Os bioinsumos, insumos agrícolas de base biológica desenvolvidos a partir de microrganismos, extratos vegetais, enzimas, macrorganismos e outros materiais naturais, representam uma alternativa sustentável aos insumos químicos tradicionais no manejo agrícola. Eles atendem às crescentes demandas por práticas agrícolas mais alinhadas à sustentabilidade no campo.
Embora amplamente adoção dos bioinsumos tenha aumentado significativamente no Brasil nos últimos anos, os bioinsumos eram regulamentados de forma genérica pela Lei nº 7.802/1989, conhecida como a Lei dos Agrotóxicos, criadas para defensivos agrícolas, fertilizantes ou produtos de controle biológico.
Essa abordagem não refletia as especificidades técnicas e os benefícios sustentáveis desses insumos, muitas vezes gerando insegurança jurídica e dificuldades para o setor.
Com a aprovação da Lei 15.070/2024, aprovada em 24 de dezembro, o cenário mudou. A nova lei de bioinsumos cria uma normatização específica para os bioinsumos, retirando determinados produtos das categorias anteriores de defensivos agrícolas e fertilizantes para classificá-los como uma categoria própria.
A legislação é fruto de um processo iniciado em 2020 com o Programa Nacional de Bioinsumos, cujo objetivo era incentivar práticas agrícolas mais sustentáveis e diminuir a dependência de insumos químicos e importados.
Esse marco regulatório é resultado da consolidação de dois projetos que tramitavam no Congresso Nacional: o PL 658/2021 e o PL 3668/2021. Inicialmente, esses projetos tratavam separadamente da produção on farm e industrial. Contudo, o texto do PL 658/2021 foi ampliado, integrando atividades comerciais e absorvendo elementos do PL 3668/2021, culminando no marco regulatório atual.
Quer saber quais mudanças essa lei traz em relação à legislação anterior e as implicações práticas para o setor agrícola?
Acompanhe este artigo!
Os Bioinsumos e Suas Categorias: como eram tratados antes e o que mudou?
A Lei 15.070/2024 introduziu uma regulamentação específica para os bioinsumos, solucionando diversas lacunas e ineficiências do modelo regulatório anterior.
Produtos biológicos amplamente utilizados no campo, como biofertilizantes, biodefensivos, inoculantes e bioestimulantes, eram tratados de forma fragmentada e genérica, muitas vezes sob normativas inadequadas que dificultavam seu desenvolvimento e uso.
A criação do Programa Nacional de Bioinsumos, em 2020, foi um marco importante para o setor. Ele buscava incentivar o uso de insumos biológicos na agricultura, reduzir a dependência de químicos e importados e promover práticas agrícolas mais sustentáveis. No entanto, o programa carecia de um arcabouço legal robusto que amparasse a expansão e a regulamentação específica para os bioinsumos.
Como era até então?
Até a sanção da nova lei, cada categoria dos bioinsumos era regulada por legislações originalmente elaboradas para produtos químicos. Isso gerava situações confusas e entraves para produtores e empresas. Vejamos especificamente como era tratada cada categoria de bioinsumos:
Biofertilizantes
Os biofertilizantes eram regulamentados pela Lei nº 6.894/1980, ( Lei dos Fertilizantes), que foi posteriormente alterada pela Lei 12.890/2023. Esses produtos eram tratados no mesmo escopo que fertilizantes minerais e sintéticos. A legislação não fazia distinção clara entre biofertilizantes e os fertilizantes químicos, criando uma abordagem genérica e limitando a capacidade de atender às especificidades técnicas dos produtos biológicos.
A regulamentação era complementada pela Instrução Normativa nº 53/2013 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que definia procedimentos de registro. Exigia-se:
- Estudos de composição química e biológica.
- Provas de eficácia e segurança para o solo e plantas.
- Análises de impacto ambiental, com foco em resíduos.
Inoculantes
Os inoculantes, que desempenham um papel fundamental na fixação biológica de nitrogênio e no aumento da produtividade agrícola de forma sustentável também enfrentavam desafios regulatórios.
Os inoculantes eram regulamentados pela Lei nº 6.894/1980 (Lei dos Fertilizantes), que não faz distinções específicas entre produtos biológicos e químicos.
Os inoculantes eram uma das poucas categorias de bioinsumos que contavam com uma normativa técnica específica antes da nova legislação, a Instrução Normativa nº 13/2004, emitida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que trazia critérios mais específicos para o registro e controle de inoculantes:
- Composição microbiológica e identidade dos microrganismos.
- Eficiência na fixação de nitrogênio e na melhoria das condições do solo.
- Padrões de qualidade para processos de fabricação.
A regulamentação foi posteriormente complementada pela Instrução Normativa nº 53/2013, que reforçou as exigências para registro e comercialização.
