As pragas de solo são um dos principais problemas fitossanitários encontrados nos canaviais de todo o Brasil. Dentre essas, a broca-do-rizoma é destaque pode ser uma praga agressiva e causar danos severos à cultura da cana-de-açúcar nas principais regiões produtoras do país.
As perdas causadas pelo ataque de Migdolus fryanus podem variar de 25 a 30 toneladas de cana por hectare, levando à reforma antecipada do canavial — mesmo em cultivos de primeiro corte.
Desde 1992, as áreas afetadas por essa praga só crescem. Atualmente, segundo os pesquisadores Dr. José Francisco Garcia e Dr. Paulo Sérgio Machado Botelho, estima-se que mais de 280 mil hectares de cana estejam sob ataque da broca-do-rizoma.
Os maiores danos são causados pelas larvas da broca, ao se alimentarem do sistema radicular, podendo destruí-lo completamente. Acompanhe o artigo para entender da identificação ao manejo de Migdolus fryanus!
Como identificar Migdolus fryanus?
O gênero Migdolus possui 10 espécies de besouros distribuídas na Argentina, Brasil e Paraguai. Dentre essas, Migdolus fryanusé a espécie mais conhecida do gênero por ocasionar significativos danos à cultura da cana-de-açúcar.
Conhecido também como a broca-do-rizoma, Migdolus fryanus é um besouro broqueador cujas larvas perfuram e se alimentam dos rizomas e raízes da cana-de-açúcar, além de causarem danos a outras gramíneas.
Embora seja predominantemente encontrado atacando canaviais, há registros de Migdolus fryanus atacando outras espécies de plantas cultivadas (como feijão, mandioca, café, amora, eucalipto e pastagens diversas) ou nativas (como cipós nativos e assa-peixe).
As larvas são esbranquiçadas, cilíndricas e robustas. Além disso, possuem um formato cerambiciforme, com pernas atrofiadas, cabeça de coloração escura e mandíbulas bastante desenvolvidas (Figura 1).

Fonte: Manual de Identificação de Pragas da Cana.
Medem até seis centímetros de comprimento, entretanto, por viverem escondidas no sistema radicular e por aprofundarem-se até cinco metros no solo, a identificação dessas pode ser dificultada.
As pupas da broca-do-rizoma possuem coloração branco amarelada e também se encontram aprofundadas no solo, dentro das câmaras pupais.
Os machos adultos da espécie são besouros de coloração castanho-escuro, corpo alongado e antenas curtas, medindo cerca de 3 a 4 centímetros. Já as fêmeas possuem coloração ferrugínea clara (Figura 2).
Por possuírem hábitos subterrâneos, é de difícil visualização no campo. Entretanto, algumas técnicas de monitoramento, que discutiremos mais adiante, podem ajudar a identificá-los na área de cultivo.

Os ovos de Migdolus fryanus possuem formato cilíndrico, coloração branco-leitosa e medem cerca de 4,5 mm de comprimento. São ovipositados pelas fêmeas, individualmente, no solo, a uma profundidade de 1,40 a 1,60 metros, dificultando, mais uma vez, a identificação da espécie.
Embora encontrar a espécie a campo não seja tarefa fácil, alguns sinais podem indicar a infestação de Migdolus fryanus na área de cultivo, tais como: murcha e amarelecimento das folhas, orifícios no rizoma e nas raízes, dificuldade de rebrota, e queda ou morte prematura de plantas com a consequente redução de produtividade da cultura.
Ciclo de vida de Migdolus fryanus
Como abordado anteriormente, a broca-do-rizoma é um inseto de hábito subterrâneo que vive em solos profundos e bem drenados. Tal característica dificultou o estudo da biologia da espécie em condições naturais. Além disso, outro fator de dificuldade é o ciclo biológico da broca ser muito longo, podendo ultrapassar dois anos de duração. Confira abaixo o que se sabe sobre a biologia da praga:
Os machos de Migdolus fryanus são ativos e voam, enquanto as fêmeas possuem asas atrofiadas e, portanto, são incapazes de voar. As fêmeas então sobem até as camadas mais superficiais do solo, atraem os machos, copulam, e tornam a se aprofundar no solo para realizar a postura dos ovos e, assim, iniciar um novo ciclo.
Com uma longevidade média de 22 dias, cada fêmea é capaz de ovipositar cerca de 40 ovos ao longo de sua vida. Após um período de incubação dos ovos de 17 a 23 dias, as larvas eclodem.
Essas possuem segmentos abdominais, nos quais ocorrem expansões dorsoventrais, como se fossem “calombos”, que funcionam como pseudópodos e auxiliam no deslocamento das larvas no interior das galerias no solo.
