Como deve ser a adubação nitrogenada de milho na segunda safra? A segunda safra de milho, originalmente chamada de safrinha, teve um enorme crescimento nos últimos anos e hoje sua produção é bastante superior à da primeira safra.
Atingindo patamares de mais de 1 bilhão de toneladas de grãos colhidos anualmente, o milho é o cereal mais produzido no mundo. Com uma produção que fica em torno de 100 milhões toneladas, o Brasil é o terceiro maior produtor mundial deste grão, ficando atrás apenas da China e dos Estados Unidos (USDA, 2021).
Na última safra, o Brasil cultivou mais de 18,5 milhões de hectares com milho, e colheu mais de 102 milhões de toneladas de seus grãos, produção decorrente de uma produtividade média de 5,5 toneladas por hectare (CONAB, 2021).
Embora esta produtividade represente uma crescente com base na série histórica do país, ela ainda fica muito atrás da produtividade média observada nos Estados Unidos, sendo menor até que a média mundial (Figura 1) (USDA, 2021). Estes dados sugerem muitas coisas, mas indica, principalmente, que ainda há muito espaço para melhoras no cultivo deste grão no Brasil.
O país das três safras
O Brasil é privilegiado pelo clima tropical, que permite, a cada ano agrícola, o cultivo consolidado de duas safras de milho nas principais regiões produtoras. Nos últimos anos, também tem se observado o cultivo de uma terceira safra, que ocorre durante o período entre maio e junho na região da Sealba (Sergipe, Alagoas e nordeste da Bahia), Pernambuco e Roraima.
Por muito tempo o cultivo de milho no Brasil foi liderado pelo milho primeira safra, no entanto, na última década este cenário se inverteu, sendo a maior área cultivada por milho de segunda safra, também conhecido como milho safrinha (Figura 2) (CONAB, 2021).
O manejo nutricional do milho primeira safra é bastante consolidado, mas no que se refere ao milho safrinha, há ainda mais variáveis e desafios que devem ser levados em consideração para se determinar o correto manejo nutricional da lavoura, como a cultura anterior, o teor de matéria orgânica do solo e o regime hídrico durante a safra, por exemplo.
De todos os nutrientes, o nitrogênio é aquele exigido em maior quantidade pela cultura do milho. Em média, são necessários por volta de 23 kg de N para a produção de 1 tonelada (Tabela 1), sendo que deste total, cerca de 60% é exportado com os grãos (Tabela 2), restando apenas 40% nos restos culturais que ficam nas lavouras.
Tabela 1. Macronutrientes extraídos e exportados pela cultura do milho (Kg tonelada-1 de grãos)
Parte da planta | N | P | K | Ca | Mg | S |
Grãos | 14,4 | 7,8 | 5,2 | 0,2 | 1,2 | 1,2 |
Restos culturais | 9,0 | 1,8 | 19,3 | 4,0 | 3,6 | 1,3 |
Total | 23,4 | 9,6 | 24,5 | 4,3 | 4,8 | 2,5 |
A adubação nitrogenada do milho segunda safra
A adubação nitrogenada é desafiadora em todos os tipos de cultivo, isso porque geralmente este é o nutriente mais exigido pelas culturas, e também devido às perdas decorrentes da volatilização da amônia da ureia, que é a fonte de N mais utilizada no Brasil.
No milho segunda safra, a adubação nitrogenada é ainda mais desafiadora, pois nesta modalidade, a resposta é muito dependente da cultura cultivada anteriormente, da época de plantio, do balanço hídrico e até do local de cultivo, o qual influencia na taxa de decomposição do material orgânico remanescente sobre o solo.
A realidade brasileira aponta que a maior parte do milho safrinha é cultivado após a colheita da soja, geralmente entre os meses de janeiro e fevereiro. A soja é uma leguminosa, fixadora de N, que possui baixa relação C/N, ou seja, rapidamente ela é decomposta pelos microrganismos do solo, que liberam o nitrogênio que antes estava em sua biomassa para a utilização pelo milho subsequente.
Estima-se disponibilização de 15 kg de N a cada tonelada de soja produzida, ou seja, em uma área onde a produção de soja foi de 3 t ha-1, considera-se disponibilização de 45 kg ha-1 de N, por exemplo. Além disso, também se considera a disponibilização do N proveniente da matéria orgânica (MO) do solo.
De modo geral, cada ponto (%) de MO no solo disponibiliza 20 kg ha-1 de N para a cultura. Por exemplo, há a disponibilização de 60 kg ha-1 de N por meio da mineralização da matéria orgânica de um solo que possui 3% de MO. Estes fatores podem ser considerados para diminuir a dose de N a ser aplicada via adubação mineral.