Biodefensivos
Os biodefensivos, utilizados no controle biológico de pragas e doenças, eram tratados sob a Lei nº 7.802/1989 (Lei dos Agrotóxicos) e o Decreto nº 4.074/2002, com adaptações para agentes biológicos, onde eles eram tratados da mesma forma que produtos químicos de alto impacto ambiental. As exigências para registro como biodefensivo incluíam:
- Análises de risco para organismos não-alvo,
- Registro como defensivos agrícolas, com protocolos rigorosos similares aos aplicados aos agrotóxicos químicos,
- Normas específicas para transporte, armazenamento e aplicação.
Isso tornava o processo de registro demorado e custoso, pois os mesmos padrões de toxicidade e ecotoxicidade aplicados aos defensivos químicos também eram exigidos para biodefensivos, ainda que estes apresentassem baixo risco.
Bioestimulantes
Os bioestimulantes, que promovem o desenvolvimento fisiológico das plantas e aumentam sua resiliência a estresses ambientais, eram os mais prejudicados pela falta de uma regulamentação própria consolidada. Antes da Lei 15.070/2024, eles eram tratados como fertilizantes especiais sob a Instrução Normativa nº 50/2006. O registro dependia de:
- Comprovação de eficiência e segurança.
- Estudos que, muitas vezes, não correspondiam às características biológicas dos produtos, gerando atrasos e incertezas.
Sem normas específicas, os bioestimulantes frequentemente enfrentavam dúvidas sobre sua classificação, o que dificultava a inovação e a comercialização no setor.
O que mudou com a nova lei de bioinsumos?
A aprovação da Lei 15.070/2024 deve solucionar diversas limitações que afetavam o enquadramento, o registro e o uso de bioinsumos no Brasil. Agora, os bioinsumos são reconhecidos como uma categoria própria, com regulamentação clara e específica que abrange:
- Reconhecimento como bioinsumos: Produtos como biofertilizantes, biodefensivos, inoculantes e bioestimulantes passam a ser tratados de forma distinta, respeitando suas características e funções.
- Registro simplificado: Produtos considerados de baixo risco estão isentos de registro ou podem ser registrados por meio de processos administrativos simplificados.
- Múltiplas funcionalidades: A nova lei permitirá registro único para produtos com múltiplas funcionalidades, como bioestimulantes e controle de pragas.
- Estímulo à inovação: A nova legislação incentiva a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias biológicas, com políticas de apoio especialmente direcionadas a pequenos produtores e cooperativas.
Com a criação de um marco regulatório claro e específico, a Lei 15.070/2024 não apenas simplifica o acesso ao mercado, mas também promove a sustentabilidade, fortalece a segurança jurídica e impulsiona a competitividade do agronegócio brasileiro.
Destaques da Legislação de Bioinsumos (Lei 15.070/2024)
A nova lei dos bioinsumos dispensa de registro bioinsumos produzidos para o consumo próprio nas propriedades rurais, estabelece mecanismos oficiais de estímulo ao uso de bioinsumos e cria uma taxa para financiar o trabalho de fiscalização pelo Ministério da Agricultura.
A norma abrange aspectos como produção, importação, exportação, registro, comercialização, uso, inspeção, fiscalização, pesquisa, experimentação, embalagem, rotulagem, propaganda, transporte, armazenamento, taxas, prestação de serviços, destinação de resíduos e embalagens e incentivos à produção.
As disposições da lei se aplicam a todos os sistemas de cultivo, incluindo o convencional, o orgânico e o de base agroecológica, como também a todos os bioinsumos utilizados na atividade agropecuária.
A legislação também traz os conceitos de biofábrica, biosinsumo, bioinsumo de uso pecuário, de uso aquícola, de uso aprovado para a agricultura orgânica, ingrediente ou princípio ativo, inóculo de bioinsumo, matéria-prima, entre outros.
A lei também regulamenta o registro de estabelecimento e produto, a produção para uso próprio, a produção comercial, as competências e a instituição da Taxa de Registro de Estabelecimento e Produto da Defesa Agropecuária (Trepda).
Esta taxa se refere ao exercício regular do poder de polícia administrativa e ao controle das atividades de registro previstas na lei. Ela será cobrada apenas para avaliação e alteração de registros que demandem análises técnicas de bioinsumos produzidos ou importados para fins comerciais, assim como para os estabelecimentos que produzam ou importem com esse propósito.
Vejamos abaixo alguns dos principais pontos:
Produção on farm
- A nova lei autoriza e regulamenta a produção de bioinsumos para uso próprio (on farm), que continua vedada para fins comerciais.
- Estabelece controles mínimos, dispensando o registro para produção on farm, mas exigindo o cumprimento de boas práticas definidas pelo órgão federal de defesa agropecuária.
- Permite o transporte entre propriedades do mesmo grupo econômico ou de cooperativas, desde que respeitadas as normas de controle.
- Regramento de material biológico: Uso de cepas de banco de germoplasma credenciado ou de produtos com cepas registradas para essa finalidade, proibição de produtos comerciais como fonte de inóculo.
