Os trabalhadores rurais enfrentam diversos fatores de risco que afetam sua saúde mental. Esses fatores podem ser classificados em sociais, econômicos e ambientais.
A saúde mental representa um desafio crítico tanto no Brasil quanto globalmente. O aumento na prevalência de transtornos mentais exige uma resposta de maior atenção em termos de políticas públicas e serviços de saúde.
A pandemia destacou ainda mais a necessidade urgente de transformação nas abordagens para cuidar da saúde mental, enfatizando a importância do apoio social e do acesso a serviços adequados, não só nas cidades, mas também no campo.
A vida no campo tem um impacto significativo na saúde mental dos produtores rurais e profissionais do campo, que enfrentam uma série de desafios que contribuem para o aumento de transtornos mentais, como ansiedade e depressão.
Pesquisas revelam que 36% dos trabalhadores rurais apresentam sinais de depressão, enquanto a média nacional é de apenas 15%. Além disso, aproximadamente 40% dos profissionais do agronegócio relatam sintomas relacionados a transtornos mentais.
A saúde mental é frequentemente estigmatizada entre os trabalhadores rurais. Muitos não reconhecem os transtornos mentais como problemas legítimos, associando saúde apenas a questões físicas.
Isso impede que busquem ajuda, perpetuando o sofrimento e agravando os problemas existentes.
Nesse artigo, exploraremos informações impactantes sobre a saúde mental dos trabalhadores rurais, além de apresentar dados que evidenciam a gravidade da situação.
Boa leitura!
Fatores que influenciam a saúde mental do trabalhador rural
Quem nunca conheceu um produtor rural que sofria de ansiedade durante os ciclos da safra? Ou um pecuarista preocupado com a saúde do seu rebanho?
Recentemente, o médico psiquiatra Augusto Cury, que também é produtor rural, compartilhou um vídeo impactante sobre a realidade no campo. Acompanhe abaixo:
O vídeo viralizou nas redes sociais, surgindo em um momento oportuno de desafios nas safras e gerando reconhecimento nos trabalhadores rurais.
Em cada atividade agrícola, acompanhamos produtores rurais passando por situações em que as emoções se encontram à flor da pele: problemas climáticos como a falta ou excesso de chuvas, desafios orçamentários, oscilação de preços e outras centenas de variáveis.
Os desafios em lidar com a saúde mental vão muito além da gestão de uma fazenda.
Os principais fatores que influenciam a saúde mental dos trabalhadores rurais são variados e inter-relacionados, refletindo as complexidades do ambiente rural e as condições de vida e trabalho.
- Condições de Trabalho
Os trabalhadores do campo frequentemente lidam com condições de trabalho adversas, caracterizadas por longas horas de trabalho, exposição inadequada a substâncias químicas e ausência de infraestrutura adequada.
Essas circunstâncias aliadas aos desafios financeiros, resultam em elevados níveis de estresse físico e psicológico, o que pode culminar no surgimento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade.
- Isolamento
O isolamento geográfico das propriedades rurais torna difícil o acesso a serviços essenciais de saúde, incluindo aqueles voltados para a saúde mental.
O acesso limitado a serviços de saúde mental é um problema crítico, pois a procura por psicólogos entre a população rural é 50% menor do que entre os urbanos.
Quase 90% dos pacientes em áreas rurais precisam viajar para as cidades para receber tratamento.
Essa limitação no acesso pode agravar questões de saúde mental, já que os trabalhadores enfrentam menos oportunidades para buscar apoio e tratamento.
- Vulnerabilidade Financeira
A instabilidade econômica e os elevados riscos financeiros relacionados ao agronegócio, como as variações climáticas e as flutuações nos preços dos produtos, intensificam o estresse entre os trabalhadores rurais.
Essa pressão financeira é um fator relevante que contribui para o surgimento de problemas de saúde mental.
- Tributação Elevada no Agronegócio Brasileiro
O sistema tributário no Brasil é amplamente reconhecido por sua complexidade e pelo peso que impõe aos agricultores.
Os principais tributos que afetam o agronegócio incluem PIS, COFINS, IPI e ICMS, os quais podem aumentar consideravelmente os custos de produção.
