Novas biotecnologias para o controle de plantas daninhas resistentes

Sumário

BIOTECNOLOGIAS como RNAi (interferência) e o CRISPR-Cas9 são utilizadas para ajudar no controle de plantas daninhas resistentes. Vejamos como neste artigo

Os crescentes investimentos na pesquisa agropecuária resultaram em elevadas produtividades e no aumento da segurança alimentar nas últimas décadas. Os avanços das pesquisas levaram as pesquisas a um outro nível: uso maciço da biotecnologia.

Com o conhecimento no uso dos organismos geneticamente modificados, foi possível a seleção artificial de características específicas e a inserção dentro da cultura, como o exemplo das culturas geneticamente modificadas (PHILLIPS, 2008). O avanço mais expressivo iniciou no final dos anos 90, com o lançamento das culturas resistente ao glyphosate (MALL et al., 2019).

Em contrapartida, alguns anos após o lançamento dessas tecnologias, liderado pelo uso das culturas resistentes ao glyphosate, houve um aumento gradativo na seleção de plantas daninhas resistentes, causando preocupações aos produtores e indústria no controle dessas daninhas (DUKE, 2011).

Com isso, a indústria e pesquisa se mobilizaram e criaram outras culturas resistentes a novos herbicidas e aumentaram a conscientização de produtores em prol de melhor práticas de aplicação na tentativa de aumentar a longevidade dessa tecnologia.

Entretanto, mais recentemente, com diminuições nos custos de produção e o conhecimento de genomas inteiros das plantas, a biotecnologia apresentou avanços significativos nas pesquisas de edição genômica, um avanço que pode trazer esperanças ao agricultor (NEVE, 2018).

Dentre essas tecnologias, destaca-se a tecnologia do RNAi (interferência) e o CRISPR-Cas9.

Ambas as tecnologias trouxeram a realidade da biotecnologia a outro parâmetro, no qual agora possibilitou-se alterações genéticas a níveis específicos, sendo possível a remoção, adição ou alteração de genes, alterando expressões gênicas com silenciamentos ou alterações na produção e sem o título de transgenia (NEVE, 2018).

Essas novas tecnologias voltadas à engenharia genética apresentam um grande potencial à batalha contra as plantas daninhas resistentes ou de difícil controle, apresentando grande potencial para os produtores.

O QUE É BIOTECNOLOGIA?

            A biotecnologia teve grande destaque na agricultura na década de 70, quando houve a descoberta do DNA recombinante, possibilitando cortar e colar o DNA a partir de enzimas: permitiu a criação de organismos transgênicos, ou seja, com genes inseridos de outros organismos.

A ciência da biotecnologia refere-se a qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos, organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para utilização específica (ONU, 1992).

RNAi

O RNAi, ou RNA de interferência, é classificado como um mecanismo de defesa evolucionária, de ocorrência natural, contra um RNA de fita dupla (dsRNA) no qual tem como alvo RNA mensageiros (mRNAs) de outras células (SAURABH et al., 2014).

O objetivo principal é a supressão da expressão gênica, ou seja, utilizar um mecanismo de defesa de um organismo e introduzi-la em outros organismos com o intuito de silenciar alguma expressão gênica. Por exemplo: a planta daninha que apresentam uma mutação e que concebe a ela resistência a certo herbicida.

Assim, utilizando a tecnologia do RNAi, os pesquisadores poderiam silenciar o gene que causa essa mutação e levar a planta a ser suscetível ao herbicida novamente. Essa tecnologia abre caminho para inúmeras pesquisas e avanços em praticamente todas as áreas, principalmente área médica e agrícola.

Há diversos benefícios demonstrados na literatura à respeito dessa tecnologia (SHANER; BECKIE, 2014), no qual podemos destacar:

  • precisão assertiva, onde não há riscos de atingir outros organismos (off-target), já que o RNAi é desenhado especificamente para aquela espécie/planta);
  • é eficiente, havendo relatos que cerca de 70-100% das plantas transformadas pelo RNAi apresentaram o fenótipo alvo silenciado;
  • apresenta um sistema prático e fácil de se utilizar dessa tecnologia, com plataformas de fácil acesso e práticas; apresenta alto rendimento;
  • apresenta estabilidade considerável, mesmo após diversas gerações;
  • é flexível, podendo silenciar um gene sozinho ou um conjunto de genes com apenas uma construção de RNAi; entre outros.

