O bicho mineiro (Leucoptera coffeella) é um dos maiores desafios para a produção de café, causando perdas significativas que variam de 30% a 70%. Essas perdas afetam tanto a quantidade quanto a qualidade dos grãos.
A boa notícia é que, além do controle químico tradicional, pesquisas apontam para estratégias inovadoras e sustentáveis que podem ser empregadas para enfrentar esse desafio.
Neste artigo, exploraremos cinco dessas estratégias:
- uso de variedades resistentes,
- controle biológico,
- biopesticidas,
- nanotecnologia aplicadas,
- disrupção de acasalamento.
Elas são possibilidades que vêm ganhando destaque nas pesquisas sobre o assunto, de acordo com revisão de Dantas et al. (2021).
Conheça o bicho mineiro neste artigo: sua origem, distribuição e biologia da praga, além de cada uma das novas estratégias de controle! Boa leitura!
Danos causados pelo bicho mineiro
Os maiores danos no café são causados pela larva do bicho mineiro, que se alimentam do tecido foliar, formando galerias que comprometem a integridade estrutural e a capacidade de fotossíntese das folhas.
Como resultado, as folhas tornam-se desfiguradas, amareladas, e apresentam queda prematura, afetando negativamente a produtividade e a qualidade dos grãos de café.
As perdas podem chegar a até 87% da produtividade do café em países neotropicais, dependendo da época do ano. No Brasil e na Colômbia, as taxas de infestação elevada podem resultar em perdas acima de 50%.
Origem e distribuição do bicho mineiro
O bicho mineiro teve origem no continente africano, sendo relatado pela primeira vez há 178 anos em plantações de café nas Antilhas do Caribe. A praga recebeu várias nomenclaturas até ser classificado como Leucoptera coffeella em 1897.
Atualmente, o bicho mineiro é considerado uma praga cosmopolita e é encontrado em plantas de café na África, Ásia e em países neotropicais, incluindo América Central, ilhas do Caribe e na América do Sul, incluindo o Brasil (Figura 1).
Figura 1. Presença do bicho mineiro (L. coffeella) no (a) mundo, onde os países produtores estão destacados em vermelho, e no (b) Brasil, destacando em amarelo os estados produtores afetados pela praga. Fonte: Dantas et al. (2021).
Ciclo de vida do bicho mineiro
O bicho-mineiro é um inseto holometabólico, ou seja, passa por quatro fases durante seu ciclo de vida: ovo, instar (do primeiro ao quarto), pupa e adulto.
A temperatura afeta a duração das diferentes fases: o aumento da temperatura diminui a duração do ciclo do bicho mineiro, mas em média demora aproximadamente 22 dias até o ovo atingir a fase adulta (Figura 2).
Figura 2. Estádios de vida de L. coffeella: do ovo até o adulto. Após a eclosão do ovo, (a) o desenvolvimento de larvas é dividido em 4 instars: L1 (b), L2 (c), L3 (d) e L4 (e). O último instar forma um casulo para se transformar em pupa (f). O adulto emerge (g) da pupa para o acasalamento. Na sequência, os ovos são ovipostos sobre o lado adaxial da folha de café e o ciclo reinicia. O aumento da temperatura acelera e encurta o intervalo de tempo de cada ciclo, conforme detalhado no meio da figura. Fonte: Dantas et al. (2021).
O bicho mineiro é monófogo, ou seja, ataca somente a cultura do café. A maior severidade do ataque da praga tende a ocorrer durante a estação seca, entre os meses de maio a setembro.
Como combater o bicho mineiro no café?
O controle químico preventivo é a forma mais utilizada pelos cafeicultores para reduzir os danos do bicho mineiro e é uma estratégia necessária em regiões com alta incidência da praga, como o Cerrado brasileiro, que apresenta altas temperaturas e longos períodos de seca – favorecendo a praga.
