Os herbicidas inibidores da enzima protoporfirinogênio oxidase, ou como também conhecidos, inibidores de PPO, são produtos de contato (não-sistêmico) utilizado, principalmente no controle de folhas largas. Seu uso é recomendado para diversas culturas, dentre elas soja, milho, algodão e cana-de-açúcar, o que varia é a época de aplicação para cada cultura.
A classe dos inibidores de PPO é composta por diversos princípios ativos, como carfentrazone-ethyl, saflufenacil, flumioxazin, oxyfluorfen, fomesafen, lactofen e acifluorfen, cada um com diferentes formulações comerciais disponíveis no mercado. Entre os herbicidas à base de carfentrazone-ethyl, o produto Aurora® é o mais conhecido, embora outros, como Aim®, Shark® e Quickfire®, também estejam disponíveis para uso.
Os inibidores da enzima protoporfirinogênio oxidase (PPO) representam um grupo importante de herbicidas, com ampla aplicação no manejo de plantas, e embora ocupem uma posição intermediária em termos de área tratada globalmente, com estimativas entre 100 e 150 milhões de hectares, seu uso tem crescido nos últimos anos devido ao seu uso em programas de manejo da resistência (principalmente em soja e algodão), e como dessecantes em culturas como a cana-de-açúcar.
A compreensão do modo de ação, das vias fisiológicas afetadas, dos sintomas manifestados nas plantas e dos mecanismos de resistência adquiridos por espécies daninhas é essencial para promover o uso racional e sustentável desses compostos.
O objetivo desse artigo é apresentar de forma técnica, clara e aprofundada as principais informações sobre o herbicida Carfentrazone, abordando seu modo de ação como inibidor da enzima Protox, indicações de uso (culturas e plantas daninhas-alvo), associações comuns em dessecação, e os cuidados para mitigar estresses em culturas não alvo.
Boa leitura!
Como é o mecanismo de ação do herbicida carfentrazone?
O herbicida inibidor da PPO, carfentrazeone-ethyl, atua no cloroplasto interrompendo a síntese de clorofila, onde uma das etapas essenciais consiste na conversão de protoporfirinogênio IX em protoporfirina IX.
A enzima protoporfirinogênio oxidase (PPO), é respossavel por essa conversão dentro do cloroplasto. Inibindo a ação da enzima, a aplicação do herbicida impossibilita a conversão do protoporfirinogênio IX em protoporfirina IX, o que leva ao acúmulo dessa molécula no interior do cloroplasto (Figura 1).

O excesso de protoporfirinogênio IX migra para o citoplasma, onde sofre oxidação não enzimática, originando protoporfirina IX. Em presença de luz, essa molécula altamente reativa gera oxigênio singlete (1O2), uma forma tóxica de oxigênio que desencadeia a peroxidação de lipídios.
Esse processo provoca a oxidação de proteínas e membranas, levando à degradação de clorofila e carotenoides e consequentemente, o aparecimento de sintomas visuais como manchas cloróticas, murcha e necrose, geralmente observados em até dois dias após a aplicação.
Estresse oxidativo causado por canfentrazone
A partir do momento em que o herbicida entra em contato com a planta, inicia-se uma sequência de processos fisiológicos e bioquímicos, que variam conforme o modo de ação do produto. Esses processos levam à manifestação de sintomas de fitotoxicidade, os quais, progressivamente, resultam na morte da planta.
A fitotoxicidade observada nas plantas decorre da liberação de espécies reativas de oxigênio (EROs), geradas por uma reação não enzimática no citoplasma: protoporfirinogênio IX + luz → protoporfirina IX + oxigênio singlete (¹O₂). O acúmulo dessa substância fototóxica leva à ruptura das membranas celulares e o aparecimento de manchas cloróticas (Figura 2).