Apesar da redução na quantidade total de N a ser aplicada, recomenda-se que o seu fornecimento continue sendo feito de modo a disponibilizá-lo para a cultura logo no início do seu desenvolvimento. Neste sentido, o N deve ser aplicado o mais próximo da data de plantio possível (seja antes ou após a semeadura).
Recomenda-se, portanto, que a primeira aplicação seja feita no sulco (fornecendo de 20 a 50 kg ha-1), em pré-plantio (desde que com intervalo máximo de 7 dias entre a aplicação e a semeadura), ou em cobertura (antecipando o máximo possível, entre V1-V2).
Resultados com milho segunda safra mostram a importância da aplicação antecipada de N, sendo que o atraso da primeira aplicação para o estádio V5 pode reduzir drasticamente a produtividade da cultura (Figura 3).
Para calcular a quantidade de N a ser aplicada no milho segunda safra, pode-se utilizar os boletins de recomendação para cada região do país, como exemplo temos na Tabela 2 as recomendações de N para milho segunda safra para o estado do Paraná, que é um estado com expressiva produção desta cultura e que teve seu boletim atualizado recentemente (no ano 2017).
Tabela 2. Recomendação de adubação nitrogenada para milho segunda safra para o estado do Paraná.
Época de aplicação | Produtividade esperada (t ha-1) | |||
<8 | 8-10 | 11-12 | >12 | |
Dose de N (kg ha-1) | ||||
Cultura anterior gramínea | ||||
Semeadura | 20-30 | 20-30 | 30-40 | 30-40 |
Cobertura | 50-80 | 80-110 | 110-140 | 140-170 |
Cultura anterior legiminosa | ||||
Semeadura | 10-20 | 10-20 | 20-30 | 20-30 |
Cobertura | 40-60 | 60-80 | 80-100 | 100-120 |
Além dos boletins de recomendação, pode-se utilizar o seguinte cálculo para determinar a quantidade de N a ser aplicada em cobertura (Stanford e Legg, 1984):
Nf = (Ny – Ns) / Ef
Onde: Nf = quantidade de N requerida pela cultura (kg ha-1); Ny = quantidade de N que pode ser acumulada na matéria seca da parte aérea da planta (palhada + grãos), para uma determinada produção de grãos (valores variam de 1,0% de N na palhada a 1,4% de N nos grãos); Ns = nitrogênio suprido pelo solo (20 kg de N para cada 1% de matéria orgânica do solo); Ef = é o fator de eficiência ou aproveitamento do fertilizante pela planta (valores variam de 0,5 a 0,7).
Este cálculo é bastante intuitivo e prático, pois pode ser aplicado para qualquer realidade, principalmente na falta de boletins regionais de recomendação. Basicamente, ele leva em consideração a produtividade esperada para determinar a quantidade de N necessária, com base na extração e exportação de N pela lavoura, subtraindo a necessidade da cultura pela quantidade de N que já é disponibilizada pelo sistema (MO e restos culturais).
Por fim, considera-se a eficiência da adubação nitrogenada, que geralmente está entre 50 e 70%, para determinar a dose real a ser aplicada. Na Tabela 3, podemos observar um exemplo da utilização deste método para determinação da adubação nitrogenada de uma lavoura de milho segunda safra com produtividade estimada de 8 t ha-1.
Tabela 3. Exemplo da utilização da equação de Stanford e Legg (1984) para estimativa da adubação nitrogenada de cobertura no milho segunda safra, visando produtividade de 8 t ha-1.
Necessidade da cultura para a produção de 8 t de grãos | |
Grãos, 8000 kg ha-1 x 1,4% de N | 112 kg |
Palhada, 8000 kg ha-1 x 1,0% de N | 80 kg |
Total (Ny) | 192 kg |
Disponível no solo | |
20 kg para cada 1% de MO (solo com 3% de MO) | 60 kg |
N aplicado no plantio | 30 kg |
N fornecido pela soja (15 kg t-1 grãos x 3 t ha-1) | 45 kg |
Total (Ns) | 135 kg |
Necessidade de aplicação | |
Dose de N (Nf) = (192-135)/0,6 | 95 kg |
Parcelar ou não parcelar?
