No agronegócio, o amor pelas marcas (ou “Love brands”) ganha força, porque o relacionamento entre produtor e marca vai muito além da compra: envolve risco, tradição, segurança e impacto direto sobre a produtividade.
Ao longo dos últimos anos, esse conceito, antes associado principalmente ao varejo, passou a fazer parte do dia a dia do campo. Agricultores sempre foram fiéis a marcas que entregam constância, sustentação técnica e presença verdadeira. O que muda hoje é a clareza sobre como esse vínculo se forma, e como se transforma em lealdade, diferenciação e valor financeiro real.
Este artigo traduz esse fenômeno a partir de histórias vividas e percepções práticas do agro brasileiro, mostrando por que o amor à marca, quando bem construído, se torna tão valioso quanto qualquer tecnologia.
Muito além da transação: O que define uma Love Brand?
O conceito de Love Brands me acompanha como uma paixão antiga — daquelas que nascem quase sem aviso e nunca mais nos deixam. Lembro exatamente quando essa ideia deixou de ser apenas teoria para se tornar algo vivo para mim.
Quando eu ainda era diretor de marketing da Bayer, durante uma convenção em Orlando, decidi fazer um experimento simples, mas poderoso. Saí pelas ruas com meus amigos da Casa de Vídeo, uma pequena placa nas mãos e uma câmera ligada. A missão era perguntar aos americanos quais marcas de agroquímicos eles conheciam.
As reações que captamos foram reveladoras. Bastava mostrar o nome Bayer para que muitos sorrissem, assentissem ou contassem alguma lembrança. O contraste com outras marcas também era evidente. Naquele momento, no meio de uma rua movimentada da Flórida, percebi de forma palpável o que significa quando uma marca ocupa um espaço emocional no coração das pessoas.
Anos depois, como CEO de uma concessionária John Deere, essa percepção deixou de ser apenas uma constatação e se tornou ainda mais sólida no meu dia a dia. Eu via clientes que não apenas compravam máquinas — eles carregavam orgulho. Falavam da marca com brilho no olhar, defendiam-na com convicção, e muitas vezes ensinavam outros agricultores sobre suas vantagens, como verdadeiros embaixadores espontâneos. Era quase como observar uma comunidade unida por um propósito em comum.
No mundo da gestão, chamamos isso de Love Brand: uma marca que não vende apenas produtos, mas cria vínculos profundos, transforma clientes em defensores e constrói comunidades que se reconhecem naquilo que ela representa.
E nada disso nasce por acaso. É fruto de consistência, propósito, autenticidade e da capacidade de transmitir valores de forma tão clara que passam a ser compartilhados.
Em resumo, o que define uma Love Brand é:
- Vinculos profundos
- Defensores espontâneos;
- Senso de pertencimento;
- História compartilhada.
O poder de uma Love Brand está justamente na lealdade incondicional que desperta.
Clientes emocionalmente conectados tendem a investir mais, voltar com frequência e resistir às ofertas sedutoras dos concorrentes. Essa relação se fortalece quando a entrega é consistente e as interações são personalizadas, criando previsibilidade, confiança e um sentimento de pertencimento.
No fim das contas, consumir a marca deixa de ser apenas um ato de compra — torna-se um gesto de identificação com algo maior.
Eu sempre repetia ao meu time na concessionária que deveríamos mirar em 75% do mercado. Isso porque, naturalmente, os outros 25% já vinham até nós movidos por uma paixão quase inabalável pela John Deere. Era inspirador ver como defendiam a marca, como advogavam por ela e como se tornavam verdadeiros porta-vozes voluntários.
É essa força — humana, emocional, comunitária — que explica por que as Love Brands me encantam até hoje. Elas mostram que marcas não são apenas negócios. São histórias, relações e símbolos capazes de mover pessoas.
Brand Equity e a lealdade incondicional: O valor que resiste ao preço
O Brand Equity — o valor da marca — sempre me chamou atenção por um motivo simples: ele traduz em números algo que, na essência, é profundamente humano. Trata-se da quantificação de um vínculo de confiança. É o peso emocional, simbólico e reputacional que um nome carrega, e que faz com que alguém escolha uma marca não apenas pela funcionalidade, mas pelo que ela representa.
Marcas fortes conseguem:
- cobrar mais,
- manter clientes mesmo diante de ofertas agressivas,
- atravessar crises com menos volatilidade,
- gerar recomendação espontânea
Ao longo da minha trajetória, pude ver de perto como esse valor se manifesta. Marcas com Brand Equity forte conseguem cobrar mais, mesmo quando existem opções mais baratas no mercado. E o mais fascinante é que os clientes não apenas aceitam isso — eles justificam essa escolha com orgulho.
