Atualmente vemos a liderança feminina no mundo corporativo em evidência em vários segmentos corporativos e no agro não é diferente. Nos últimos anos o empoderamento feminino, e a consequente crescente das oportunidades para mulheres, trouxeram à tona a temática da liderança por mulheres.
É nesse cenário superficialmente próspero para nós mulheres que se desenha alguns dos principais desafios: como fazer nosso papel de líder da melhor maneira possível, com êxito no atingimento de metas, realizando um trabalho consistente e conquistando nosso lugar de autoridade e reconhecimento.
Todos esses tópicos são desafios em qualquer liderança, independente do gênero. Porém, sinto que devo ressaltar que há diferenças inerentes a nós enquanto mulheres que os homens não enfrentam, especialmente em um setor tão tradicional como é o agro.
Não é difícil encontrar relatos de insubordinação, resistência e desacato nos problemas de liderança, mas esses aspectos se tornam ainda mais relevantes quando é uma líder mulher nessa posição.
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Liderança feminina no agro brasileiro
No último Censo realizado, em 2017, observamos o número grandioso de 1 milhão de mulheres na frente da gestão de propriedades rurais, do total de 5,07 milhões.
Porém, isso não representa nem 10% da área total ocupada por estabelecimentos rurais no Brasil, sendo que apenas 19% das propriedades têm como dona uma mulher (note que estar à frente da gestão é diferente de ter a posse da propriedade).
Fonte: Banco de imagens Embrapa/IBGE/MAPA, 2017.
Mesmo com esses números, demonstrando o avanço da liderança feminina no brasil, perceba o quanto ainda temos que caminhar para conquistar realmente um papel de destaque econômico no setor agropecuário.
No último Censo sobre Agricultura dos Estados Unidos, por exemplo, foi constatado que 1,2 milhão de mulheres eram produtoras, representando 36% dos 3,4 milhões do país. Também foi possível observar que as produtoras são um pouco mais jovens, mais propensas a serem agricultoras iniciantes e a viver na fazenda que operam do que os produtores do sexo masculino (USDA, 2019).
Além disso, mais da metade de todas as fazendas americanas (56%) são dirigidas por mulheres, o que representa 38% das vendas agrícolas dos EUA e 43% das terras agrícolas dos EUA.
A pesquisa ainda mostrou que as produtoras estão mais envolvidas nas decisões do dia a dia e na manutenção de registros/gerenciamento financeiro, enquanto os homens tiveram taxas mais altas de envolvimento do que as produtoras do sexo feminino nas decisões de uso da terra e nas decisões relacionadas aos animais.
Atividades da liderança feminina no agro
Em relação as atividades desempenhadas, metade das proprietárias (50%) estão relacionadas à pecuária, enquanto 32% exercem atividades relacionadas à produção de lavouras temporárias.
Entre as mulheres a frente da gestão, porém não proprietárias (produtoras sem área; concessionárias ou assentadas aguardando titulação definitiva; ocupantes; comandatárias; parceiras ou arrendatárias), 42% das atividades econômicas estão relacionadas à produção de lavouras temporárias e 39% à pecuária.
E onde essas mulheres estão? Veja abaixo que a grande maioria se concentra na região Nordeste, seguido de Sudeste.
Fonte: Banco de imagens Embrapa/IBGE/MAPA, 2017.
Somente com esses números já é possível ter uma ideia que os estabelecimentos dirigidos por mulheres são de pequeno porte e com menor uso de tecnologia.
Isso porque maioria das áreas no Nordeste são de áreas pequenas, já no Centro-Oeste, na maior concentração de grandes propriedades, novas tecnologias e grande responsável pela exportação de grãos, temos apenas 6% das mulheres a frente.
Colabora com isso o fato de que nos dados do Censo de 2017 nos estabelecimentos dirigidos por mulheres observamos uma menor proporção de propriedades com veículos, implementos e tratores do que se comparado com propriedades com homens na gestão principal.
Meio de obtenção de informações técnicas pela liderança feminina no agro
Em comparação aos homens, as mulheres brasileiras obtêm menos informações técnicas (31% contra apenas 25% de homens que não conseguem informações), inclusive em reuniões, seminários e cooperativas.
Até mesmo na internet as mulheres obtêm menos informações técnicas (8,8% em comparação aos 12,9% de homens que obtêm informações técnicas via internet).
Deixo aqui alguns questionamentos sobre todo esse cenário, que talvez sirva também de reflexão para você.
- Será que estamos tornando acolhedores os locais de obtenção de informações para as mulheres?
- Será que nas reuniões, nas cooperativas e nos seminários do setor as mulheres se sentem bem-vindas como gestoras ou ainda são vistas apenas como acompanhantes ou em um papel secundário?
É muito importante que ao chegar nesses locais nós mulheres sejamos ouvidas e acolhidas. Algumas vezes um ambiente totalmente masculino pode ser um pouco intimidador, mesmo para quem já está no setor a algum tempo.
É claro que, como a maior parte ainda é masculina, é natural que tudo seja mais voltado para esse público, porém não podemos nos isentar da responsabilidade de tornar todos esses ambientes mais compatíveis, fazendo com que as mulheres se sintam mais capazes e seguras para continuar na gestão.
