Fungicidas: 12 Mecanismo de ação e estratégias para mitigar a resistência de fungos

Neste artigo você vai encontrar a classificação dos modos de ação dos fungicidas e aprender como essa informação pode ser utilizada para manejar estratégias que mitiguem o desenvolvimento de resistência pelos patógenos.
Sumário

O mecanismo de ação é uma das maneiras de se classificar os fungicidas agrícolas e esse conhecimento pode ser utilizado como estratégia para mitigar o desenvolvimento de resistência dos fungos. Essa classificação é feita pelo Comitê de Ação a Resistência a Fungicidas (FRAC), conforme tabela abaixo:

Mecanismo de ação dos fungicidas | frac-br

Outros critérios podem ser utilizados para classificação dos fungicidas, como: natureza química do produto (orgânicos e inorgânico), mobilidade na planta (imóvel, sistêmico ou mesostêmico), princípio geral de controle (preventivo, curativo ou erradicante), entre outras.

O mecanismo de ação dos fungicidas, é classificado pelo Comitê de Ação a Resistência a Fungicidas (Fungicide Resistance Action Committee – FRAC) de acordo com o modo de ação bioquímico (MOA) dos patógenos nas vias de biossíntese das plantas.  

Nessa classificação os fungicidas são agrupados por “famílias” ou “classes” que compartilham um modo comum de ação e estrutura química. O grupo modo de ação (A, B, C, D, E, F, G, H, I, M, P) refere-se ao processo bioquímico inibido pelo fungicida, como síntese de parede celular, respiração, etc. Subgrupos (A1, A2, etc.) dentro de um grupo de modo de ação referem-se a locais específicos de ação bioquímicos. Três exceções são os fungicidas agrupados como não classificado (NC), em Mecanismo de ação desconhecido e em Biológicos com múltiplos modos de ação (BM). 

Os fungicidas pertencentes a um mesmo grupo têm em comum o modo de ação e o mecanismo de resistência, embora sua estrutura química possa ser diferente.  

A seguir são apresentados cada um dos grupos, com seus respectivos modos de ação. 

Classificação dos fungicidas de acordo com o mecanismo de ação bioquímico 

  

A. Síntese de ácidos nucléicos 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação A atuam inibindo a síntese de ácidos nucléicos (DNA e RNA): responsáveis por armazenar e transportar as informações genéticas do fungo. Apresentam 4 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • A1: RNA polymerase I. Grupo 4. Ex: Metalaxil 
  • A2: Adenosina desaminase. Grupo 8. 
  • A3: Síntese de DNA/RNA (proposto). Grupo 32. 
  • A4: DNA topoisomerase tipo II (girase). Grupo 31. 
  • A5: inibição da diidroorotato desidrogenase na biossíntese de pirimidina. Grupo: 52. 
fungicidas que agem no metabolismo de ácido nucléicos

B. Citoesqueleto e proteínas motoras  

Fungicidas classificados com mecanismo de ação B atuam na divisão celular e na mitose, impedindo a multiplicação celular e, consequentemente, o crescimento e o desenvolvimento do fungo. Apresenta 7 subgrupos, que agem especificamente na:  

  • B1: Polimerização da tubulina. Grupo 1. Ex: benzimidazóis e tiofanatos. 
  • B2: Polimerização da tubulina *resistência cruzada negativa a B1. Grupo 10. 
  • B3: Polimerização da tubulina. Grupo 22. 
  • B4: Divisão celular (proposto). Grupo 20. 
  • B5: Deslocalização de proteínas sprectin-like. Grupo 43. 
  • B6: Função actina/miosina/fibrina. Grupo 47 e 50. 
  • B7: Modulador de dinâmica de tubulina. Grupo 53. 

 

fungicidas que agem em citoesqueletos e proteínas motoras

C. Respiração 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação C atuam na respiração mitocondrial, privando o organismo do principal produto deste processo, o ATP. Apresenta 7 subgrupos, que agem especificamente no(a): 

  • C1: complexo I: NADH Óxido-redutase. Grupo 39. 
  • C2: complexo II: succinato-desidrogenase. Grupo 7. Ex: carboxamidas 
  • C3: complexo III citocromo bc1 (ubiquinol oxidase) no sítio Qo (gene cyt b). Grupo 11 e 11A. 
  • C4: complexo III citocromo bc1 (ubiquinol oxidase) no sítio Qo. Grupo 21. 
  • C5: desacopladores da Fosforilação oxidativa. Grupo 29. 
  • C6: inibidores da fosforilação oxidativa, ATP sintase. Grupo 30.  
  • C7: Produção de ATP (proposto). Grupo 38. 
  • C8: inibição do complexo III citocromo bc1 (ubiquinol oxidase) no sítio Qo. Grupo 45. 