Essa elevada carga tributária compromete a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional e diminui a margem de lucro dos produtores.
Além disso, a falta de clareza nas normas fiscais e a necessidade de atender a diversas obrigações acessórias intensificam ainda mais o ônus sobre os agricultores.
- Falta de conhecimento
Um nível educacional mais baixo pode restringir o entendimento sobre saúde mental e as opções de tratamento disponíveis.
Essa limitação pode levar a uma menor habilidade em reconhecer os sintomas de problemas mentais e em procurar ajuda.
- Uso abusivo de substâncias
O consumo excessivo de álcool e outras substâncias está associado a transtornos mentais frequentemente observados entre trabalhadores rurais.
Esse comportamento pode servir como uma estratégia para lidar com o estresse e a pressão do trabalho no campo, mas também perpetua um ciclo vicioso de adoecimento.
- Pressão ambiental
A pressão ambiental sobre a agricultura é um desafio em constante crescimento. Os produtores enfrentam a variabilidade climática, que abrange secas, enchentes e outros fenômenos extremos, impactando diretamente suas colheitas.
Um estudo revelou que uma grande porcentagem dos agricultores considera o clima uma preocupação central.
Contexto Rural e a saúde mental
As características dos espaços rurais atualmente transcendem a simples associação com conceitos de atraso, isolamento e oposição aos ambientes urbanos.
Nossa percepção é frequentemente influenciada por essas representações, que ocultam a rica diversidade sociocultural presente nas áreas rurais do nosso país.
De acordo com Teixeira e Lages (2010),
“O espaço rural não é mais o que ele era. Existem espaços rurais diversificados, dinâmicos e em permanente mutação. As paisagens e as populações rurais se transformam profundamente.”
Historicamente, as áreas rurais enfrentam desafios significativos, incluindo altas taxas de pobreza, baixos níveis de escolaridade e uma atenção limitada por parte do poder público em relação ao desenvolvimento social.
Tradicionalmente, essas regiões têm recebido pouca intervenção governamental no que diz respeito à promoção da saúde e à assistência social.
As desigualdades sociais moldam a realidade das zonas rurais. Alguns fatores determinantes da saúde, como as necessidades básicas de nutrição e infraestrutura, evidenciam que as áreas rurais necessitam mais atenção e cuidado dos gestores municipais, estaduais e federais.
Embora o Brasil possua um sistema de saúde universal e público, a efetivação de suas ações em todo o território nacional enfrenta grandes desafios, especialmente em áreas de difícil acesso.
A infraestrutura deficiente, como estradas inadequadas, transporte limitado e postos de saúde escassos, compromete a oferta qualificada de serviços.
O que vemos, são os dois lados do setor agrícola, tanto o de grandes propriedades com recursos financeiros disponíveis ou dos locais remotos e de alta taxa de vulnerabilidade financeira, enfrentando os desafios da saúde mental.
Como o preconceito afeta a busca por tratamento psiquiátrico no Brasil?
O preconceito tem um impacto significativo na busca por tratamento psiquiátrico no Brasil, afetando tanto a disposição das pessoas em procurar ajuda quanto a qualidade do atendimento que recebem.
A ausência de conhecimento sobre saúde mental contribui para a propagação de mitos e desinformações. Muitas pessoas ainda associam transtornos mentais a “loucura” ou a comportamentos perigosos, perpetuando assim o estigma.
Essa falta de informação é particularmente prejudicial para aqueles que não têm acesso a dados precisos e confiáveis, levando a uma compreensão distorcida das condições relacionadas à saúde mental.
A banalização da saúde mental no campo
A banalização dos transtornos mentais, em que sintomas comuns são frequentemente confundidos com diagnósticos sérios, é um fenômeno preocupante que alimenta a desinformação.
Quando termos como “depressão” ou “ansiedade” são utilizados de maneira superficial no cotidiano, isso não apenas minimiza a gravidade dessas condições, mas também pode criar uma falsa sensação de que não é necessário buscar tratamento adequado.
Essa abordagem leviana em relação à saúde mental pode ter consequências significativas, principalmente quando relacionadas à motivos de piada.
