A fotossíntese converte energia luminosa em energia química através de uma série de reações biofísicas e bioquímicas que fornecem a força motriz para o metabolismo redutor nas plantas (FOYER, 2018).
Mais especificamente, a energia luminosa impulsiona a síntese de carboidratos e a liberação de oxigênio a partir de dióxido de carbono e água. Transformando o processo em uma equação resumida:
6CO2 + 6H2O → C6H12O6 + 6O2.
A energia armazenada nos carboidratos pode ser utilizada mais tarde para impulsionar processos celulares das plantas. Dividido em duas etapas principais — a fase clara e a fase escura —, o processo fotossintético conta, na fase escura (ou fase bioquímica), com reações que independem diretamente da luz. Essa fase, também conhecida como ciclo de Calvin-Benson, é fundamental para a fixação de CO₂ e sustenta o metabolismo redutor das plantas.
Este artigo explora a fase escura da fotossíntese e suas principais rotas metabólicas, essenciais para o entendimento da eficiência fotossintética em diferentes tipos de plantas, como as de metabolismo C3, C4 e CAM.
Qual a diferença entre fase clara e fase escura da fotossíntese?
Didaticamente, a fotossíntese é dividida em duas etapas: fotoquímica e bioquímica.
A etapa fotoquímica é também chamada de fase clara e a bioquímica de fase escura da fotossíntese. Mas isso não quer dizer que uma acontece de dia e outra de noite.
A fase clara tem essa denominação pois nela ocorre a captura de luz solar pela clorofila e pigmentos acessórios no cloroplasto.
O saldo final é a produção de oxigênio, ATP e NADPH.
Por outro lado, a fase escura tem essa denominação pois não depende diretamente da luz. Na verdade, depende do ATP e NADPH gerados na fase clara para suas reações bioquímicas acontecerem.
O que acontece na fase escura da fotossíntese?
A transformação do CO2 atmosférico em carboidratos foi elucidada por Calvin, Benson e colaboradores na década de 50, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA (SHARKEY, 2019). Por isso, essa sequência de reações químicas ficou conhecida como Ciclo de Calvin-Benson. Abaixo vamos entender por que é esse ciclo.
Na fase escura da fotossíntese ocorre a fixação do CO2 da atmosfera em esqueletos de compostos orgânicos que são utilizados como energia e estrutura para os indivíduos fotossintetizantes, que também serviram de alimento para outros organismos.
O ciclo de Calvin-Benson está presente em muitos procariotos e em todos os eucariotos fotossintetizantes, das algas até angiospermas.
O ciclo de Calvin também é chamado de ciclo redutor das pentoses ou de ciclo da redução do carbono fotossintético, já que tal rota metabólica diminui o estado de oxidação do carbono de +4 (no CO2) para níveis encontrados em açúcares, por exemplo +2 em grupos ceto (-CO-) e 0 em álcoois secundários (-CHOH-).
O ciclo de Calvin-Benson tem 3 fases altamente coordenadas: carboxilação, redução e regeneração, que ocorrem no estroma dos cloroplastos.
Carboxilação
Nesta etapa, a enzima rubisco (ribulose-1,5-bifosfato-carboxilase/oxigenase) catalisa a reação de uma molécula de CO2 e uma molécula de água com uma molécula de ribulose-1,5-bifosfato, produzindo duas moléculas de 3-fosfoglicerato (Figura 1). Esse composto de 3 carbonos foi a inspiração para a classificação de um grupo de plantas como C3.
Redução
Na fase de redução do ciclo de Calvin-Benson, duas reações sucessivas reduzem o carbono do 3-fosfoglicerato produzido pela fase de carboxilação.
Em primeiro lugar, o ATP (produzido na fase fotoquímica), fosforila o 3-fosfoglicerato no grupo carboxila, produzindo uma molécula de 1,3-bifosfoglicerato, em uma reação catalisada pela 3-fosfoglicerato quinase.
Em seguida, o NADPH, também produzido na fase fotoquímica, reduz o 1,3-bifosfoglicerato a gliceraldeído-3-fosfato, em uma reação catalisada pela enzima NADP-gliceraldeído-3-fosfato-desidrogenase (Figura 1).
Para o ciclo da Calvin operar completamente, ele precisa acontecer 3 vezes: 3 moléculas de CO2 (total de 3 carbonos) e 3 de água reagem com 3 moléculas de ribulose-1,5-bifosfato (3 de 5 carbonos = 15 carbonos), produzindo 6 moléculas de gliceraldeído-3-fosfato (6 de 3 carbonos = 18 carbonos).
Regeneração
Na fase de regeneração, o ciclo de Calvin-Benson facilita a absorção contínua do CO2 atmosférico pelo restabeleci mento do aceptor de CO2 ribulose-1,5-bifosfato
Nesta etapa, duas moléculas de gliceraldeido-3-fosfato são convertidas em di-hidroxiacetona fosfato na reação catalisada pela triose fosfato isomerase. O gliceraldeído-3-fosfato e a di-hidroxiacetona fosfato são chamados coletivamente de trioses fosfato.