Ao atingirem a fase final de desenvolvimento, as larvas constroem câmaras pupais, dentro das quais empupam e iniciam o processo de metamorfose.
Após um curto período de tempo, os adultos emergem e permanecem dentro das câmaras pupais, em período de dormência. Por razões ainda desconhecidas, estes despertam-se coletivamente e movimentam-se até a superfície do solo para iniciar a revoada e o acasalamento.
O dimorfismo sexual da espécie, ou seja, a diferenciação entre machos e fêmeas de Migdolus fryanus, é facilmente observado: além da diferença de coloração descrita anteriormente, os machos possuem antenas maiores, asas funcionais e são mais abundantes. Após o início da revoada, o macho vive em média de 4 a 7 dias, e as fêmeas de 7 a 38 dias.
O comportamento reprodutivo da broca-do-rizoma é complexo e bastante característico. As revoadas da praga ocorrem em dias com temperatura e umidade elevadas, normalmente após períodos de chuva intensa.
As fêmeas ficam dentro das galerias formadas pelas larvas, liberando feromônios sexuais, ou sobem até as camadas mais superficiais do solo, para atrair os machos.
Os machos emergem antes das fêmeas e permanecem sobre o solo ou sobre o dossel das plantas até o aparecimento destas. Voam ou caminham rapidamente em busca das “parceiras” e as prendem com as mandíbulas para iniciar a cópula. Pode haver disputa pelo acasalamento e múltiplas cópulas em um curto período.
Após o ritual de acasalamento descrito acima, as fêmeas voltam para o interior das galerias do solo, iniciando a oviposição em diferentes profundidades no solo. As revoadas duram cerca de 7 dias e costumam ocorrer das 7h00 às 15h00, a depender da região.
Danos causados por Migdolus fryanus
Agora que conhecemos um pouco mais sobre o ciclo da broca-do-rizoma, já podemos inferir sobre os danos causados pela praga. As larvas de Migdolus fryanus destroem o sistema radicular das plantas sob ataque, perfurando-o e construindo galerias em seu interior. Em plantas de cana-de-açúcar, atacam o rizoma, destruindo-o parcial ou completamente.
As touceiras de canas jovens podem secar totalmente, ocasionando muitas falhas no canavial. Em canas mais velhas, as touceiras parecem ter sido afetadas por fogo ou seca.
Os danos mais evidentes são observados durante períodos de estiagem, nos quais é possível encontrar larvas junto às touceiras. Os adultos da espécie também podem perfurar os toletes de cana. As injúrias causadas são irreparáveis e levam à queda drástica da produtividade da cultura.
A ocorrência e intensidade dos danos podem variar com a flutuação populacional da espécie na área de cultivo. Por movimentarem-se verticalmente no solo ao longo do ano, o maior número de larvas encontradas a 30 cm no solo coincide com os períodos mais secos e frios do ano. Com o início das chuvas, as larvas voltam a se aprofundar mais no solo, dificultando o entendimento da dinâmica populacional da praga.
Diferentes gerações da praga podem ocorrer simultaneamente em uma área de cultivo, intensificando os danos causados e reforçando a importância do monitoramento constante.
Monitoramento de Migdolus fryanus
O monitoramento da broca-do-rizoma é realizado via levantamentos populacionais da praga, por meio de armadilhas de feromônio sexual sintético — a amida N-2’s-Metilbutil-2-Metilbutilamida.
O nome comercial do feromônio geralmente utilizado é Migdo, produzido pela empresa Biocontrole. Conforme recomendações da bula, o feromônio, sob a forma de pellet, deve ser encaixado dentro de uma armadilha Pitfall, contendo uma garrafa PET rosqueada na parte inferior do funil desta armadilha.
É recomendada a distribuição de 1 armadilha a cada 15 hectares, no início da revoada, posicionada na superfície do solo de forma que o funil coletor fique enterrado no nível do solo e, abaixo deste, a garrafa onde os insetos ficarão aprisionados.
As armadilhas devem ser vistoriadas semanalmente para a contagem e remoção dos besouros machos capturados (Figura 3). A troca dos pellets deve ser realizada, preferencialmente, a cada 20 dias, até o final da revoada.
É importante salientar que o uso de armadilhas de feromônio também é considerado um método de controle comportamental.

A utilização de armadilhas de feromônio auxilia no monitoramento populacional da broca-do-rizoma, permitindo a detecção precoce e um posicionamento mais assertivo dos métodos de controle. Contudo, o monitoramento também pode ser realizado através da inspeção das touceiras, contabilizando as que possuem larvas da broca.