Ao desconsiderar a seriedade dos transtornos mentais, muitas pessoas acabam subestimando a importância de reconhecer os sinais e sintomas que podem indicar a necessidade de ajuda profissional.
Isso pode levar a um ciclo vicioso: indivíduos que não percebem a gravidade de suas próprias experiências podem hesitar em procurar apoio, o que agrava ainda mais sua situação.
A falta de conscientização sobre a complexidade e a variedade dos transtornos mentais resulta em um estigma que impede o diálogo aberto e honesto sobre esses temas.
Além disso, essa banalização pode influenciar a forma como a sociedade enxerga e trata as questões de saúde mental. Quando os sintomas são tratados como meras “fases” ou “frescura”, corre-se o risco de deslegitimar as experiências de quem realmente enfrenta desafios significativos.
E como anda a saúde mental dos técnicos e consultores do campo?
A saúde mental dos técnicos e consultores do campo é um tema que também vem ganhando destaque, especialmente considerando os desafios únicos que esses profissionais enfrentam.
Assim como os proprietários agrícolas, eles lidam com uma série de pressões que podem impactar seu bem-estar psicológico.
Muito além da concorrência, corrida pela venda e fechamento de negócios, os técnicos, agrônomos e consultores, enfrentam a ansiedade do desenvolver de um projeto agrícola e o anseio pelo sucesso da colheita.
Frequentemente enfrentam a instabilidade financeira dos produtores, que se manifesta em endividamento e flutuações nos preços das commodities. Essa situação cria um ambiente de estresse contínuo, pois os consultores precisam oferecer soluções eficazes em meio às incertezas financeiras.
Podemos citar também, os problemas recorrentes com os prazos de entrega e fornecimento de insumos, onde em um mercado completamente volátil, acarreta atrasos e muito estresse entre profissional do campo e produtor rural.
Pesquisas apontam que a prevalência de transtornos mentais entre trabalhadores rurais é preocupante. Um estudo, por exemplo, revelou que mais de 40% dos agricultores apresentaram sintomas de transtornos mentais comuns.
Embora haja uma escassez de dados específicos sobre técnicos e consultores, é razoável supor que eles enfrentem desafios semelhantes.
The Do More Agriculture Foundation
Do More Ag é uma organização de caridade focada em saúde mental na agricultura em todo o Canadá.
Quero trazer aqui um relato pessoal:
Em 2019 estive na Alemanha participando de um trabalho e tive a oportunidade conhecer a Megz Reynolds, uma líder nacional, defensora da saúde mental na agricultura canadense e apoiadora da fundação Do More Ag (Figura 1).
Figura 1. Megz Reynolds divulgando a plataforma de apoio AgTalk da Do More Ag – 2023. Fonte: Instagram Megz Reynolds.
Fiquei fascinada com o assunto e a importância de usarmos esse trabalho como exemplo no Brasil.
A missão da fundação é cultivar uma cultura de bem-estar mental nas comunidades agrícolas canadenses. É um compromisso com o bem-estar mental na indústria agrícola do país.
O projeto é dedicado a promover o bem-estar mental dos profissionais do campo, transformando a cultura do setor em um ambiente onde todos se sintam encorajados, apoiados e capacitados a cuidar de sua saúde mental.
A agricultura possui raízes profundas em comunidades rurais, caracterizadas por trabalho árduo, resiliência, força e um forte senso de comunidade.
A fundação reconhece que, no entanto, essas mesmas características, que definem a identidade do setor, podem se tornar barreiras que dificultam a abertura sobre questões de saúde mental e a busca por ajuda.
Os trabalhadores da indústria agrícola canadense enfrentam desafios significativos relacionados à saúde mental, sendo especialmente vulneráveis a problemas como estresse, ansiedade, depressão, exaustão emocional e burnout.
Ao unir esforços com todos os envolvidos na agricultura e trabalhar em conjunto para abordar as questões de saúde mental no setor, é possível provocar mudanças significativas e duradouras.
“Você não pode se sentir apoiado se não sabe para onde ir ou com quem falar – A Do More Agriculture Foundation tem feito um trabalho incrível desde o início de criar uma comunidade para educação, recursos e conexão.
