A soja é uma das culturas agrícolas mais expressivas no Brasil, cultivada em milhões de hectares e sustentando a economia de várias regiões do país. Sua relevância se estende tanto à alimentação quanto à exportação, consolidando o Brasil como líder global na produção desse grão.
No entanto, o manejo químico empregado para proteger a cultura, como a aplicação de herbicidas, pode trazer desafios inesperados, como a fitotoxicidade de herbicidas na soja (ou fitotoxidez em soja).
Esse problema, quando ocorre, afeta diretamente o desenvolvimento das plantas, comprometendo o equilíbrio fisiológico e a viabilidade da produção.
Imagine o impacto de observar sua lavoura exibindo sinais como folhas amareladas, manchas escuras ou deformações logo após a aplicação de um herbicida.
Esses sintomas, que podem parecer isolados em um primeiro momento, frequentemente indicam que a fitotoxicidade está prejudicando a cultura.
Mais do que reconhecer esses sinais, é fundamental compreender os fatores que causam esse fenômeno e como agir de maneira planejada para reduzir seus efeitos. Em uma safra, cada decisão técnica é importante para preservar a saúde das plantas e garantir os resultados esperados. Neste artigo, você encontrará informações práticas e direcionadas para enfrentar esse desafio com segurança e precisão.
Vamos lá? Boa leitura!
O que é fitotoxicidade em soja?
A “fitotoxicidade em soja é um problema agronômico causado por produtos químicos aplicados para o manejo de plantas daninhas, como herbicidas”.
Trata-se de um conjunto de danos que afetam o metabolismo e a morfologia das plantas, manifestando-se por sintomas como clorose (amarelamento), necrose, deformações foliares, atraso no crescimento e, em casos mais graves, redução significativa na produtividade.
Segundo estudos da USP e da Embrapa, a fitotoxicidade pode ser desencadeada por fatores como o uso inadequado de herbicidas, interações químicas no tanque, condições ambientais adversas e características específicas do solo.
Esses fatores reforçam a importância de adotar boas práticas de manejo para evitar prejuízos severos, como veremos a seguir.
Fatores que influenciam a ocorrência de fitotoxicidade de herbicidas na soja
Dentre os fatores que influenciam a ocorrência da fitotoxidade na soja estão: uso incorreto de herbicidas, interações químicas no tanque, condições climáticas e condições do solo:
- Uso incorreto de herbicidas
A aplicação fora das dosagens recomendadas ou o uso de produtos inadequados para a cultura podem provocar danos imediatos. A fitotoxicidade também é mais frequente em situações onde o produto é aplicado em fases de alta sensibilidade da planta, como o início do florescimento.
- Interações químicas no tanque
Misturas de produtos sem prévia avaliação podem originar compostos mais agressivos ou alterar a solubilidade e a seletividade dos herbicidas. Essas reações químicas aumentam o risco de sintomas fitotóxicos na soja.
- Condições climáticas desfavoráveis
Condições como alta umidade, ventos fortes e temperaturas elevadas intensificam a absorção foliar dos herbicidas e prolongam o período de ação química, gerando danos mais severos.
- Tipo de solo
Solos arenosos ou com baixo teor de matéria orgânica têm menor capacidade de adsorção de herbicidas, aumentando a mobilidade do produto e o risco de fitotoxicidade.
Herbicidas associados à fitotoxicidade na soja
Os sintomas de fitotoxicidade podem variar dependendo do herbicida aplicado e da sensibilidade genética da cultivar de soja utilizada. Estudos apontam os seguintes produtos como os mais associados ao problema:
Planta de soja sem fitotoxidez
A planta de soja é capaz de expressar todo o seu vigor e potencial produtivo quando cultivada em condições ideais. Isso significa ausência de estresses causados pela aplicação inadequada de herbicidas ou outros produtos químicos.
Quando a quantidade e o tipo de defensivo agrícola são utilizados de forma criteriosa e seguindo as recomendações técnicas, a fisiologia da planta permanece equilibrada, permitindo que suas estruturas vegetais cresçam e se desenvolvam plenamente.