Quando 10% das touceiras avaliadas apresentam larvas ou quando há uma média de duas larvas por touceira, medidas de controle devem ser posicionadas.
Os níveis de dano e controle para a broca-do-rizoma ainda não foram devidamente estabelecidos e são necessários mais estudos voltados à otimização do manejo de Migdolus fryanus na cultura da cana-de-açúcar.
Como realizar o manejo de Migdolus fryanus
A broca-do-rizoma possui uma complexa biologia comportamental e seu manejo deve ser realizado a longo prazo, de forma planejada, uma vez que ocorre a sobreposição de gerações de Migdolus fryanus no campo.
Conviver com essa praga não é tarefa fácil para o agricultor. Entretanto, o manejo integrado e planejado da praga – respeitando uma sequência lógica e racional do posicionamento dos métodos de controle – pode levar a uma redução significativa de danos à lavoura.
Os métodos de controle comumente utilizados para o manejo de Migdolus fryanussão:
- Controle Cultural
O controle cultural da broca-do-rizoma envolve práticas como a reforma do canavial, o que pode ter um custo elevado. Contudo, é, de fato, uma prática capaz de reduzir significativamente a população da praga. Além da morte das larvas durante o revolvimento do solo, essas ficam expostas a predadores.
O destruidor mecânico de soqueira é o implemento mais eficiente na redução da infestação. A rotação de culturas também é fundamental após esse processo, uma vez que os insetos sobreviventes não terão fonte de alimento disponível para reiniciar a infestação da área de cultivo.
- Controle Químico
O controle químico de pragas do solo pode ser realizado a partir de uma “barreira química”. Tal operação consiste em distribuir a aplicação de inseticidas — como o fipronil, a bifentrina e o imidacloprido — em sub-superfície, a uma profundidade de 50 a 60 cm.
Para isso, é utilizado um arado de aiveca ou um subsolador devidamente adaptado, com uma lâmina subsoladora triangular acoplada na haste, para distribuir a calda corretamente. A calda inseticida é então depositada em camada homogênea e contínua, formando uma barreira química no solo.
Contudo, se trata de uma operação de elevado custo de execução, além de contaminar o solo e atingir organismos não-alvo durante o processo.
Outras opções seriam a aplicação da calda inseticida no sulco de plantio no momento da cobertura dos toletes de cana ou a injeção da calda na linha de plantio, a uma profundidade de 15 a 20 cm.
- Controle biológico
Dentre os agentes de controle biológico da broca-do-rizoma, os mais promissores são os nematoides entomopatogênicos.
Espécies como Steinernema glaseri e Heterorhabditis sp. Mostraram-se promissoras para o controle de larvas recém-eclodidas da broca, sob condições de laboratório.
Ainda são necessários mais estudos para identificar mais inimigos naturais de Migdolus fryanus e viabilizar a comercialização destes agentes para o controle dessa praga nos canaviais.
Conclusões
O manejo de Migdolus fryanus é realmente desafiador! A pouco esclarecida biologia comportamental da praga exige o uso de métodos de controle pouco usuais e de alto custo.
Em contrapartida, a baixa capacidade de dispersão e o longo ciclo de vida favorecem o posicionamento de medidas como o controle mecânico, a coleta massal de adultos e o pousio prolongado com o cultivo de plantas de ciclo rápido, reduzindo significativamente a população de Migdolus fryanus.
Com o desenvolvimento pesquisas mais aprofundadas sobre a biologia e monitoramento populacional da broca-do-rizoma, espera-se que haja uma rápida otimização do manejo da praga.
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Referências
GARCIA, J. F. Manual de Identificação de Pragas da Cana. 2013. Disponível em: <https://bio.ufpr.br/pragasplantas/wp-content/uploads/sites/12/2013/11/Jos%C3%A9-F.-Garcia.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2025.
REVISTA CULTIVAR. Manejo de Migdolus fryanus em cana-de-açúcar. Revista Cultivar. Disponível em: <https://revistacultivar.com.br/artigos/manejo-de-migdolus-fryanus-em-cana-de-acucar>. Acesso em: 11 mar. 2025.
Sobre a autora:

Gabryele Silva Ramos
Doutoranda em Entomologia (ESALQ/USP)
- MBA em Marketing (ESALQ/USP)
- Mestre em Proteção de Plantas (UNESP/Botucatu)
- Engenheira Agrônoma (UFV)
Como citar este artigo:
RAMOS, G.S. Migdolus fryanus: da identificação ao manejo da broca-do-rizoma no canavial. Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-migdolus-fryanus-cana/. Acesso: xx Xxx 20xx.