Manejo de plantas daninhas: uso de carfentrzone em áreas de plantio direto
O manejo eficaz de plantas daninhas requer a integração de diferentes métodos de controle, visando a redução da infestação e o aumento da eficiência agronômica do sistema produtivo. No contexto do plantio direto, que se caracteriza pela semeadura realizada sobre a palhada da cultura antecessora, a cobertura vegetal residual exerce papel fundamental na supressão inicial de plantas daninhas, atuando como barreira física e alterando as condições microambientais do solo.
No entanto, mesmo sob essa cobertura, determinadas espécies daninhas conseguem emergir e se estabelecer, comprometendo tanto a uniformidade da semeadura quanto o desenvolvimento inicial da cultura. Assim, torna-se necessário complementar o controle físico proporcionado pela palhada com estratégias químicas, especialmente a dessecação pré-semeadura.
A associação entre métodos de controle (Figura 3), como físicos e químicos, constitui uma abordagem integrada, capaz de melhorar o controle das espécies infestantes, garantir maior estabilidade ao sistema de plantio direto e evitar a seleção de plantas resistentes.

O carfentrazone é uma alternativa eficaz para esse tipo de manejo, por ser um herbicida de baixa mobilidade e rápida degradação no solo, características que conferem segurança ao seu uso em pré-semeadura, minimizando o risco de fitotoxicidade à cultura subsequente. Sua ação é rápida e resulta em necrose de tecidos foliares em poucas horas após a aplicação, especialmente sobre espécies de folhas largas.
Essa eficiência é potencializada quando o carfentrazone é utilizado em associação com o glifosato, proporcionando um controle mais abrangente da comunidade infestante, uma vez que o glifosato apresenta maior efetividade sobre gramíneas.
Esse sinergismo é vantajoso em sistemas de plantio direto com elevada produção de palha, nos quais a emergência de espécies daninhas de folhas largas acima da cobertura vegetal pode comprometer a uniformidade da semeadura e o estabelecimento da cultura.
Recomendações de uso do carfentrazone por cultura
Soja – Aplicar em pós-emergência das plantas daninhas, preferencialmente quando estiverem no estádio de 2 a 4 folhas. O produto também pode ser utilizado em pré-emergência ou pré-plantio da cultura, com destaque para a dessecação da área em sistema de plantio direto. Há ainda indicação para a dessecação de plantas daninhas na pré-colheita.
Milho – A aplicação deve ser realizada em pós-emergência das plantas daninhas, preferencialmente no estádio de 2 a 4 folhas, ou em pré-emergência/pré-plantio da cultura, visando à dessecação da área em plantio direto.
Algodão – Recomenda-se a aplicação em pós-emergência das plantas daninhas e em pós-emergência da cultura, por meio de jato dirigido, além do uso em pré-plantio para dessecação da área no sistema de plantio direto.
Cana-de-açúcar – A aplicação deve ser feita em pós-emergência das plantas infestantes e na fase inicial de pós-emergência da cultura.
Mitigação a estresse por carfentrazone em culturas não alvo
Algumas precauções são essenciais para garantir a eficiência da aplicação. Gotas muito finas e ventos superiores a 10 km/h podem causar deriva, atingindo áreas com plantas suscetíveis ao produto e provocando fitotoxicidade.
As plantas dispõem de mecanismos próprios de defesa para mitigar os efeitos da fitotoxicidade, sendo a nutrição adequada um fator fundamental nesse processo. Plantas bem nutridas tendem a apresentar sistemas de defesa mais eficazes, incluindo mecanismos enzimáticos antioxidantes, como superóxido dismutase (SOD), catalase (CAT) e ascorbato peroxidase (APX).
Estratégias de manejo, como a suplementação nutricional, têm se mostrado eficazes para atenuar dos sintomas de fitotoxicidade, uma vez que determinados nutrientes desempenham papéis específicos em processos fisiológicos das plantas.