A tecnologia do RNAi pode ser de grande utilidade para os agricultores e indústrias de defensivos que estão atualmente enfrentando plantas daninhas resistentes.

A Monsanto chegou a anunciar pesquisas (nome comercial de BioDirect™) que conseguiria atingir certas plantas daninhas com resistência ao glyphosate, atingindo genes que sofreram mutações no passado e tornando-as suscetíveis novamente (SHANER; BECKIE, 2014).

Ademais, há pesquisas demonstrando o uso dessa tecnologia no silenciamento de genes que conferiram resistência aos mecanismos de ação do ALS, HPPD e PPO (GREEN, 2014).

Outro exemplo é no caso de plantas daninhas parasitas. Por estar parasitando a cultura, torna difícil o controle sem acarretar danos permanentes também a cultura. Essa tecnologia tem a capacidade de, visando um gene específico da planta parasita e que seja essencial a ela, silenciar esse gene por meio do RNAi e assim controlar a planta parasita (YODER et al., 2009).

 CRISPR-Cas9

Basicamente, CRISPR são componentes essenciais das bases de ácido nucleico adaptados ao sistema imunológico.

Podemos comparar todo o processo como se fosse um ‘cartão de vacinação’ do organismo, em que ele consegue detectar fragmentos (ácido nucleico) de organismo estranho, integrá-lo a uma região do CRISPR e depois utilizar de registro para os futuros organismos estranhos, reconhecendo e silenciando o gene (como que controlando os próximos organismos que entrarem).

Para cortar os fragmentos de DNA, o CRISPR utiliza ‘tesouras’ chamadas de enzimas de restrição, sendo a mais comum a enzima Cas9, portanto chamando todo esse processo de CRISPR-Cas9. 

Assim como a tecnologia do RNAi, há uma vasta aplicação do CRISPR-Cas9 no manejo de plantas daninhas resistentes. Com uma técnica considerada barata, em comparação com outras técnicas biotecnológicas, cientistas podem desenvolver aplicações de CRISPR-Cas9 para eliminar os genes que conferem resistência a essas invasoras (NEVE, 2018).

Ademais, as aplicações dessa tecnologia, segundo Neve (2018), poderiam ser na manipulação genética que visam características relacionados a competitividade da daninha, dormência de plantas e persistência no solo, fenologia, morfologia etc.

Há pesquisas desenvolvendo técnicas utilizando CRISPR-Cas9 para alterar a dormência e dispersão de sementes do arroz daninho, assim reduzindo a competitividade dessa planta daninha (NADIR et al., 2017).

Outra possiblidade é a aplicação dessa tecnologia para acelerar a alteração das culturas, transformando-as resistentes a herbicidas ou até mesmo a estresse hídrico, auxiliando no combate a essas infestantes resistentes (BURGOS et al., 2017).

A vantagem nesse caso é que, por se tratar da aplicação do CRISPR-Cas9, não estaria classificado como transgênico e teria facilidade para comercialização.

Apesar dos estudos com CRISPR-Cas9 em plantas daninhas resistentes estarem ainda em fase inicial de estudos, os estudos em culturas resistentes a herbicidas já estão em processo mais avançado (HAN; KIM, 2019).

Segundo esses autores, há cerca de sete trabalhos publicados com o intuito de incluir resistência a herbicidas inibidores da ALS as culturas da soja, milho, arroz, batata e trigo. Também há pesquisas buscando a resistência de diversas culturas ao glyphosate.

Em todos os processos de edição genômica ou silenciamento de genes pode haver o carregamento desses genes para as progênies. No entanto, há alguns pontos positivos e que são um diferencial no carregamento dos genes, denominado como gene drive. 