Eu sei muito bem como é se sentir um fracasso como fazendeiro, parceiro e pai após um ano de safra ruim, ver os membros da família lidarem com o estresse e a ansiedade da fazenda por meio do abuso de álcool e da pressão sufocante que vem de tentar manter tudo dentro de si em vez de buscar ajuda.
Embora a agulha tenha se movido, ainda temos um longo caminho a percorrer para acabar com o estigma em torno da saúde mental na agricultura e para criar os recursos e redes de apoio necessários.” – Megz Reynolds
Como podemos ajudar?
A integração da saúde mental no agronegócio é um passo fundamental para promover o bem-estar dos trabalhadores desse setor.
Trouxemos algumas estratégias e reflexões que podem ser adotadas:
1. Redefinir o Estigma em Relação à Saúde Mental
A primeira etapa é abordar o estigma associado à saúde mental, que é particularmente forte nas comunidades rurais. Campanhas de conscientização podem ajudar a normalizar a conversa sobre saúde mental e incentivar os agricultores a buscarem ajuda sem medo de julgamento.
2. Promover Espaços de Diálogo
Criar espaços seguros para discussões abertas sobre saúde mental, como grupos de apoio e encontros, pode facilitar a troca de experiências e promover um senso de comunidade. Isso pode ser feito em feiras agrícolas, associações de produtores ou eventos comunitários.
3. Capacitação e Formação
Capacitar líderes comunitários e profissionais da agricultura sobre saúde mental é essencial. Programas de treinamento podem equipá-los com as ferramentas necessárias para reconhecer sinais de problemas de saúde mental e oferecer suporte adequado.
4. Implementar Políticas Públicas Eficazes
É fundamental que haja políticas públicas que priorizem a saúde mental no setor agrícola. Isso inclui financiamento para serviços de saúde mental, além de programas específicos que abordem as necessidades únicas dos trabalhadores rurais, como apoio em períodos de estresse financeiro ou climático.
Conclusão
A integração da saúde mental na cultura agrícola requer um esforço colaborativo entre agricultores, comunidades, profissionais de saúde e formuladores de políticas.
Por meio de ações específicas e direcionadas, é viável estabelecer um ambiente que priorize o bem-estar mental.
Essa abordagem não apenas promove a saúde dos trabalhadores rurais, mas também contribui para uma agricultura mais saudável.
Ao reconhecer a importância da saúde mental, podemos transformar o setor agrícola, garantindo que o cuidado com os agricultores seja uma prioridade, resultando em benefícios para todos os envolvidos na cadeia produtiva.
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Referências:
BRASIL. Política nacional de saúde integral das populações do campo e da floresta (PNSIPCF), Brasília, 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2866_02_12_2011.html>. Acesso em: 03 nov. 2024.
DOMORE.AG – The Do More Agriculture Foundation Disponível em: < https:// https://www.domore.ag/about>. Acesso em: 01 de nov. 2024.
TEIXEIRA, M.A.; LAGES, V.N. Transformações no espaço rural e a Geografia Rural: ideias para discussão. In: SPOSITO, E.S.; NETO, J.L.S. (org.). Uma Geografia em movimento. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 449-472.
Alves, R. M., Santos, E. G. de O., & Barbosa, I. R. . (2022). Fatores associados aos transtornos mentais comuns entre agricultores em um município de médio porte no nordeste do Brasil. Revista De Saúde Pública, 56, 74. DOI: 10.11606/s1518-8787.2022056003522.
Sobre a autora
Simone Cristina Dameto
Diretora de Negócios na Agência Do Campo à Cidade
- Engenheira Agrônoma e Produtora Rural
Como citar este artigo: DAMETO, S.A. A Importância da Saúde Mental dos Trabalhadores Rurais. Blog Agroadvance. 2024. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-saude-mental-dos-trabalhadores-rurais/. Acesso: xx Xxx 20xx.
Uma resposta
Muito oportuno e esclarecedor o artigo. Parabéns à autora e ao Agroadvance pela publicação. Que 2025 seja um ano pleno de realizações para o Agronegócio brasileiro e todos aqueles que tomam parte em suas diversas cadeias!