O fósforo, por exemplo, participa diretamente da síntese de clorofila e da produção de energia, sendo essencial em situações de estresse oxidativo. Assim, a aplicação foliar de fósforo após a exposição a herbicidas como o carfentrazone pode acelerar os mecanismos de recuperação das plantas afetadas, favorecendo a reestabilização dos processos metabólicos.
Um dos principais fatores limitantes na aplicação foliar de nutrientes visando atenuar sintomas de fitotoxicidade é o momento em que essa aplicação é realizada. Estudos indicam que, quanto maior o tempo de permanência da planta sob condições de estresse, maior é o comprometimento dos seus mecanismos fisiológicos, reduzindo significativamente sua capacidade de recuperação.
Nesse contexto, torna-se essencial a definição do momento da aplicação (Figura 4 e 5), uma vez que sua eficiência está diretamente relacionada ao tempo de permanência da cultura sob estrese.


Dessa forma, mais estudos podem ser realizados para identificar quais nutrientes e em que estádios fenológicos sua aplicação é mais eficaz para cada cultura, a fim de mitigar os efeitos fitotóxicos induzidos por carfentrazone, contribuindo para o desenvolvimento de estratégias de manejo mais eficientes e sustentáveis.
Resistência aos Herbicidas inibidores de PPO
Apesar da longa história de uso dos herbicidas, casos de resistência evoluída por plantas daninhas ainda são relativamente raros em comparação a outros mecanismos de ação, como os inibidores de ALS (acetolactato sintase), ACCase (acetil CoA carboxilase) e da (EPSPs). ou EPSPS (5-enolpiruvilshiquimato-3-fosfato sintase).
No mundo, existem apenas dezesseis registros de caso de resistência de plantas daninhas (Tabela 1).
Tabela 1. Espécie de plantas daninhas resistentes, ano e país em que foram identificadas:
Espécie | Ano | País |
Amaranthus tuberculatus (syn. rudis) | 2001 e 2017 | EUA e Canadá |
Euphorbia heterophylla | 2004 | Brasil |
Amaranthus hybridus (syn. quitensis) | 2005 e 2021 | Bolívia e Argentina |
Ambrosia artemisiifolia | 2005 e 2023 | EUA e Ucrânia |
Acalypha australis | 2011 | China |
Amaranthus palmeri | 2011 | EUA |
Descurainia sophia | 2011 | China |
Amaranthus retroflexus | 2014, 2017 e 2020 | Brasil, China e EUA |
Senecio vernalis | 2014 | Israel |
Avena fatua | 2015 | Canadá |
Eleusine indica | 2015 | EUA |
Lolium rigidum | 2016 | Espanha |
Conyza sumatrensis | 2017 | Brasil |
Poa annua | 2017 | EUA |
Kochia scoparia | 2021 | Canadá |
Conyza bonariensis | 2022 | Jordânia |
Tipos de mecanismos de resistência
A resistência a herbicidas inibidores da PPO pode ser agrupada em dois grandes mecanismos: resistência no alvo (target-site resistance, TSR) e resistência fora do alvo (non-target-site resistance, NTSR). No primeiro grupo, predominam mutações pontuais no gene PPO2, que codifica a isoforma mitocondrial da enzima.
Entre essas, destaca-se a deleção do códon que codifica a glicina na posição 210 da proteína (ΔG210). Essa deleção altera a conformação do sítio ativo da enzima, reduzindo ou impedindo a ligação do herbicida, sem comprometer sua atividade catalítica essencial à planta. Essa mutação tem sido amplamente relatada em Amaranthus palmeri e A. tuberculatus.
Outras mutações igualmente relevantes incluem substituições de aminoácidos, como R128G/M e G399A, que também resultam em alterações estruturais na PPO, diminuindo a afinidade pelo herbicida. Além disso, casos de resistência relacionados à superexpressão do gene PPO2 têm sido descritos, levando a uma produção elevada da enzima.
Nesses casos, mesmo que parte da PPO seja inibida pelo herbicida, a enzima restante é suficiente para manter o funcionamento metabólico, assegurando a sobrevivência da planta.