- Essa flexibilização na lei beneficia especialmente pequenos agricultores e cooperativas, que agora podem compartilhar bioinsumos entre propriedades dentro de um mesmo grupo econômico, desde que sigam as boas práticas definidas pela legislação.
Registro e isenções
- Todos os bioinsumos destinados à comercialização devem ser registrados no órgão federal de defesa agropecuária.
- Bioinsumos para uso próprio estão isentos de registro, e o cadastro simplificado para unidades on farm pode ser dispensado em alguns casos.
- Produtos novos, com ingredientes ou princípios ativos ainda não registrados ou autorizados no país, exigem manifestação da Anvisa e do Ibama quanto à segurança.
Incentivos à produção
- Previsão de políticas públicas para criar mecanismos financeiros que incentivem a P&D, aprimore a infraestrutura e promova o uso e a comercialização de bioinsumos.
- Introduz mecanismos fiscais e tributários para fomentar a pesquisa, o desenvolvimento, a produção e o uso de bioinsumos.
- Dá prioridade a microempresas, cooperativas agrícolas e à agricultura familiar, promovendo a inclusão de pequenos e médios produtores no setor.
- Prevê linhas de crédito diferenciadas e incentivos financeiros para produtores que adotem bioinsumos em seus sistemas de produção.
Classificação e definições
- Define claramente os bioinsumos como uma categoria distinta, abrangendo produtos para bionutrição, defensivos biológicos, biofertilizantes, inoculantes, bioestimulantes e outros agentes de controle biológico.
- Amplia o alcance do mercado, incluindo bioinsumos para agricultura, pecuária, aquicultura e sistemas florestais.
- Regulamentos específicos serão publicados para detalhar os critérios técnicos e requisitos para cada categoria de produto.
Algumas definições trazidas na legislação:
Bioinsumos: “Produto, processo ou tecnologia de origem vegetal, animal ou microbiana, incluído o oriundo de processo biotecnológico, ou estruturalmente similar e funcionalmente idêntico ao de origem natural, destinado ao uso na produção, na proteção, no armazenamento e no beneficiamento de produtos agropecuários ou nos sistemas de produção aquáticos ou de florestas plantadas, que interfira no crescimento, no desenvolvimento e no mecanismo de resposta de animais, de plantas, de microrganismos, do solo e de substâncias derivadas e que interaja com os produtos e os processos físico-químicos e biológicos.”
Biofábrica: “Estabelecimento para produção de bioinsumo ou de inóculo de bioinsumo com fins comerciais, que dispõe de equipamentos e de instalações que permitam o controle de qualidade e a segurança sanitária e ambiental de sua produção”.
Unidade de Produção para Uso Próprio: “Local destinado à produção de bioinsumos de finalidade não comercial destinados ao uso exclusivo e próprio de produtores rurais, urbanos e periurbanos, pessoas físicas ou jurídicas, que dispõe, quando necessário, de equipamentos ou de estruturas que permitam o controle de qualidade.”
Inóculo de Bioinsumo: “Produto composto por microrganismo, produzido em um meio de cultura para iniciar o crescimento, para fins de produção de bioinsumos.”
Taxa de Registro (TREPDA)
- Institui a Taxa de Registro de Estabelecimento e Produto de Defesa Agropecuária (TREPDA), com valores que variam entre R$ 350 e R$ 3.500, dependendo do porte do estabelecimento e do tipo de registro solicitado. A introdução da TREPDA visa financiar o trabalho de fiscalização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
- Produtos de baixo risco ou registrados por procedimento simplificado estão isentos dessa cobrança, incentivando a adoção de bioinsumos mais seguros e acessíveis.
Sanções
- Penalidades por descumprimento da lei seguem as diretrizes da Lei de Autocontrole (Lei 14.515/2022).
- As sanções incluem advertências, suspensão ou cassação de registros e multas que variam entre R$ 100 e R$ 150.000, considerando a gravidade da infração e o porte da empresa.
O que muda COM OS PROCESSOS ATUAIS após a publicação da lei?
A nova lei traz regras transitórias para que o setor possa se adequar gradualmente. Produtos já registrados permanecerão válidos até o vencimento de seus registros, enquanto novas regulamentações serão elaboradas para alinhar os processos e garantir a integração das normas.
A expectativa é que o primeiro conjunto de regulamentos seja divulgado em 2025, estabelecendo requisitos técnicos específicos para as diferentes categorias de bioinsumos. Essas regras serão fundamentais para posicionar o Brasil como referência global no desenvolvimento e na aplicação de bioinsumos em larga escala.
Enquanto isso, o setor comemora este marco histórico, que representa um grande avanço em direção a uma agricultura mais inovadora, sustentável e alinhada às demandas do futuro.
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Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
Como citar este artigo: BOSCHIERO, B.N. Lei de bioinsumos é aprovada: o que muda com a nova legislação? Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-lei-de-bioinsumos-nova-legislacao/. Acesso: xx Xxx 20xx.