Além disso, a ausência de fitotoxicidade assegura que processos fundamentais, como a fotossíntese, o transporte de nutrientes e a divisão celular, ocorram sem interrupções ou danos.
Fitotoxicidade de 2,4-D em soja
O 2,4-D é um herbicida utilizado no controle de plantas daninhas em diversas culturas. No entanto, a soja que não possui características de tolerância específicas a esse herbicida é sensível à sua aplicação.
A deriva ou aplicação incorreta de 2,4-D pode causar danos significativos às plantas de soja. Além disso, alguns produtos do grupo HRAC 4, como o 2,4-D, podem persistir no solo, feno e esterco, resultando em fitotoxicidade na soja.
Os sintomas de lesão incluem epinastia (curvatura ou torção descendente) dos caules e pecíolos, juntamente com encarquilhamento e ondulação das folhas, seguidas de clorose em folhas jovens e murcha.
Esses sintomas podem levar de 2 a 4 semanas para se manifestar plenamente, podendo resultar na morte das plantas de soja em casos de exposição severa.
Fitotoxicidade de flumioxazin em soja
O flumioxazin é um herbicida do grupo HRAC 14, conhecido como inibidor da enzima Protoporfirinogênio Oxidase (PROTOX), amplamente utilizado no controle de plantas daninhas em culturas como a soja.
Embora eficaz, sua aplicação pode causar sintomas de fitotoxicidade, especialmente em condições de alta umidade ou quando ocorre precipitação logo após a aplicação.
Os sintomas incluem lesões necróticas nos cotilédones e no hipocótilo, cingimento do hipocótilo que pode levar à morte da planta, malformação foliar devido ao contato do herbicida com a gema apical e danos à gema apical que comprometem o crescimento da planta.
Fitotoxicidade de Cletodim em soja
O clethodim é um herbicida graminicida amplamente utilizado no controle de gramíneas em culturas de folhas largas, como a soja.
Embora seja geralmente seguro para a soja, em determinadas condições ambientais adversas, como estresse hídrico ou temperaturas extremas, pode ocorrer uma leve redução no porte das plantas após a aplicação.
No entanto, a cultura tende a se recuperar durante a fase vegetativa, sem impactos significativos na produtividade. É essencial seguir as recomendações de uso e dosagem indicadas pelo fabricante para minimizar riscos de fitotoxicidade.
Fitotoxicidade de Dicamba em soja
O dicamba é um herbicida amplamente utilizado no controle de plantas daninhas. No entanto, a soja que não possui características de tolerância específicas a esse herbicida é sensível à sua aplicação.
Os sintomas de lesão incluem epinastia das folhas de soja, que é a curvatura ou torção descendente dos caules e pecíolos, juntamente com engilhamento e ondulação das folhas conforme a figura abaixo.
Fitotoxicidade de Glifosato em soja
O glifosato é um herbicida amplamente utilizado no controle de plantas daninhas em diversas culturas, incluindo a soja. Embora as variedades de soja transgênica Roundup Ready (RR) sejam desenvolvidas para tolerar aplicações de glifosato, o uso excessivo ou inadequado desse herbicida pode resultar em sintomas de fitotoxicidade.
Esses sintomas incluem amarelamento generalizado das folhas, conhecido como clorose, e necrose dos tecidos foliares, levando à morte das células e ao aparecimento de manchas escuras ou áreas secas nas folhas.
Além disso, podem ocorrer redução no crescimento inicial da parte aérea, diminuição da nodulação e comprometimento do sistema radicular, afetando o desenvolvimento da planta.
Fitotoxicidade de Lactofen em soja
O lactofen é um dos herbicidas pós-emergentes pertencentes ao grupo 14 da HRAC – dos inibidores de PPO (Protoporfirinogênio Oxidase).
Sua aplicação pode causar danos à soja, especialmente em condições de clima quente e úmido. A contaminação do tanque e a deriva podem, às vezes, causar danos à soja devido aos herbicidas inibidores de PPO.
Os sintomas de lesão variam desde o bronzear e manchas nas folhas até a necrose do tecido foliar. Os inibidores de PPO são herbicidas de contato, e os sintomas podem ser observados nas folhas completamente abertas no momento da aplicação do herbicida.