Esse “prêmio de preço” não nasce do acaso; ele é a monetização direta da reputação, da história construída e, principalmente, da confiança depositada pela comunidade que acredita naquela marca.
A lealdade incondicional das Love Brands funciona como um acelerador natural desse valor. Estudos mostram que o Brand Love, somado ao status percebido por quem consome marcas admiradas, influencia diretamente o cálculo financeiro da marca. Mas, para além das pesquisas, eu mesmo testemunhei isso inúmeras vezes no campo. Uma marca amada se torna valiosa porque traz consigo um passaporte de credibilidade — algo que, no agronegócio, pesa tanto quanto a tecnologia.
Muitas vezes me pego lembrando de situações vividas ao lado de equipes comerciais. Eu sempre observava o desafio de um vendedor chegando a um agricultor com uma marca genérica, sem história, sem vínculo emocional. Ele já começa a conversa carregando uma espécie de desvantagem invisível — algo em torno de 10% do valor percebido, só por não ter esse elo emocional estabelecido. É como entrar em campo sabendo que o adversário já fez um gol antes do jogo começar.
E, do outro lado da mesa, quando eu via um agricultor defender uma marca que ele amava — seja Bayer, seja John Deere — ficava claro como o Brand Equity não é apenas teoria: ele é vivido no dia a dia. Ele aparece na forma de confiança, de orgulho, de recomendação espontânea, de uma fidelidade que dinheiro nenhum compra de imediato. É preciso anos de coerência e entrega para conquistá-la.
Essa compreensão me acompanha até hoje. Sempre que penso no poder das marcas, lembro que por trás de cada decisão existe um ser humano, com emoções, memórias, preferências e histórias que moldam seu comportamento. É por isso que as Love Brands são tão fascinantes: elas nos lembram que, antes de qualquer negócio, estamos falando de pessoas.
O poder do vínculo emocional: Gasto superior, frequência maior e defesa da marca (Advocacy)
A conexão emocional com uma marca é, na minha experiência, um dos ativos de maior retorno que uma empresa pode construir. E não falo isso apenas olhando para gráficos ou pesquisas — falo porque vivi esse fenômeno no campo, na sala de reuniões e nas conversas de beira de lavoura.
Os números confirmam aquilo que, na prática, sempre observei: clientes emocionalmente conectados:
- compram quase duas vezes mais,
- gastam cerca de 60% a mais do que aqueles que veem uma marca apenas como mais uma entre tantas.
- Retornam com mais frequência;
- Defendem publicamente a marca.
Essa diferença não nasce somente da racionalidade. Ela nasce do vínculo. Da sensação de que aquela marca os conhece, os respeita e fala diretamente com eles.
E é aqui que a personalização faz toda a diferença. Lembro de quantas vezes, como CEO da concessionária John Deere, nós fazíamos visitas técnicas personalizadas, levando soluções ajustadas para cada realidade produtiva. Muitas vezes, o agricultor dizia: “Renato, vocês não venderam uma máquina. Vocês cuidaram de mim e estão me dando mais tempo para eu ficar perto de minha família.”
Essa frase sempre me marcou. Ali eu entendia, na sua forma mais pura, o que é construir lealdade emocional: fazer o cliente sentir que ele não é um número, mas uma história que importa.
No agronegócio, especialmente em mercados onde produtos e tecnologias começam a se parecer muito entre si, esse vínculo emocional se torna ainda mais valioso. Em setores comoditizados — seja defensivos agrícolas, sementes, fertilizantes ou até máquinas — o Brand Love se transforma na única diferenciação sustentável de longo prazo.
Já vi isso inúmeras vezes. Pense, por exemplo, em duas marcas de insumos que entregam resultados técnicos muito semelhantes. Quando o agricultor escolhe uma delas pagando um pouco mais, ele não está pagando apenas pelo produto. Ele está pagando pela confiança acumulada ao longo dos anos, pelas experiências positivas, pela reputação construída. Está pagando pela tranquilidade de aplicar algo na lavoura e dormir em paz. No fim das contas, o preço premium é, na verdade, o valor da segurança.
Essa “garantia informal” — que não está no rótulo, mas na percepção — é o reflexo direto do Brand Equity. E, no agronegócio, confiança é mais preciosa que qualquer commodity negociada na bolsa.
Foi isso que aprendi ao longo da minha jornada: quando uma marca conquista o coração, ela conquista também a preferência, a defesa espontânea e a disposição do cliente em apostar nela repetidas vezes. Porque, no fundo, ninguém troca aquilo que lhes oferece segurança emocional — especialmente em um setor onde cada decisão impacta uma safra inteira.