No entanto, essa abordagem tem se mostrado pouco eficaz devido ao desenvolvimento de resistência da praga à maioria dos inseticidas atualmente em uso (Figura 3).
De acordo com Dantas et al (2021), os compostos químicos mais utilizados para o controle do bicho mineiro são direcionados ao sistema nervoso: 4-thiametoxam, 28-clorantraniliprole e 14-cloridrato de cartap.
O thiametoxan, por exemplo, pode proporcionar eficácia de controle da praga e proteção das plantas por um período considerável, que pode ultrapassar oito meses após a aplicação.
No entanto, o uso excessivo e contínuo de inseticidas químicos apresenta riscos significativos, incluindo a seleção de populações resistentes e preocupações com a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente.
Um exemplo alarmante foi relatado na Bahia, onde 94% das populações de bicho mineiro demonstraram resistência ao ingrediente ativo chlorantraniliprole, aumentando consideravelmente o risco de falhas no controle da praga.
Portanto, a dependência exclusiva do controle químico é inadequada e há necessidade de o produtor adotar estratégias adicionais de controle para o manejo efetivo do bicho mineiro no café.
Métodos de Monitoramento e identificação
O monitoramento regular é o primeiro passo para o controle eficaz do bicho mineiro. Armadilhas com feromônios sintéticos, que imitam os feromônios sexuais das fêmeas, são uma ferramenta valiosa para capturar machos do bicho-mineiro e avaliar a presença da praga nos cafezais e implementar estratégias de controle da praga.
O número de insetos capturados nas armadilhas informa o produtor sobre o nível de infestação no campo e a necessidade de aplicação do inseticida.
O feromônio 5,9-dimetilpentadecano é indicado para o manejo integrado do bicho mineiro do café. O monitoramento do BMC pode ser feito instalandose uma armadilha delta a cada 4 hectares e estudos indicam que o pico da captura masculina ocorre por volta do meio-dia (Dantas et al., 2021).
Métodos alternativos ao controle químico
A seguir são listados cinco métodos alternativos ao controle químico para o controle do bicho mineiro no café:
- Resistência genética do café
O desenvolvimento de variedades de café resistentes ao bicho mineiro envolve estratégias de resistência genética, melhoramento clássico e modificação genética.
Inicialmente, a cafeicultura no Brasil dependia principalmente da cultivar Typica, que era suscetível ao bicho mineiro. Por meio do melhoramento genético, várias novas cultivares foram desenvolvidas, mas a suscetibilidade ao bicho mineiro persistiu na maioria delas.
Programas de melhoramento enfrentam desafios devido à baixa variabilidade genética do café Arábica, exigindo hibridação interespecífica para obter resistência.
A resistência ao bicho mineiro foi identificada em espécies como C. stenophyila, C. brevipes, C. liberica, e C. salvatrix, mas incorporá-la em cultivares de alta produtividade, como C. arabica, C. canephora, e C. liberica tem sido difícil.
Atualmente, apenas algumas cultivares, como a Siriema AS1 e a Siriema VC4, apresentam resistência ao bicho mineiro.
Além disso, a tolerância ao bicho mineiro foi observada em algumas cultivares resistentes à ferrugem, como o grupo Sarchimor (como Obatã IAC 1669-20 e Tupi IAC 1669-33).
Os estudos sugerem que a resistência ao bicho mineiro pode ser de natureza bioquímica, envolvendo metabólitos secundários, como fenóis, que estão mais concentrados em folhas novas e proporcionam maior proteção contra a praga.
A modificação genética, com a expressão de genes de Bacillus thuringiensis (cry1Ac), foi explorada, mas enfrentou desafios de baixa expressão da proteína Cry1Ac nas folhas transgênicas, comprometendo a eficiência da estratégia no campo.
- Controle biológico
O controle biológico do bicho mineiro do café se baseia na interação entre a praga e seus inimigos naturais, como parasitoides, predadores (como vespas e formigas), e fungos patogênicos.