O dano causado pelo lactofen à soja pode aparecer de 7 a 14 dias após a aplicação do herbicida, mas as plantas de soja geralmente podem superar os sintomas de lesão de 21 a 30 dias após a aplicação do herbicida, sem perda de produtividade.
Abaixo, na Figura 10, você consegue observar os principais sintomas de fitotoxicidade na cultura da soja ocasionados por diferentes herbicidas.
Cada imagem representa um diagnóstico em campo, relacionado a produtos amplamente utilizados no manejo agrícola. Esses sintomas são fundamentais para identificar possíveis falhas no manejo químico e evitar impactos negativos na produtividade da lavoura.
Os 15 diagnósticos observados incluem os seguintes produtos: Fomesafen, Fomiclorac, Clethodim?, Clomazone, Dicamba, S-Metolacloro, 2,4-D, Picloram, Glifosato, Glufosinato de Amônio (Soja CE e IPRO), Protioconazol, Óleo, Trifloxissulfuron e Misturas.
Cada um desses produtos apresenta características específicas de fitotoxicidade, que podem ser reconhecidas através de alterações visíveis nas folhas, como clorose, necrose, deformações e manchas, auxiliando no diagnóstico e ajuste das práticas de manejo.
Impactos da fitotoxicidade na cultura da soja
A fitotoxicidade afeta diretamente a saúde e o desenvolvimento da planta, refletindo-se em perdas econômicas significativas. Entre os principais impactos, estão:
- Redução da área fotossintética: lesões foliares diminuem a capacidade da planta de realizar fotossíntese, comprometendo o acúmulo de biomassa.
- Maior suscetibilidade a estresses: plantas enfraquecidas por fitotoxicidade estão mais vulneráveis ao ataque de pragas, doenças e adversidades climáticas.
- Queda na produtividade: estudos mostram que os danos podem reduzir o número de vagens por planta e o peso de grãos, afetando diretamente o rendimento da lavoura.
Diagnóstico da fitotoxicidade: como identificar os sintomas?
O diagnóstico precoce é fundamental para mitigar os impactos. Os principais sintomas observados incluem:
- Clorose: Amarelamento que pode se manifestar em folhas superiores ou inferiores, dependendo do herbicida utilizado.
- Necrose: Manchas escuras que evoluem para morte dos tecidos, prejudicando a funcionalidade da planta.
- Deformações: Ondulações, enrugamento ou redução no tamanho das folhas.
- Alterações radiculares: Em alguns casos, os herbicidas podem inibir o crescimento das raízes, comprometendo a absorção de água e nutrientes.
A identificação dos sintomas deve considerar fatores como o histórico de manejo da área e as condições ambientais no período da aplicação. Vejamos a seguir, na Tabela 1, como proceder.
Tabela 1. Quadro de diagnóstico para análise de pulverizações e manejo agrícola quando o técnico se depara com a fito na soja. Adaptado de Gazziero e Neumaier (1985).
Categoria | Perguntas |
Herbicidas | Quais herbicidas foram usados no ano atual e anterior? Quantidade usada por tanque? Quantidade total aplicada na área? |
Produtos Químicos | Quais outros químicos foram usados e quando? |
Pulverização | A calibração do pulverizador estava correta? Quais bicos, velocidade e pressão foram usados? Altura da barra? Agitação no tanque estava funcional? |
Cultivo e Clima | Qual foi a data do plantio e da aplicação? Quando ocorreu a emergência da cultura? Quais foram as condições climáticas antes, durante e após a pulverização? |
Solo e Área | Qual cultivar foi utilizada? Foi feito tratamento de sementes? Qual a análise física e química do solo? |
Danos Observados | Há danos em faixas ou bordas? Padrões de deriva? Áreas e culturas adjacentes? Sintomas em plantas daninhas sensíveis? |
Equipamento | O equipamento apresenta defeitos? Os bicos eram apropriados? |
Outros Fatores | Há sintomas de doenças, nematoides, danos de insetos ou vento? |
Como mitigar a fitotoxicidade em soja?