Mesmo garantindo eficácia aos tratamentos pelo CRISPR-Cas9, é de interesse a perpetuação do tratamento. Assim, ao aplicar os tratamentos, a planta em interesse vai transmitir/passar o tratamento para as progênies. Esse fato se faz mais relevante ainda se pensado em plantas daninhas resistentes, podendo alterar o estabelecimento, abundância, competitividade, dispersão, persistência e impacto das plantas daninhas ao passar dos anos (NEVE, 2018).

Por exemplo, se o CRISPR-Cas9 que tem como alvo traços (características) que visam a mutação na expressão gênica que confere a uma planta daninha resistência ao glyphosate.

Editando os genes responsáveis por essa característica específica e introduzindo no campo algumas das plantas e adicionando à gene drives para a propagação dessa alteração genética, o cruzamento das plantas alteradas e plantas selvagens já produziriam progênies sem os genes de resistência (Figura 01).

biotecnologias gene drives
Figura 01. Sistema CRISPR-Cas9 com o uso de gene drives em plantas daninhas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            É notável a presença da biotecnologia na agricultura mundial, sendo uma das principais responsáveis na alavancagem e melhorias na produção, permitindo o aumento em quantidade e qualidade.

Mesmo com os reveses encontrados à campo, como resistência de plantas e insetos às tecnologias aplicadas, a biotecnologia cria tecnologias alternativas para suprir os efeitos e sempre auxiliar os produtores.

 A nova geração da biotecnologia com estudos de edição gênica e identificação dos genomas das plantas levaram essas técnicas a outro nível, facilitando o uso dessas técnicas e proporcionando avanços mais rápidos e baratos.

Técnicas como RNAi e CRISPR-Cas9 possibilitaram alterações tópicas de genes e expressões gênicas de organismos individuais, produzindo alterações nas plantas de forma isolada e mais segura.

Entretanto, é importante ressaltar a necessidade de acompanhamento dos pesquisadores em prol da segurança alimentar, de toda população, da sustentabilidade ambiental e da longevidade dessas tecnologias.

REFERÊNCIAS

DUKE, S. O. Herbicide-Resistant Crops. In: Encyclopedia of Biotechnology in Agriculture and Food. [s.l: s.n.]. p. 326–328.

GREEN, J. M. Current state of herbicides in herbicides resistant crops. Pest Management Science, [S. l.], v. 70, n. 1, p. 1351–1357, 2014.

HAN, Y. J.; KIM, J. I. Application of CRISPR/Cas9-mediated gene editing for the development of herbicide-resistant plants. Plant Biotechnology Reports, [S. l.], v. 13, n. 5, p. 447–457, 2019. DOI: 10.1007/s11816-019-00575-8.

MALL, T.; GUPTA, M.; DHADIALLA, T. S.; RODRIGO, S. Overview of Biotechnology-Derived Herbicide Tolerance and Insect Resistance Traits in Plant Agriculture. In: Transgenic Plants. Humana Pre ed. New York. v. 1864p. 313–342.

NADIR, S. et al. Weedy rice in sustainable rice production. A review. Agronomy for Sustainable Development, [S. l.], v. 37, n. 5, 2017.

NEVE, P. Gene drive systems: do they have a place in agricultural weed management? Pest Management Science, [S. l.], v. 74, n. 12, p. 2671–2679, 2018.

ONU. Convenção de Biodiversidade 1992.

PHILLIPS, T. Genetically Modified Organisms ( GMOs ): Transgenic Crops and Recombinant DNA Technology. Nature Education, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 213, 2008.

SAURABH, S.; VIDYARTHI, A. S.; PRASAD, D. RNA interference: Concept to reality in crop improvement. Planta, [S. l.], v. 239, n. 3, p. 543–564, 2014.

SHANER, D. L.; BECKIE, H. J. The future for weed control and technology. Pest Management Science, [S. l.], v. 70, n. 9, p. 1329–1339, 2014.

YODER, J. I.; GUNATHILAKE, P.; WU, B.; TOMILOVA, N.; TOMILOV, A. A. Engineering host resistance against parasitic weeds with RNA interference. Pest Management Science, [S. l.], v. 65, n. 5, p. 460–466, 2009

Esse texto é opinião do autor e não reflete, necessariamente, a posição da Agroadvance.

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