 

fungicidas que agem na respiração

D. Síntese de aminoácidos e proteínas 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação D atuam na síntese de aminoácidos e proteínas. Apresenta 5 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • D1: Biossíntese da metionina (proposto). Grupo: 9. Ex: Cyprodinil 
  • D2: Síntese proteica (ribossomo, etapa de terminação). Grupo 23. 
  • D3: Síntese proteica (ribossomo, etapa de iniciação). Grupo 24. Ex: kasugamycina 
  • D4: Síntese proteica (ribossomo, etapa de iniciação). Grupo 25. Ex: Streptomicina 
  • D5: Síntese proteica (ribossomo, passo de alongamento). Grupo 41. 
fungicidas que agem na síntese de aminoácidos e proteínas

 

E. Transdução de sinal 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação E atuam na transdução de sinais, interrompendo estes processos. Apresenta 3 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • E1: Transdução de sinal (mecanismo desconhecido). Grupo 13. 
  • E2: Transdução de sinal osmótico. MAP / histidina-quinase (os-2, HOG1). Grupo 12. 
  • E3: Transdução de sinal osmótico. MAP / histidina-quinase (os-1, Daf1) Grupo 2. Ex: iprodione e procymidone. 
fungicidas que agem na transdução de sinal

F. Síntese ou Transporte de Lipídeos e Integridade da Membrana 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação F atuam inibindo a síntese de lipídeos e membranas, causando desorganização celular e morte do fungo. Apresenta 6 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • F2: biossíntese de fosfolipídios (metiltransferase). Grupo 6. Ex: edifenphos 
  • F3: Peroxidação lipídica da célula (proposto). Grupo 14 
  • F4: Permeabilidade da membrana celular, ácidos graxos (proposto). Grupo 28 
  • F8: Ligação de ergosterol. Grupo 48 
  • F9: Homeostase lipídica e transferência/armazenamento. Grupo 49 
  • F10: Interação com a fração lipídica da membrana celular, com múltiplos efeitos na integridade da membrana celular. Grupo 51 

G. Biossíntese de esteróis em membrana 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação G inibem a síntese de esteróis em membranas. Como o ergosterol é um componente das membranas celulares fúngicas, mas ausente nas membranas celulares animais e vegetais, sua síntese é um alvo importante para fungicidas. Apresenta 4 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • G1: C14-desmetilase na biossíntese de esterol. Grupo 3. Grupo dos triazóis, Imidazóis, Piridinas, Piramidinas, Piperazinas.  
  • G2: Δ14-redutase e Δ8→ Δ7 -isomerase na biossíntese de esterol. Grupo 5. Ex: Morfolinas. 
  • G3: 3-ceto Redutase na 4 demetilação C4. Grupo 17. 
  • G4: Esqualeno epoxidase na biossíntese de esterol. Grupo 18. 

 

fungicidas que agem na biossíntese de esteróis

 

 

H. Biossíntese da parede celular 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação H inibem a síntese da parede celular. Os fungicidas deste grupo atuam, principalmente, na síntese de celulose e glucanas, componentes principais da parede dos Oomicetos, que não possuem quitina e ergosterol. Apresenta 2 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • H4: Síntese da Quitina. Grupo 19. 
  • H5: Síntese da celulose. Grupo 40. Ex: dimetomorfe. 
fungicidas que agem na parede celular

I. Biossíntese da melanina na parede celular 

Fungicidas classificados com mecanismo de ação I inibem a síntese de melanina na parede celular, que nos fungos é sintetizada a partir de compostos fenólicos e auxilia no processo de infecção do hospedeiro, acumulando-se no apressório. Apresenta 3 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • I1: Redutase na biossíntese de melanina. Grupo 16.1. Ex: tricyclazol. 
  • I2: Desidratase na biossíntese de melanina. Grupo 16.2. 
  • I3: Síntese de policétido sintase na biossíntese de melanina. Grupo 16.3.
fungicidas que agem na biossíntese de melanina

P. Indução de defesa da planta hospedeira

Fungicidas classificados com mecanismo de ação P não possuem efeito sobre os patógenos, mas induzem a produção de compostos de defesa.  