Reduzir o risco de fitotoxicidade exige planejamento e técnicas adequadas de manejo. Algumas ações recomendadas incluem:
- Escolha criteriosa de herbicidas
Optar por produtos seletivos e adequados ao estágio de desenvolvimento da soja é fundamental. Consultar técnicos especializados e seguir as recomendações do fabricante reduz significativamente os riscos.
- Monitoramento das condições climáticas
Evitar aplicações em períodos de ventos fortes ou temperaturas extremas é fundamental para garantir que o produto seja absorvido de maneira uniforme e segura.
- Realização de testes em campo
Antes de aplicar misturas em grandes áreas, é indicado realizar testes em parcelas menores para observar possíveis efeitos adversos.
- Uso de adjuvantes e protetores
Adjuvantes podem melhorar a seletividade dos herbicidas e diminuir sua absorção excessiva pelas folhas.
- Recuperação da planta
Em situações em que os sintomas de fitotoxicidade já estão presentes, a aplicação de bioestimulantes ou produtos com “ação antídoto” pode ajudar a planta a retomar o crescimento e reduzir os impactos negativos.
Desafios futuros no manejo da fitotoxicidade de herbicidas na soja
O manejo da fitotoxicidade de herbicidas na soja apresenta desafios que exigem atenção técnica e inovação contínua. Mudanças climáticas, regulamentações mais rigorosas e o comportamento das plantas daninhas são alguns dos fatores que tornam o cenário mais complexo para produtores e técnicos.
- Impacto das condições climáticas variáveis
As alterações no clima, como chuvas irregulares e temperaturas extremas, influenciam diretamente na eficácia das aplicações e nos efeitos sobre as plantas. Essas variações exigem que o planejamento das práticas de manejo leve em conta fatores que podem potencializar os efeitos fitotóxicos.
- Revisão das regulamentações de defensivos agrícolas
A tendência de mudanças nas normas que regem o uso de herbicidas está cada vez mais presente. Produtos com maior potencial tóxico podem ter sua utilização limitada, o que direciona o setor a buscar soluções compatíveis com as novas exigências e que causem menor impacto sobre as plantas.
- Aumento da resistência das plantas daninhas
A resistência de plantas daninhas a herbicidas é um fenômeno que pressiona os sistemas de manejo. Combinações inadequadas ou aplicações recorrentes contribuem para a evolução dessa resistência, aumentando os desafios no manejo químico.
- Avanço nas tecnologias de aplicação
O desenvolvimento de sistemas mais precisos para aplicação de herbicidas tem gerado alternativas mais técnicas e assertivas. No entanto, o uso dessas tecnologias demanda conhecimento técnico, além de ferramentas específicas, para garantir a correta aplicação e reduzir os danos na cultura da soja.
- Desenvolvimento de cultivares tolerantes a herbicidas
O melhoramento genético tem buscado criar cultivares de soja mais resistentes a compostos químicos. Apesar disso, o tempo necessário para adaptação regional e aprovação para uso comercial ainda é um desafio para muitos mercados agrícolas.
- Formação contínua de profissionais e produtores
O entendimento técnico sobre os fatores que levam à fitotoxicidade é um ponto-chave para reduzir os impactos na cultura. Capacitações frequentes e o acesso a informações técnicas são indispensáveis para que as práticas agrícolas sejam realizadas de forma planejada e segura.
Conclusão
A fitotoxicidade de herbicidas na soja é um problema complexo que exige atenção técnica e ações preventivas.
Identificar corretamente os fatores de risco, realizar diagnósticos precisos e adotar práticas adequadas de manejo são passos indispensáveis para minimizar os impactos desse desafio.
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Sobre o autor:
Alasse Oliveira da Silva
Doutorando em Produção Vegetal (ESALQ/USP)
- Engenheiro agrônomo (UFRA) e Técnico em agronegócio
- Mestre e especialista em Produção Vegetal (ESALQ/USP)
Como citar este artigo: SILVA, A.O. Fitotoxicidade de herbicidas em soja: 6 principais problemas e como mitigar. Blog Agroadvance. 2024. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-fitotoxicidade-de-herbicidas-na-soja/. Acesso: xx Xxx. 20xx.