O microbioma agrícola desempenha um papel fundamental na saúde das plantas, influenciando desde a absorção de nutrientes até a proteção contra patógenos.
Tradicionalmente, o microbioma do solo é associado a bactérias e fungos, mas estudos recentes indicam que as microalgas também podem ser importantes membros dessa comunidade biológica (Lee & Ryu, 2021).
A seguir, exploramos o papel das microalgas na interação com plantas e seu potencial para melhorar a produtividade agrícola.
Boa leitura!
Definição e Membros do Microbioma
Antes de falarmos sobre microalgas como novos membros do microbioma, é importante entender o que é o microbioma: que é uma comunidade microbiana característica que ocupa um habitat bem definido com propriedades físico-químicas distintas.
O microbioma não inclui apenas os microorganismos envolvidos, mas também abrange suas atividades no ambiente. Vejam uma explicação mais detalhada do Professor Rafael Vasconcellos:
Microalgas, por sua vez, são organismos fotossintetizantes unicelulares que englobam cianobactérias (procariontes) e microalgas eucarióticas, como como Chlorella, Dunaliella, Nostoc e Anaebaena. Tradicionalmente, esses organismos eram associados apenas a ambientes aquáticos, mas avanços nas técnicas de biologia molecular, como sequenciamento de 16S e 18S rRNA, revelaram sua presença em solos agrícolas, na rizosfera e até no interior de tecidos vegetais (Lee e Ryu, 2021).
A inclusão de microalgas no microbioma vegetal representa uma mudança de paradigma, pois evidências recentes demonstram que esses organismos desempenham papéis fundamentais na promoção do crescimento vegetal, na indução de resistência a estresses e no controle biológico de fitopatógenos.
Por que as microalgas agora são consideradas parte do microbioma vegetal?
O microbioma vegetal é composto por uma comunidade dinâmica de microrganismos que interagem com as plantas, influenciando seu desenvolvimento e resiliência. Por muito tempo, o conceito de microbioma esteve restrito a bactérias e fungos, mas estudos recentes mostram que microalgas também se associam a plantas, sendo encontradas na rizosfera, filoplano (superfície foliar) e endosfera (tecidos internos).
Essa integração ocorre por diversos mecanismos:
- Colonização radicular: Algumas cianobactérias, como Nostoc, formam associações simbióticas com raízes de gramíneas e leguminosas, fixando nitrogênio atmosférico.
- Produção de metabólitos bioativos: Compostos como auxinas, citocininas e ácido abscísico são produzidos por microalgas e podem modular o crescimento vegetal e a resposta a estresses.
- Interação com outros microrganismos do solo: Microalgas podem influenciar a estrutura do microbioma do solo, favorecendo populações benéficas e competindo com patógenos.
A inclusão das microalgas no microbioma vegetal é, portanto, baseada na sua funcionalidade e na crescente evidência de que elas desempenham papéis semelhantes aos de rizobactérias e fungos micorrízicos na promoção da saúde das plantas.
Benefícios das microalgas no microbioma vegetal
Lee e Ryu (2021) revisaram o papel das microalgas no microbioma vegetal, destacando quatro principais funções que contribuem para a saúde das plantas e a sustentabilidade agrícola, conforme ilustrado na Figura 1 : (1) controle biológico, (2) indução de tolerância a estresses abióticos, (3) biofertilizantes e (4) efeito antienvelhecimento.

Fonte: Lee e Ryu (2021).
1. Controle biológico de patógenos
As microalgas secretam compostos com ação direta em fungos, nematoides, bactérias e insetos.
Microalgas como Chlorella fusca e cianobactérias do gênero Nostoc, por exemplo, produzem compostos antimicrobianos e enzimas que degradam a parede celular de patógenos, inibindo fungos e bactérias fitopatogênicas, como Fusarium oxysporum e Pseudomonas syringae.