Uma molécula de di-hidroxiacetona fosfato passa por uma condensação aldólica com uma terceira molécula de gliceraldeido-3-fosfato, uma reação catalisada pela aldolase, gerando frutose-1,6-bifosfato.
A frutose-1,6-bifosfato é hidrolisada a frutose-6-fosfato pela enzima frutose-1,6-bifosfatase.
Uma unidade de 2 carbonos da molécula de frutose-6-fosfato (carbonos 1 e 2) é transferida, via enzima transcetolase, para uma quarta molécula de gliceraldeido-3-fosfato, para formar xilulose-5-fosfato. Os outros quatro carbonos da molécula de frutose-6-fosfato (carbonos 3, 4, 5 e 6) formam eritrose-4-fosfato.
A eritrose-4-fosfato combina-se, então, via aldolase, com a molécula remanescente de di-hidroxiacetona fosfato, produzindo o açúcar de sete carbonos sedo-heptulose-1,7-bifosfato.
A sedo-heptulose-1,7-bifosfato é, então, hidrolisada a sedo-heptulose-7-fosfato, por uma sedo-heptulose-1,7-bifosfatase.
A sedo-heptulose-7-fosfato doa uma unidade de dois carbonos (carbonos 1 e 2) para a quinta (e última) molécula de gliceraldeido-3-fosfato, via transcetolase, produzindo xilulose-5-fosfato. Os cinco carbonos restantes (carbonos 3 a 7) da molécula de sedo-heptulose-7-fosfato tornam-se ribose-5-fosfato.
As duas moléculas de xilulose-5-fosfato são convertidas em duas moléculas de ribulose-5-fosfato por uma ribulose-5-fosfato-epimerase, enquanto uma terceira molécula de ribulose-5-fosfato é formada a partir da ribose-5-fosfato pela ribose-5-fosfato-isomerase.
Finalmente, a fosforribuloquinase (também chamada de ribulose-5-fosfato quinase) catalisa a fosforilação de três moléculas de ribulose-5-fosfato com ATP, regenerando, assim, as três moléculas de ribulose-1,5-bifosfato (RuBP) necessárias para reiniciar o ciclo.
Depois de 3 rodadas do ciclo, das 6 moléculas de gliceraldeído-3-fosfato formadas, uma representa a assimilação líquida (1 molécula de 3 carbonos = 3 carbonos) das 3 moléculas de CO2 que entraram e fica disponível para o metabolismo do carbono da planta.
Das 6 moléculas de gliceraldeído-3-fosfato formadas, 5 são usadas (15 carbonos) para regenerar 3 moléculas de ribulose-1,5-bifosfato (15 carbonos).
Assim, a fixação de 3CO2 em uma triose-fosfato usa 6NADPH e 9ATP (Figura 1).
Eficiência e Abundância da Rubisco nas plantas
A catálise da carboxilação da RuBP pela rubisco é muito lenta. O número de turnover para cada subunidade equivale a 3,3 s-1. Isso significa que na saturação do substrato apenas cerca de três moléculas de CO2 e RuBP são convertidas por segundo em um sítio catalítico da rubisco (HELDT e PIECHULLA, 2011).
Em comparação, os números de turnover de desidrogenases e anidrase carbônica são da ordem de 103 s-1 e 105 s-1. Devido ao número de turnover extremamente baixo de rubisco, quantidades muito grandes dela são necessárias para as plantas (HELDT e PIECHULLA, 2011).
A rubisco pode chegar a 50% do total de proteínas solúveis nas folhas. A ampla distribuição de plantas torna rubisco, de longe, a proteína mais abundante na Terra (HELDT e PIECHULLA, 2011).
As propriedades cinéticas da rubisco a 25oC são:
- Km[CO2]: 9 µmol/L
- Km[O2]: 535 µmol/L
A Km é definida como a concentração de substrato na qual a velocidade da reação atinge metade de sua velocidade máxima (Vmáx). Quanto menor o valor de Km, maior a afinidade da enzima pelo substrato, indicando que a enzima pode atingir sua velocidade máxima em concentrações mais baixas de substrato.
Portanto, a afinidade da rubisco pelo CO2 é maior que para o O2. Por isso ela captura mais CO2 que O2, mesmo este estando presente em maior concentração na atmosfera.
Fotorrespiração
A fotorrespiração é absorção de oxigênio dependente de luz associada à liberação de CO2. É um metabolismo para recuperação parcial do carbono perdido.
A rubisco catalisa tanto a carboxilação como a oxigenação da ribulose-1,5-bifosfato (Figura 2). A carboxilação produz duas moléculas de 3-fosfoglicerato, e a oxigenação produz uma molécula de 3-fosfoglicerato e uma de 2-fosfoglicolato (Figura 3).
O 2-fosfoglicolato é um composto tóxico e inibidor de duas enzimas do cloroplasto: triose fosfato isomerase e fosfofrutoquinase.
Para evitar as consequências negativas no metabolismo, o 2-fosfoglicolato é metabolizado pelo ciclo fotossintético oxidativo C2 do carbono, conhecido como fotorrespiração. Essa sequência de reações enzimáticas coordenadas ocorre nos cloroplastos, nos peroxissomos foliares enas mitocôndrias.