O parcelamento (considerando uma aplicação no sulco, em pré-plantio ou em V1-V2 + pelo menos uma aplicação em cobertura), é essencial para obtenção de produtividades satisfatórias. Via de regra, é interessante parcelar a aplicação do N o máximo possível, pois esta prática aumenta a eficiência do uso do fertilizante, no entanto, nem todos os cenários são responsivos a esta prática e, também, nem sempre ela é economicamente viável.
Para solos arenosos, recomenda-se que a aplicação em cobertura seja feita em dois momentos quando a dose de N necessária ultrapassa 80 kg ha-1: uma em V2-V4 e outra em V6-V7. Para solos argilosos, apenas uma aplicação em cobertura é suficiente, realizada entre V2 e V4.
Um experimento com milho primeira e segunda safra realizado em Uberlândia-MG, mostrou que o milho segunda safra, que foi plantado em 2 de fevereiro de 2016, não respondeu positivamente ao parcelamento da adubação nitrogenada (200 kg ha-1) em V3 + V6, sendo as melhores produtividades observadas quando o N foi aplicado em dose única: em pré-plantio, em V3 ou em V6, ou no caso em que foi feito o parcelamento com três aplicações: pré-plantio + V3 + V6 (ALTARUGIO et al., 2019).
Isso ocorreu porque o milho segunda safra cultivado em sequeiro geralmente enfrenta ocasiões de déficit hídrico, e a aplicação tardia de N pode comprometer a absorção, o aproveitamento deste nutriente e, consequentemente, o desenvolvimento das plantas (Figura 4).
Considerações finais
A adubação do milho segunda safra foi bastante negligenciada quando esta modalidade de cultivo se iniciou no Brasil, por isso que no início a sua produtividade era muito baixa, e também por isso que esta safra era conhecida como “safrinha”. Mesmo com todas as adversidades climáticas que reduzem o seu potencial produtivo, como chuvas irregulares, menores temperaturas e baixa radiação solar, hoje é fato que o principal tipo de cultivo de milho no Brasil é decorrente do milho “safrinha”, tanto que esta expressão cedeu seu espaço para o “milho segunda safra”.
Expomos aqui algumas recomendações para basear a adubação nitrogenada, mas como todos os campos da agricultura, a real recomendação para cada lavoura especificamente é esta: “depende”. Depende de muitos fatores, principalmente, da época de plantio, do regime de chuvas da região e da safra em questão, do híbrido a ser semeado, da cultura anterior e também se a lavoura será cultivada irrigada ou em sequeiro.
Todos estes aspectos alteram a mineralização do N-orgânico do solo, o metabolismo da planta, a produtividade esperada e, consequentemente, a dose e o modo de aplicação de N na cultura.
Como via de regra, observamos que a primeira adubação nitrogenada deve ser feita antecipadamente, o mais próximo da data de semeadura possível (em pré-plantio, no sulco ou até no máximo de V1-V2). Também vimos que o milho é uma cultura bastante responsiva ao N. Segundo o Professor Fred Below, da Universidade de Illinois (EUA), a adubação nitrogenada é responsável por 26% da produção do milho.
Por isso, e muito mais, aprendemos que a aplicação de N não pode ser negligenciada e que a nutrição adequada do milho é um dos fatores que pode contribuir para que a produtividade brasileira seja mais competitiva, pois ainda há muito espaço para melhoras.
Referências
ALTARUGIO, L. M.; SAVIETO, J.; MACHADO, B. A.; MIGLIAVACCA, R. A.; ALMEIDA, R. F.; ZAVASCHI, E. CARNEIRO, L. M. S.; VITTI, G. C.; OTTO, R. Optimal Management Practices for Nitrogen Application in Corn Cultivated During Summer and Fall in the Tropics. Communications in Soil Science and Plant Analysis. 50:6, 662-672, 2019 DOI: 10.1080/00103624.2019.1589478.
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. Acompanhamento da safra brasileira. Brasília, DF, 2021 Available at: < https://apps.fas.usda.gov/psdonline/circulars/production.pdf>.
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. Produtividade agrícola, área plantada e produção nacional. Brasília, DF, 2020b. Available at: < https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-safras?start=20l>.
STANFORD, G.; LEGG, J.O. Nitrogen and yield potential. In: Nitrogen in crop production. Hauck, R.D., editor. ASA. p. 263-272. 1984.
USDA. World agricultural production. Washington, DC, 2021. Available at: <https://apps.fas.usda.gov/psdonline/circulars/production.pdf>. Accessed at: 24 Jan 2020. VITTI, G. C.; MIRA, A. B. Fertilizing for High Yield and Quality: Maize. Israel: . v. 1. Ed. 1. 66 p. 2020.
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