As algas podem suprimir doenças fúngicas inibindo o crescimento dos patógenos ou ativando as respostas imunes das plantas. Algumas espécies induzem resistência sistêmica, ativando vias hormonais de defesa (ácido salicílico e jasmonatos). Um estudo recente mostrou que a alga Chlorella fusca pode controlar a bactéria Pseudomonas syringae pv. tomato em plantas de Arabidopsis thaliana, ativando a imunidade inata da planta.
As microalgas também têm sido usadas para controlar nematoides patogênicos e insetos prejudiciais. O tratamento das raízes de tomate com cianobactérias reduziu a formação de galhas causadas por nematoides. A aplicação do extrato de Chlorella vulgaris também reduziu a infestação de raízes de videira por nematoides. Além disso, algumas cianobactérias apresentaram atividade repelente contra insetos mastigadores em plantas de algodão.
Ainda não há relatos sobre a atividade de algas contra vírus fitopatogênicos, mas testar o potencial de aplicação de algas contra esses vírus é importante para futuras pesquisas.
2. Indução de tolerância a estresses abióticos
A parede celular da microalga pode induzir mudanças fisiológicas e estruturais nas plantas, protegendo-as de estresses abióticos, como seca e salinidade. Outro modo de ação é via produção de compostos análogos aos fitormônios que modulam o crescimento da planta, imunidade e tolerância a estresses abióticos.
A tolerância ao estresse abiótico desencadeada pelo tratamento com microalgas está principalmente ligada à produção de espécies reativas de oxigênio (EROs) e à atividade antioxidante nas plantas.
As microalgas também sintetizam compostos antioxidantes de alto valor, como carotenoides e tocoferóis, que contribuem para a proteção das plantas contra estresse oxidativo, especialmente em condições de alta radiação solar.
Extratos de microalgas estimulam a produção de enzimas antioxidantes (superóxido dismutase, catalase e peroxidase), aumentando a resiliência das plantas à salinidade, seca e altas temperaturas.
Polissacarídeos extracelulares de Dunaliella salina e Spirulina reduzem o estresse oxidativo e melhoram a eficiência no uso da água em culturas como tomate e fava. Também, produtos extracelulares da cianobactéria Scytonema hofmanni anularam os efeitos do estresse salino em arroz.
3. Biofertilizantes
As cianobactérias procariontes têm sido aplicadas em monocotiledôneas e dicotiledôneas como biofertilizantes para aumentar o crescimento das plantas e o rendimento das culturas.
Cianobactérias fixadoras de nitrogênio, como Anabaena e Calothrix, aumentam a disponibilidade de nutrientes no solo, reduzindo a necessidade de fertilizantes químicos. Além disso, microalgas liberam fitohormônios (auxinas e citocininas) e compostos orgânicos que promovem o crescimento vegetal e melhoram a microbiota da rizosfera.
O uso de Chlorella spp. eucariontes também aumentou o crescimento de várias plantas, como cebola, alface, repolho chinês, nabo e espinafre, quando aplicado nas raízes e folhas.
O tratamento de sementes com Chlorella vulgaris promoveu a germinação e o crescimento de brotos e raízes em alface, tomate e pepino.
O uso de extratos de algas também mostrou atividade promissora em várias culturas, incluindo trigo, milho e beterraba açucareira. Estudos recentes também indicam que a co-cultura de plantas de beterraba açucareira e tomate com algas eucariontes utilizando um sistema hidropônico aumenta a biomassa de ambas as plantas e espécies de algas.
4. Agentes de antienvelhecimento vegetal
Aplicações de Chlorella e Chlorococcum demonstraram retardar a senescência em plantas ornamentais e hortaliças, prolongando o ciclo produtivo e a qualidade pós-colheita.
Esse efeito está associado à regulação da sinalização do etileno e ao aumento da atividade antioxidante, retardando o envelhecimento celular.
Talvez esse seja o fator mais interessante observado com a aplicação de microalgas nas plantas. Como exemplo prático, o uso de microalgas: prolonga o tempo de prateleira do morango, alface, beterraba e couve, além de atrasar a senescência de brotos de flores ornamentais.