Esses fungicidas induzem a uma resposta da planta (hospedeiro) conhecida como resistência sistêmica adquirida (SAR, sigla em inglês de Systemic Acquired Resistance). Estes indutores de SAR basicamente mimetizam sinais químicos nas plantas que ativam os mecanismos de defesa, tais como, a produção da parede celular mais espessa e proteínas antifúngicas.  

A utilidade dos indutores de SAR, no entanto, tem sido limitada até agora, uma vez que muitos patógenos são capazes de superar tais defesas. Apresenta 8 subgrupos, que agem especificamente na: 

  • P1: Via salicílica. Grupo P01. Ex: acibenzolar-S-methyl. 
  • P2: Via salicílica. Grupo P02. Ex: probenazol. 
  • P3: Via salicílica. Grupo P03. 
  • P4: Elicitores de polissacarídeos. Grupo P04. 
  • P5: Elicitores de antraquinona. Grupo P05. 
  • P6: Elicitores microbianos. Grupo P06. 
  • P7: Fosfanatos. Grupo P07. 
  • P8: Via salicílica. Grupo P08. 
fungicidas que agem na indução de defesa

M. Produtos químicos com atividade em vários locais (multissítios)

Fungicidas classificados com mecanismo de ação M apresentam atividade em dois ou mais dos sítios apresentados anteriormente. Não apresenta subgrupos e a classificação dos grupos vai de M01 a M12. 

Produtos químicos com atividade em vários locais (multissítios)

BM. Biológicos com múltiplos modos de ação

Fungicidas classificados com mecanismo de ação BM são fungicidas biológicos que apresentam atividade em dois ou mais dos sítios apresentados anteriormente. São divididos em dois subgrupos: 

  • BM1: Múltiplos efeitos na parede celular, transportador de membrana iônica; efeitos quelantes. Grupo: BM01 
  • BM2: Competição, micoparasitismo, antibiose, enzimas líticas e resistência induzida. Grupo: BM02. 
Biológicos com múltiplos modos de ação

U. Modo de ação desconhecido

Fungicidas cujos modos de ação não são conhecidos são classificados em um único grupo. Englobam os grupos: 27, 34, 35, 36, 37, 06, U12, U13, U14, U16, U17 e U18. 

Inseticidas com mecanismo de ação desconhecido

NC. Não classificados

Não são classificados óleos minerais, óleos orgânicos, sais inorgânicos e materiais biológicos.  

 

inseticidas que não possuem classificação quanto ao mecanismo de ação

Estratégias para mitigar o desenvolvimento de resistência dos fungos à fungicidas 

 A utilização contínua de fungicidas com mecanismo de ação específico é apontado pelo FRAC como umas das causas que favorecem o aumento da resistência dos patógenos aos fungicidas.  

O uso integrado de combinações de diferentes estratégias é viável, benéfico e muitas vezes implementado para se mitigar o desenvolvimento da resistência à fungicidas. As principais estratégias a serem adotadas, de acordo com o FRAC (2007), incluem:  

 

  • Não utilizar exclusivamente um produto 

A recomendação é utilizar um fungicida combinado com um ou mais fungicidas de modo de ação diferentes. Também deve ser realizada uma rotação ou alternância de diferentes tratamentos fungicidas numa mesma cultura. 

O produto “acompanhante” diluirá a pressão de seleção pelo fungicida de alto risco e inibe o crescimento de qualquer biótipo resistentes que surgirem. O ideal é a associar um produto com grupo com modo de ação específico com um produto multissítio – modo de ação M (que possui baixo risco de desenvolvimento de resistência).  