Somente por meio do conhecimento, educação e acolhimento que esses números vão aumentar. E não são apenas números pelos números, mas sim pelo direito das mulheres em se tornarem líderes, não só nas propriedades, mas também em todos os espaços do setor agropecuários.
Nesse sentido, a Agroadvance se destaca pela iniciativa de criar um clube voltado às mulheres a frente da gestão: a Produtora Real, a qual consiste em formar uma comunidade de mulheres junto à educação de excelência sobre a temática de gestão e liderança. Convido a você conhecer essa ação:
Quais características marcantes de uma liderança feminina?
Estudos indicam que as mulheres têm estilos de liderança diferentes dos homens, sendo que características como benevolência, liderança inclusiva e engajamento aparecem mais frequentemente na liderança feminina quando comparada com a liderança exercida por homens.
Entretanto, é preciso ressaltar que, mesmo que tudo isso pareça muito positivo superficialmente, esses são atributos fazem parte de um sucesso na gerência intermediária, a qual depende da capacidade de uma pessoa de engajar e motivar as equipes a fazerem as coisas.
E é assim que muitas estão presas neste nível de gerência: acabamos generalizando e classificando as mulheres somente para esse escalão de gestão, onde as pessoas são realmente pagas para desenvolver a equipe.
É claro que não há nada de errado em exercer a gerência intermediária, inclusive sendo uma ótima escolha de carreira, mas é importante frisar que não podemos fixar essas características para todas nós e que há muitas mulheres que seriam gestoras incríveis do alto escalão.
Nesse sentido, a pesquisa Panorama Mulheres 2023, realizadas pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pelo Talenses Group, mostra que a participação feminina em cargos de chefia no mundo empresarial está cada vez mais abundante no Brasil, com 17% nas presidências de empresas e em outras posições de alta liderança no ano de 2022, contra 13% em 2019 (INSPER, 2023).
Quais são os principais desafios da liderança feminina?
Em todos os tópicos aqui citados já vimos muitos desafios, mas podemos elencar como os principais: falta de oportunidade, generalização e falta de equidade. Uma atenção para equidade, que difere da igualdade.
Enquanto a igualdade é baseada no princípio de que todos devem ter as mesmas, direitos e deveres, a equidade reconhece que não somos todos iguais e que é preciso ajustar esse desequilíbrio. Um exemplo disso é o ponto de criar um ambiente favorável e mais acolhedor para as mulheres em toda a esfera do agro.
Papel da educação e redes sociais na liderança feminina
Nesse contexto temos a grande relevância da educação, já que é preciso o desenvolvimento de habilidades de liderança e conhecimento em gestão.
Muito relacionado à educação temos a criação de comunidades de mulheres do agro, sendo uma ótima oportunidade de obter interações colaborativas com colegas do setor, facilitando o networking e a troca de conhecimentos com profissionais.
Essas redes funcionam como uma fonte de apoio, colaboração e oportunidades futuras para as mulheres.
Alguns exemplos dessas redes, em que algumas são as comunidades propriamente ditas e outras são formadas por influenciadoras:
Além disso, fica evidente que políticas públicas são necessárias, bem como a transparência e implementação dessas ações públicas.
Conclusões
Preciso relembrar que as mulheres têm sido uma parte crítica das operações agrícolas e pecuárias em todo o mundo há séculos, desde preparando a comida, cuidando das crianças, da casa e até sendo a responsável pela gestão do dinheiro não só da residência, mas também da propriedade rural. Um trabalho “invisível”, mas que deve ser colocado em seu lugar de importância sempre que possível.
Agora, como mulheres nesse setor, temos uma oportunidade única de ser a mudança que queremos ver em nossa indústria, seja como líderes em empresas, como gestoras das propriedades ou como proprietárias de negócios.
Um agradecimento especial às mulheres da Embrapa que encabeçaram a pesquisa sobre as mulheres rurais no Censo 2017, sendo elas as pesquisadoras Vera Oliveira (MAPA) e Cristina Arzabe (Embrapa), além do Marcelo Oliveira (IBGE).
Referências
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE]. Mulheres Rurais – Censo Agro 2017. 2020. Disponível em: https://www.embrapa.br/documents/10180/1645386/Mulheres+Rurais+-+Censo+Agro+2017/fc59f4c6-c94d-6b78-887d-5a64b1a70a7d. Acesso em: 02 jul. 2023.
INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA [INSPER]. Mulheres Aumentam Presença em Cargos de Alta Liderança nas Empresas. Disponível em: https://www.insper.edu.br/noticias/mulheres-aumentam-presenca-em-cargos-de-alta-lideranca-nas-empresas/. Acesso em 10 de jul. 2023.
UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE [USDA]. 2017 Census of Agriculture Insights. 2019. Disponível em: https://www.nass.usda.gov/Publications/Highlights/2019/2017Census_Female_Producers.pdf. Acesso em 02 de jul. 2023.
Sobre a autora:
Maiara Franzoni
Coordenadora de Go-To-Market na Agroadvance
- Engenheira Agrônoma (ESALQ/USP)
- Mestra em Fitotecnia (ESALQ/USP)
- Especialista em Agronegócio e Marketing (ESALQ/USP)