É possível que as microalgas suprimam o sinal de etileno ou a via de biossíntese em plantas para mediar os efeitos anti-envelhecimento, assim como outras bactérias benéficas modulam o sinal de etileno em plantas. No entanto, o mecanismo detalhado pelo qual Chlorella medeia os efeitos anti-envelhecimento nas plantas ainda é amplamente desconhecido.
Outros benefícios e usos das microalgas
Além desses quatro efeitos citados acima, Lee e Ryu (2021) também relatam que as microalgas seriam responsáveis pela modulação do microbioma do solo, além de serem fonte de compostos bioativos e reguladores do desenvolvimento vegetal.
As microalgas podem influenciar a composição do microbioma do solo, promovendo um ambiente favorável ao crescimento de microrganismos benéficos, como bactérias fixadoras de nitrogênio e fungos promotores do crescimento vegetal. Estudos indicam que a aplicação de certas microalgas aumenta a diversidade microbiana e melhora a estrutura do solo, aumentando a disponibilidade de nutrientes essenciais.
Além da biofertilização, microalgas produzem uma ampla gama de metabólitos secundários, como vitaminas (B1, B2, B3 e B12), sideróforos (que quelam ferro e podem atuar contra patógenos), e ácido D-láctico, que ativa mecanismos de defesa nas plantas. Esses compostos podem modular o metabolismo vegetal e melhorar a resposta a fatores ambientais adversos.
Microalgas e sustentabilidade
Além do seu papel emergente no microbioma agrícola, as microalgas vêm ganhando destaque em outras frentes estratégicas para a sustentabilidade global (Figura 2). Sua alta produtividade de biomassa e riqueza em lipídios fazem delas uma fonte promissora para a produção de energia renovável, especialmente biodiesel e hidrogênio de base biológica.
No campo ambiental, as microalgas têm sido utilizadas com eficiência no tratamento de águas residuais, contribuindo para a remoção de nutrientes, metais pesados e carbono orgânico, ao mesmo tempo em que geram biomassa aproveitável.
Já na área da segurança alimentar, destacam-se como ingredientes funcionais com alto teor de proteínas, vitaminas e ácidos graxos essenciais, podendo complementar dietas humanas e animais. Essa multifuncionalidade reforça o potencial das microalgas como aliadas chave em sistemas agrícolas mais resilientes, circulares e sustentáveis.

Fonte: Yu et al. (2024).
As microalgas estão surgindo como uma solução sustentável para biodiesel, tratamento de águas residuais, futuras fontes de alimentos, tratamento de resíduos alimentares e produção de hidrogênio.
Produção de biodiesel a partir de microalgas ajuda a reduzir o CO2 emissões e fornecer uma fonte sustentável de energia. No tratamento de águas residuais, as microalgas têm a capacidade de remover poluentes e reduzir o CO2.
As microalgas são uma alternativa promissora para futuras fontes de alimento, pois podem ser usadas como um alimento rico em proteínas e uma variedade de nutrientes.
No tratamento de resíduos alimentares, as microalgas podem usar eficientemente resíduos orgânicos como cascas de banana e convertê-los em produtos valiosos.
As microalgas também podem ser usadas para absorver energia solar e produzir hidrogênio de maneira ecologicamente correta. Assim, as microalgas podem ser aplicadas em uma variedade de indústrias para técnicas sustentáveis e ecologicamente corretas.
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Referências
LEE, S.-M.; RYU, C.-M. Algae as New Kids in the Beneficial Plant Microbiome. Frontiers in Plant Science, v. 12, 2021. DOI: 10.3389/fpls.2021.599742.
YU, B.S.; PYO, S.; LEE, J.; HAN, K. Microalgae: a multifaceted catalyst for sustainable solutions in renewable energy, food security, and environmental management. Microbial Cell Factories. V. 23, Article 308, 2024. DOI: 10.1186/s12934-024-02588-7.
Sobre a autora:

Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
Como citar este artigo
BOSCHIERO, B.N. Microalgas: um novo “player” no microbioma agrícola? Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-microalgas/. Data de acesso: xx Xxx 20xx.