Embora a presença desses inimigos naturais tenha sido observada em plantações de café em várias regiões, poucos esforços significativos foram feitos para utilizá-los como ferramentas de controle biológico.
Estudos indicam que a introdução de novas espécies de parasitoides ou o aumento da abundância de espécies nativas poderia ser uma estratégia viável, embora tenha tido sucesso limitado até o momento. Além disso, fungos patogênicos, como o Metarhizium anisopliae e o Beauveria bassiana, mostraram-se capazes de infectar ovos e larvas do bicho mineiro
O controle biológico conservativo, que envolve a diversificação do ambiente agrícola de cultivo de café e a redução do uso de defensivos químicos, pode ser uma estratégia eficaz para potencializar o controle natural da praga, dada a diversidade de inimigos naturais do bicho mineiro do café e sua importância na regulação das populações da praga.
- Biopesticidas
O uso de biopesticidas derivados de fontes vegetais, como extratos de plantas e óleos essenciais, como Azadirachta indica (neem), têm demonstrado eficácia contra o bicho-mineiro.
Outros extratos de plantas como Toona ciliata, Trichilia casaretti, Trichilia pallida, Trichilia catigua, Chenopodium ambrosioides e Azadiracta indica apresentaram eficácia contra ovos, larvas e pupas do bicho mineiro do café em condições de laboratório, oferecendo alternativas promissoras para o controle dessa praga.
Esses biopesticidas são considerados alternativas mais sustentáveis aos defensivos químicos convencionais: são menos tóxicos para o meio ambiente e podem ser integrados a estratégias de manejo.
- Nano-Biopesticidas
Uma abordagem inovadora para o controle do bicho-mineiro envolve o uso de nano-biopesticidas. Esses produtos consistem em pesticidas encapsulados em nanopartículas (incluindo biopesticidas e inseticidas sintéticos), que oferecem vantagens como maior estabilidade e liberação controlada dos pesticidas.
Essas nanoformulações incluem nanopartículas metálicas, poliméricas, lipídicas, nanoemulsões e de carbono. Elas têm demonstrado eficácia contra pragas agrícolas, como insetos danificadores de grãos e ácaros.
A aplicação de nanopesticidas mostra promessa no controle do bicho mineiro do café, oferecendo potencial para aumentar a eficácia no controle de diferentes estágios da praga.
- Disrupção de Acasalamento
A técnica de disrupção do acasalamento é um método que afeta o processo normal de acasalamento dos insetos.
Algumas estratégias bem-sucedidas foram utilizadas em diferentes culturas para controlar pragas específicas, como lagarta das maçãs, mariposa oriental, traça do tomate, lagarta rosa do algodão e tortricídeos em vinhedos.
No caso do bicho mineiro do café, está em desenvolvimento a aplicação de feromônios sintéticos para interromper o acasalamento e reduzir suas populações.
No entanto, a eficácia dessa técnica ainda está sendo avaliada com base em resultados de armadilhas e danos causados pelo bicho mineiro às folhas dos cafeeiros.
Aperfeiçoamentos são necessários para tornar essa estratégia mais eficaz no controle do bicho mineiro, como o tipo de dispensador, aplicações aéreas, pontos de liberação no campo e período de tratamento.
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Referências
DANTAS, J.; MOTTA, I.O.; VIDAL, L.A.; NSCIMENTO, E.F.M.B.; BILIO, J.; PUPE, J.M.; VEIGA, A.; CARVALHO, C.; LOPES, R.B.; ROCHA, T.L.; SILVA, L.P.; PUJOL-LUZ, J.; ALBUQUERQUE, E.V.S.; A Comprehensive Review of the Coffee Leaf Miner Leucoptera coffeella (Lepidoptera: Lyonetiidae) – A Major Pest for the Coffee Crop in Brazil and Others Neotropical Countries. Insects, v. 12, article 1130, 2021. DOI: 10.3390/insects12121130.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)