  •  Restringir o número de tratamentos aplicados por ciclo de cultivo e aplicar somente quando estritamente necessário

A aplicação contínua, tanto no tempo como no espaço, de um determinado fungicida, ou de produtos que apresentam resistência cruzada, aumentará as chances de desenvolvimento de resistência. O número de aplicações do produto vulnerável deve ser limitado para cada ciclo da cultura, sendo usado somente nos períodos críticos. Desse modo, aplicações repetidas e desnecessárias devem ser evitadas, tanto como estratégia anti-resistência, como por razões econômicas e ambientais 

 

  • Aplicar a dose recomendada pelo fabricante

O FRAC recomenda que sejam aplicadas as doses recomendadas pelos fabricantes, não apenas porque elas manterão o fator de segurança embutido e garantirão os níveis de desempenho reivindicados sob uma ampla gama de condições, mas mais particularmente porque é possível que a redução da dose possa aumentar o desenvolvimento de resistência. 

 

  • Evitar o uso erradicante

Uma das vantagens dos fungicidas sistêmicos é que eles podem erradicar ou curar infecções existentes. Esta propriedade auxilia muito o seu uso em uma base ‘limiar’, onde a aplicação é feita apenas quando uma certa quantidade de doença, economicamente aceitável, já apareceu, a fim de evitar uma maior disseminação. No entanto, evitar o uso de fungicidas sistêmicos dessa forma tem sido recomendado como estratégia anti-resistência. 

O uso erradicante de fenilamidas, por exemplo, deve ser evitado. Isso porque agora eles são sempre aplicados no controle de doenças foliares como uma mistura com um fungicida companheiro multissítio. Este último não funciona como erradicante, de modo que a fenilamida atua sozinha quando a mistura é aplicada em infecções existentes. Com isso a fenilamidas estão suscetíveis ao desenvolvimento de resistência. 

 

Manejo Integrado de Pragas e Doenças

O uso integrado de todos os tipos de medidas contra doenças e pragas das culturas, também chamado de manejo integrado de pragas e doenças, não é apenas altamente desejável em termos econômicos e ambientais, mas também é uma estratégia importante para evitar ou retardar a resistência a fungicidas.  

O uso de variedades resistentes, agentes de controle biológico e práticas higiênicas apropriadas, como rotação de culturas e remoção de partes doentes de plantas perenes, reduz a incidência de doenças e permite o uso mais econômico de fungicidas e, em ambas as formas, diminui a seleção de formas resistentes a fungicidas.  

Igualmente, é claro, a aplicação de fungicidas reduz o risco de acúmulo de biótipos com virulência alterada e a consequente “quebra” de variedades resistentes a doenças. 

Infelizmente, os métodos não químicos de controle de doenças são frequentemente fracos ou não estão disponíveis, de modo que a aplicação de fungicidas é a principal ou até mesmo a única contramedida para muitas doenças (por exemplo, requeima da batata, míldio da uva, Sigatoka doença de bananas, entre outros). 

 

Diversidade química

A disponibilidade de vários tipos diferentes de fungicidas para o controle de cada uma das principais doenças das culturas é altamente benéfica tanto para o meio ambiente quanto para superar os problemas de resistência. O uso continuado de um ou poucos tipos de compostos ao longo de muitos anos apresenta um risco muito maior de efeitos colaterais e favorece a resistência nos organismos-alvo.  

 

Modo de ação e o rótulos de fungicidas 

 

O modo de ação é um conhecimento fundamental para utilizarmos a rotação e/ou associação de fungicidas – estratégia principal no manejo de resistência de doenças.   

De acordo com o Ato 45/2017 do Ministério da Agricultura, os rótulos de defensivos agrícolas comercializados no Brasil devem trazer um retângulo logo abaixo da composição do produto, com a identificação do modo de ação por letras e números (Grupo e subgrupo). Isso estimula o conhecimento e a adoção das boas práticas no campo.  

Assim, por exemplo, para o Tebuconazole o retângulo traz as seguintes informações:
GRUPO G1 FUNGICIDA 

Já o Carbendazim, que é um Benzimidazol, traz o seguinte:
GRUPO B1 FUNGICIDA 

 Essa simbologia é do Sistema de Classificação Internacional Unificado. As letras que identificam os Grupos significam a distinção maior entre os Modos de Ação e os números identificam subgrupos que definem cada mecanismo de ação.

Essa classificação permite ao agricultor manejar as aplicações de forma mais consciente de modo a rotacionar a aplicação de fungicidas de modo de ação diferentes.

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Sobre a autora:

Beatriz Nastaro Boschiero

Beatriz Nastaro Boschiero

Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance

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