Além das alterações no alvo, mecanismos fora do alvo (NTSR) também podem contribuir para a resistência, embora sejam menos frequentes com herbicidas PPO. Dentre eles, destaca-se o metabolismo acelerado do herbicida, promovido por enzimas como citocromos P450, glutationa S-transferases (GSTs) ou glicosiltransferases.
Essas enzimas são capazes de degradar ou modificar o herbicida antes que este atinja seu sítio de ação, tornando-o inativo. Outro mecanismo descrito, ainda que menos comum, envolve barreiras físicas ou fisiológicas que limitam a absorção ou a translocação do herbicida dentro da planta, reduzindo sua eficácia.
Em síntese, a resistência a inibidores da PPO representa uma ameaça crescente à sustentabilidade de sistemas produtivos que dependem do controle químico intensivo.
A identificação e monitoramento dessas mutações, especialmente ΔG210 e suas variantes, são fundamentais para o desenvolvimento de estratégias de manejo integrado da resistência, incluindo a rotação de mecanismos de ação, o uso de misturas de herbicidas com diferentes sítios de ação e a adoção de práticas culturais complementares.
Manejo da resistência a inibidores da PPO
- Rotação de Herbicidas
Alternar herbicidas com mecanismos de ação diferentes para evitar pressão seletiva contínua sobre o mesmo alvo.
Usar produtos de classes químicas distintas reduz a chance de resistência.
- Misturas de Herbicidas
Combinar herbicidas com diferentes alvos e modos de ação aumenta a eficácia do controle, onde a complementaridade entre os produtos ajuda a reduzir a resistência.
- Práticas Culturais e Mecânicas
Rotação de culturas e culturas de cobertura reduzem o número de plantas daninhas e a necessidade de herbicidas.
Capinas mecânicas e arranquio manual podem complementar o controle químico.
- Monitoramento Contínuo
Acompanhamento regular das populações de plantas daninhas e diagnóstico precoce de falhas no controle ajudam a detectar resistência rapidamente.
Testes de bioensaios podem ser usados para verificar resistência a herbicidas específicos.
- Uso de Novas Tecnologias
Investir em novos herbicidas com mecanismos de ação distintos.
A biotecnologia pode ser uma aliada, como o uso de culturas geneticamente modificadas para resistência.
Conclusão
Essas estratégias de manejo são essenciais para garantir a eficácia no controle das plantas daninhas e preservar a longevidade dos herbicidas no campo. O foco deve ser sempre na integração de diferentes abordagens, equilibrando químico, mecânico e cultural.
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Referências
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KARAM, D. et al. Seletividade de carfentrazone-ethyl aos milhos doce e normal. Revista Brasileira de Milho e Sorgo, Sete Lagoas, v. 3, n. 1, p. 62–68, 2004.
VIVEIROS, J.; MORETTI, L. G.; PACOLA, M.; JACOMASSI, L. M.; SOUZA, F. M.; RODRIGUES, V. A.; BOSSOLANI, J. W.; PORTUGAL, J. R.; CARBONARI, C. A.; CRUSCIOL, C. A. C. Foliar application of phosphoric acid mitigates oxidative stress induced by herbicides in soybean, maize, and cotton crops. Plant Stress, 13, 100543. 2024. https://doi.org/10.1016/j.stress.2024.100543.
Sobre o autor:

Josiane Ap. V. de Oliveira
Pesquisadora de Pós-doutorado (UNESP/Botucatu)
- Doutora em Energia na Agricultura (UNESP/Botucatu)
- Mestre em Produção vegetal (UFMS)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Ilha Solteira)
Como citar este artigo
OLIVEIRA, J.A.V. Carfentrazone: aplicações, mecanismo de ação e estratégias para mitigação de estresses em culturas sensíveis. Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-carfentrazone-usos-modo-de-acao-e-estresse/. Data de acesso: xx Xxx 20xx.