista uma preferência, há, também, uma capacidade do parasitoide em controlar outras espécies do complexo de percevejos fitófagos. Isto faz de Telenomus podisi um grande aliado no manejo de percevejos em culturas agrícolas.
Produtos comerciais à base de Telenomus podisi
A ocorrência natural deste parasitoide é fundamental para o controle de populações de percevejos-praga em cultivos agrícolas como soja, milho e algodão. Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), atualmente existem 10 produtos à base de Telenomus podisi para comercialização no Brasil.
Esses bioinsumos podem ser comercializados em forma de sachê de papelão, copos plásticos ou, até mesmo, em cápsulas um pouco mais tecnológicas para a liberação via drones. Os parasitoides podem ser liberados na área quando adultos ou ainda na fase de pupa, quando se encontram no interior do ovo hospedeiro (Figura 3). A quantidade de indivíduos por mililitro varia de acordo com o produto.
Os produtos comerciais disponíveis para a comercialização são: Bioin-Podisi-T, Biopodisi, Defender, Podisibug, Podisi-Vit, Podisul, Telemip, Telper, Theros e Vivus Penta.
Atualmente, os produtos à base de Telenomus podisi são recomendados apenas para o manejo do percevejo-marrom, em todas as culturas. O registro para comercialização deste parasitoide foi aprovado em 2019.
Com o avanço de pesquisas, o uso deste bioinsumo dentro de programas de controle biológico aplicado poderá ser otimizado e, possivelmente, abranger o controle de outros percevejos-praga.
Como e quando utilizar a microvespa?
Em campos de soja, as liberações de Telenomus podisi podem ter início quando os primeiros percevejos adultos de Euschistus heros forem detectados na lavoura, geralmente uma semana antes do florescimento, entre os estágios fenológicos VN e R1.
Com o avanço de técnicas para o monitoramento de percevejos, como o uso de armadilhas de feromônios, o momento ideal de liberação poderá ser logo após a captura de adultos da praga.
São recomendadas de duas a três liberações, com um intervalo de 20 dias entre cada uma delas. Estudos sugerem que a frequência de liberação se mostra mais importante para o sucesso do controle biológico de percevejos do que a dose liberada. Até o momento, a dose recomendada varia de 5.000 a 10.000 parasitoides por hectare, dispersados em cápsulas ou a granel, por via terrestre ou aérea.
Em regiões onde há alta pressão de percevejos ou em campos destinados à produção de sementes, pode ser utilizada a dose mais alta. A menor dose é recomendada para regiões de baixa pressão da praga e/ou para campos de produção de grãos.
Inicialmente, a liberação de Telenomus podisi pode ser realizada nas chamadas “bordaduras”, ou seja, ao redor dos lotes agrícolas, acompanhando os focos de entrada dos percevejos. Isso facilita o encontro da fêmea do parasitoide com os ovos hospedeiros. Os pontos podem variar com o estágio fenológico da cultura e número de percevejos por metro quadrado.
Após liberado, o parasitoide pode viver, aproximadamente, um mês em campo, parasitando mais de 80% dos ovos de percevejos em um período de duas semanas após a sua emergência. Os ovos hospedeiros parasitados nos primeiros dias darão origem a mais fêmeas que machos, podendo contribuir para que o inimigo natural permaneça na lavoura por mais gerações.
Fatores que afetam a eficácia de Telenomus podisi nas lavouras
Alguns fatores podem afetar a eficácia de Telenomus podisi em cultivos agrícolas, tais como:
- Qualidade do produto macrobiológico: o controle de qualidade, em criações massais de inimigos naturais é de extrema importância e essencial para o seu bom desempenho, bem como um bom armazenamento e transporte;
- Quantidade liberada: o produto deve ser utilizado na dose recomendada, seguindo a bula e as recomendações técnicas do produto;
- Momento de liberação: se atentar ao momento ideal para liberar os parasitoides, uma vez que estes parasitam apenas ovos e não as demais fases de desenvolvimento do percevejo;
- Condições ambientais no momento de liberação: as liberações devem ser realizadas em momentos mais frescos do dia, como no início da manhã ou no final da tarde, na ausência de ventos fortes;
- Compatibilidade com o controle químico: opte sempre pelo uso de pesticidas seletivos a fim de evitar que o controle químico afete a eficácia do produto biológico.
Para melhores resultados com o uso do controle biológico aplicado, siga sempre as recomendações técnicas e instruções de uso do produto.
Desafios para a adoção da biotecnologia
O sucesso de programas de controle biológico está diretamente ligado ao posicionamento adequado do controle químico durante a safra de uma cultura.
É imprescindível que se faça uso de inseticidas seletivos e compatíveis quando se opta por utilizar agentes de controle micro ou macrobiológicos.
De acordo com os protocolos para estudo de seletividade estabelecidos pela Organização Internacional de Controle Biológico (IOBC), inseticidas à base de ingredientes ativos pertencentes aos grupos químicos dos neonicotinóides e piretroides, em mistura, são classificados como nocivos aos parasitoides de ovos de percevejos Telenomus podisi e Trissolcus basalis, bem como o organofosforado acefato e os piretroides deltametrina e lambda-cialotrina.
O uso de pesticidas não seletivos/nocivos para o controle de percevejos ao parasitoide ainda é realidade na sojicultura brasileira. Portanto, deve-se buscar formas de minimizar a exposição da microvespa aos resíduos de pesticidas.
Além disso, a otimização das técnicas e logística de liberação ainda está em fase de pesquisa. A consolidação de um conjunto de técnicas direcionadas a adoção de Telenomus podisi em programas de controle biológico contribuirá para o sucesso da biotecnologia.
Um outro gargalo para o uso da microvespa em extensas áreas de cultivo é a otimização de criações massais de ovos hospedeiros. Atualmente, Telenomus podisi é multiplicado em ovos de Euschistus heros. A quantidade de ovos hospedeiros necessários para a multiplicação de parasitoides é bastante elevada, o que pode, além de encarecer os custos de produção, limitar a disponibilidade de produtos à base de Telenomus podisi no mercado de bioinsumos.
Conclusões
O uso abusivo de pesticidas e, muitas vezes, de forma preventiva, acarreta em aumento dos custos de produção, além de promover a seleção de insetos-pragas resistentes e contaminar o agroecossistema. Portanto, a adoção de métodos de controle mais sustentáveis é sempre bem-vinda.
O parasitoide de ovos Telenomus podisi é um agente de controle macrobiológico que pode fazer parte de programas de manejo integrado de percevejos-praga em várias culturas agrícolas.
Além de reduzir os danos causados por estes insetos e os custos com pesticidas, é um aliado sustentável no manejo de resistência de pragas.
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Sobre a autora:
Gabryele Silva Ramos
Doutoranda em Entomologia (ESALQ/USP)
- MBA em Marketing (ESALQ/USP)
- Mestre em Proteção de Plantas (UNESP/Botucatu)
- Engenheira Agrônoma (UFV)