O novo paradigma da confiança: Por que as novas gerações exigem coerência ética
Ao longo da minha trajetória, percebi que a construção de uma Love Brand moderna não depende mais apenas de comunicação eficiente ou de um produto tecnicamente superior. Hoje, o que mais pesa é a coerência ética. E isso ficou muito claro para mim quando comecei a conviver mais de perto com profissionais jovens — especialmente aqueles da Geração Z.
Muitas vezes, em conversas com trainees ou novos engenheiros agrônomos que chegavam à equipe, eu me surpreendia com a profundidade das perguntas. Eles não perguntavam apenas sobre estratégia comercial ou posicionamento no mercado. Perguntavam sobre práticas ambientais, origem dos insumos, respeito à cadeia produtiva, condições de trabalho e impacto real das operações na comunidade.
Lembro-me nitidamente de uma jovem recém vinda da Unilever e que eu estava trazendo para a minha equipe e que, durante uma reunião, me disse: “Renato, eu adoro trabalhar aqui. Mas eu preciso sentir que tudo o que entregamos para o produtor está alinhado com aquilo que a gente acredita como empresa e como pessoas.”
Foi um daqueles momentos de lucidez. Percebi que, para essa nova geração, ética não é um slogan; é critério de permanência. E, nessa lógica, a marca não pode separar seus valores do comportamento da organização e de seus parceiros. Tudo está sob a mesma lente.
No agronegócio, essa exigência é ainda maior. Somos um setor de enorme visibilidade, de impacto ambiental direto e de influência social profunda. Isso faz com que sustentabilidade e responsabilidade deixem de ser diferenciais e passem a ser obrigações.
Recordo-me de visitas a produtores que já nos perguntavam, anos atrás, sobre rastreabilidade, impacto de carbono e compromissos ambientais assumidos pela rede de fornecedores. Era muito comum ouvir algo como: “Renato, eu confio na sua marca. Mas quero ter certeza de que tudo aqui segue boas práticas do início ao fim.”
Essa atenção ao todo da cadeia de valor — desde o laboratório ou fábrica até o campo e o pós-venda — tornou-se parte inseparável do Brand Equity. Quanto mais íntegra e transparente a cadeia, maior o valor percebido da marca.
E essa coerência ética não impacta apenas clientes. Ela também atrai talentos. Quando estive à frente da concessionária, pude ver como as marcas mais admiradas tinham uma vantagem competitiva quase injusta na hora de contratar. Os melhores engenheiros, técnicos e especialistas queriam trabalhar ali não só pela tecnologia, mas porque se identificavam com o propósito. Já ouvi mais de uma vez jovens profissionais dizerem: “Escolhi trabalhar aqui porque essa marca representa aquilo em que eu acredito para o futuro do agro.”
Isso cria um círculo virtuoso:
- marcas éticas atraem talentos;
- talentos qualificados entregam melhor suporte ao produtor;
- e o produtor, ao sentir essa consistência, fortalece ainda mais a confiança e a lealdade.
Existe apenas um ponto de atenção nesse novo paradigma: a tensão entre personalização e privacidade. Em várias reuniões com agricultores mais jovens, ouvi perguntas como: “Renato, eu quero uma solução sob medida, mas quero saber exatamente o que vocês fazem com meus dados.”
E eles têm toda razão em exigir clareza. Hoje, não basta personalizar a experiência — é preciso ser transparente sobre como as informações são coletadas, armazenadas e utilizadas. Ética, nesse contexto, não é apenas um discurso: é um compromisso diário com a verdade e com a proteção do relacionamento.
Ao final, o que aprendi é simples: confiança virou uma nova moeda. E, em uma época em que tudo é visível e tudo pode ser questionado, as marcas que sobreviverão — e se tornarão verdadeiras Love Brands — são aquelas que fizerem da coerência ética o seu pilar mais inegociável.
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Este artigo é o primeiro da Série Especial sobre Love Brands no Agronegócio. No próximo conteúdo, aprofundamos um dos pilares mais decisivos dessa construção: como a confiança se transforma na nova moeda das relações entre produtores e marcas — e por que ela vale mais do que qualquer campanha. Fique de olho!
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Sobre o autor:

Renato Seraphim
Especialista em Estratégia e Gestão para o Agronegócio de Alta Performance
- Especializações em agronegócio pelo PENSA - USP, FDC, INSEAD e Purdue University.
- Pós-Graduação em Marketing (FGV)
- Engenheiro Agrônomo (UNESP/Jaboticabal) com mais de 30 anos de experiência.
Como citar este artigo:
SERAPHIM, R. A. O que são Love Brands e seu valor intrínseco no Agronegócio. Blog Agroadvance. Publicado em: 05 Dez. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-o-que-sao-love-brands-agronegocio/. Acesso: dd Mmm aaaa.