Minimizando a fotorrespiração
Para minimizar a fotorrespiração e aumentar a eficiência fotossintética, a natureza desenvolveu mecanismos de concentração de carbono, entre eles:
- Bombas de CO2 na membrana plasmática: presentes em plantas aquáticas, cianobactérias e algas eucarióticas;
- Carboxissomos: estruturas de cianobactérias para concentrar CO2 (Figura 4).
Adicionalmente ao metabolismo C3 algumas plantas desenvolveram metabolismos auxiliares para otimizar a fixação do CO2. Para tanto, elas desenvolveram mecanismos de concentração de carbono e foram classificadas em C4 e CAM a depender do metabolismo.
Plantas C4
As plantas C4 evoluíram a partir de ancestrais C3 em um ambiente com níveis reduzidos de CO2 e aumento de O2, o que favorecia a fotorrespiração, forçando-as a desenvolver adaptações para sobreviver.
A fotossíntese C4 surgiu como um dos principais mecanismos de concentração de carbono para compensar essas limitações. Culturas vegetais altamente produtivas, como milho, cana-de-açúcar e sorgo, utilizam esse mecanismo para aumentar a eficiência catalítica da rubisco, superando os desafios impostos pelos baixos níveis de CO2 atmosférico.
Plantas C4 possuem um mecanismo concentrador de carbono em torno da rubisco associado a uma anatomia foliar específica, na maioria dos casos. Tal padrão estrutural é chamado de Anatomia Kranz, onde os tecidos vasculares da folha são circundados por um anel interno de células da bainha do feixe e uma camada externa de células do mesofilo.
Essa anatomia foliar específica gera uma barreira de difusão que separa a absorção de carbono atmosférico em células do mesofilo da assimilação de CO2 pela rubisco nas células da bainha do feixe.
Essa barreira também limita o retorno de CO2 da bainha para as células do mesofilo.
Plantas CAM
Tais plantas também possuem um mecanismo concentrador de carbono, onde há uma separação temporal entre a captura inicial de CO2 e o Ciclo de Calvin. Este metabolismo é comum em plantas de regiões de baixa disponibilidade hídrica.
Tipicamente, plantas CAM perdem de 50 a 100 g de água para cada grama de CO2 obtido, as de C4 250 a 300 g e as C3 de 400 a 500 g.
Em todas as plantas CAM, a captura inicial de CO2 ocorre durante a noite e a posterior incorporação do CO2 em esqueletos de carbono ocorre durante o dia.
Como exemplos de plantas CAM destacam-se cactos, orquídeas, abacaxi e agave.
Conclusão
A fotossíntese representa a transformação de energia luminosa, que não pode ser estocada, em energia química, que pode ser armazenada e utilizada pelas plantas. O ciclo de Calvin-Benson é a rota predominante dessa conversão em muitos procariotos e em todas as plantas, sendo fundamental para a fixação do carbono.
Os produtos gerados na fase fotoquímica, NADPH e ATP, são utilizados na fase bioquímica para impulsionar as reações que convertem CO2 em compostos orgânicos essenciais.
As plantas C4 e CAM desenvolveram estratégias evolutivas adicionais para otimizar essa fixação em ambientes adversos.
Compreender esses mecanismos é essencial para o desenvolvimento de práticas agrícolas mais eficientes e sustentáveis, especialmente em um contexto de mudanças climáticas.
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Referências
BADGER, M. R.; PRICE, G. D. CO2 concentrating mechanisms in cyanobacteria: molecular components, their diversity and evolution. Journal of Experimental Botany, v. 54, p. 609-622, 2003.
FOYER, C.H. Reactive oxygen species, oxidative signaling and the regulation of photosynthesis. Environmental and Experimental Botany, v.154, p. 134-142, 2018.
HELDT, H. W.; PIECHULLA, B. The Calvin cycle catalyzes photosynthetic CO2 assimilation. In: HELDT, H. W.; PIECHULLA, B. Plant Biochemistry. 4 ed. San Diego: Academic Press, 2011. p. 170.
SHARKEY, T.D. Discovery of the canonical Calvin–Benson cycle. Photosynthesis Research, v. 140, p. 235–252, 2019.
STEC, B. Structural mechanism of RuBisCO activation by carbamylation of the active site lysine. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 102, p. 18785-18790, 2012.
TAIZ, L.; ZEIGER, E.; MOLLER, I. M.; MURPHY, A. Fisiologia e Desenvolvimento Vegetal. 6ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2017.
Sobre o autor:
Gabriel Daneluzzi
Gestor de Tráfego na Agroadvance
- Biológo (UNESP)
- Mestre e doutor em Fisiologia e Bioquímica de Plantas (ESALQ/USP)
Como citar este artigo:
DANELUZZI, G. Fase escura da Fotossíntese: entenda o ciclo de Calvin. 2024. Blog Agroadvance. Disponível em: <https://agroadvance.com.br/blog-fase-escura-da-fotossintese/>. Acesso em: xx Xxx 20XX.