Brusone: Manejo eficiente nas culturas de arroz e trigo

A brusone provoca perdas expressivas nas culturas de arroz e trigo, que podem chegar a quase 100% quando há elevada pressão de inóculo e condições ambientais favoráveis. Leia este artigo e saiba como manejar a brusone.
brusone
Sumário

A brusone provoca perdas expressivas nas culturas de arroz e trigo, que podem chegar a quase 100% quando há elevada pressão de inóculo e condições ambientais favoráveis. Leia este artigo e saiba como manejar a brusone.

Um pouco sobre as brusones

Embora Pyricularia oryzae seja a espécie responsável pela doença nas culturas do trigo e do arroz e os patossistemas nestas culturas sejam muito parecidos, são linhagens diferentes do fungo que causam a brusone em cada uma dessas culturas (VALENT et al., 2019). Assim, pelo menos até o momento, o fungo que infecta uma cultura não infecta a outra.

Apesar da aparente vantagem desta especificidade para o manejo, são doenças de difícil controle.

Algumas características comuns a estes patossistemas e importantes para entendermos as estratégias de controle utilizadas:

Com estas semelhanças, o ciclo da brusone do trigo acaba sendo bem parecido com o patossistema da cultura do arroz (Figura 1).

ciclo da Brusone no arroz
Figura 1. Ciclo de Pyricularia oryzae na cultura do arroz. Adaptado de Ramos (2009), disponível em Filippi et al. (2015).

 

Brusone do arroz

É a principal doença da cultura e o principal motivo para a troca de cultivares por quebra da resistência (FILIPPI et al., 2015). Os impactos da brusone no arroz são tão grandes que levaram seu agente causal a ser reconhecido como principal espécie de fungo fitopatogênico em todo o mundo (DEAN et al., 2012).

Sintomas da brusone no arroz

Nas folhas a doença causa manchas castanhas alongadas que ocorrem no mesmo sentido das nervuras. As manchas ficam maiores com o progresso da doença, com o centro acinzentado e bordos marrom-avermelhados, podendo ocorrer a formação de um halo amarelado ao redor da lesão (Figura 2) (BEDENDO; PRABHU, 2005).

sintomas de brusone em folhas de arroz
Figura 2. Sintomas de brusone em folha de arroz. Fonte: Gerald Holmes (2013).

Manchas inicialmente elípticas e acinzentadas com bordos marrons podem atingir extensas áreas do colmo (Figura 3) (BEDENDO; PRABHU, 2005).

sintomas de brusone em arroz
Figura 3. Manchas de brusone em colmos de arroz. Fonte: Sebastião José de Araújo, disponível em Filippi et al. (2015).

As manchas nos colmos e principalmente nas folhas reduzem a área que a planta tem para fazer fotossíntese, o que resulta em diminuição da uniformidade na emissão de panículas e redução do acúmulo de fotoassimilados, prejudicando o enchimento de grãos. Nas panículas também podem ocorrer manchas marrons de formato irregular e o “chochamento” das espiguetas, que deixa as panículas esbranquiçadas e eriçadas (Figura 4) (BEDENDO; PRABHU, 2005).

sintoma de brunone nas panículas de arroz
Figura 4. Panículas de arroz infectadas por brusone. Fonte: Gerald Holmes (2013).

Quando a planta consegue formar grãos sua qualidade é comprometida e pode ocorrer o sintoma conhecido como “pescoço quebrado”, que é a quebra da panícula quando a região do nó abaixo dela é afetada após o enchimento de grãos (Figura 5b) (BEDENDO; PRABHU, 2005).

brusone em arroz
Figura 5. Sintomas de brusone na região abaixo da panícula em arroz (“brusone do pescoço”). Sintomas na região do nó abaixo da panícula e na panícula (A) e sintoma de “pescoço quebrado” (B). Fontes: Valácia Lobo (A) e Donald Groth (B).

Maior atenção aos estádios V2 e V5

A cultura fica mais suscetível à doença entre os estádios V2 e V5 e a partir de R2 até o enchimento de grãos (FILIPPI et al., 2015). O produtor deve ficar mais atento também em períodos de maior nebulosidade e ocorrência de orvalho.

Manejo da brusone do arroz

Planejamento e instalação

O manejo começa com a escolha de cultivares resistentes, que ajudarão a evitar a necessidade de pulverizações. É importante ainda diversificar as cultivares utilizadas na safra para minimizar os danos em caso de quebra de resistência e evitar semeaduras tardias. Realizar a semeadura dentro do período indicado para a região evita que os períodos de maior suscetibilidade da cultura coincidam com as épocas de condições ambientais mais favoráveis à doença.

O uso de sementes sadias é indispensável e evita que ocorram epidemias já no início do ciclo. O tratamento químico de sementes também ajuda a controlar a doença, o que não dispensa o uso de sementes de boa qualidade!

Evitar o adensamento de plantas é outra medida importante pois desfavorece a formação de um microclima de maior umidade dentro da lavoura, ajudando a diminuir a velocidade de progresso da doença quando ela se instala.

Boas práticas

A nutrição equilibrada, principalmente evitando o excesso de nitrogênio, ajuda a não predispor as plantas ao ataque do fungo. O déficit hídrico que poderia causar essa predisposição em cultivos de sequeiro pode ser minimizado pela promoção de um bom desenvolvimento radicular por meio da gessagem e calagem realizadas adequadamente quando necessário.

A adubação silicatada ainda pode contribuir para o controle da doença, tendo sido observada a redução da severidade da brusone em uma cultivar suscetível com a aplicação de silício no sistema irrigado (BERNI; PRABHU, 2003).

Por fim, eliminar restos culturais e fazer o manejo de plantas daninhas são importantes pois diminuem possíveis fontes de inóculo do fungo na área de produção, atrasando o início da epidemia.

Controle químico

Existem 87 produtos comerciais registrados para o controle da brusone no arroz, com 26 opções de princípios ativos ou misturas, a maior parte indicada para aplicação foliar (AGROFIT).

Em um estudo de avaliação da eficiência de fungicidas conduzido pela EMBRAPA, melhores eficiências de controle foram relatadas com o uso de triciclazol, seguido da azoxistrobina e de formulações contendo as misturas mancozebe + tiofanato-metílico e  tebuconazol + trifloxistrobina; enquanto o emprego dos triazóis tebuconazol e tetraconazol e da mistura epoxiconazol +  cresoxim-metílico resultaram em baixas eficiências de controle (NUNES; MARTINS, 2017).

A aplicação de fungicidas na fase vegetativa deve ser realizada assim que observados os primeiros sintomas; na fase reprodutiva a aplicação é feita de forma preventiva, com a primeira pulverização no final do período de emborrachamento (até 5% de emissão de panículas) e a segunda de 10 a 15 dias depois (FILIPPI et al., 2015). Por fim, é indispensável que os modos de ação dos fungicidas sejam rotacionados, para evitar a seleção de isolados do fungo resistentes.

Brusone no trigo

Sintomas da brusone no trigo

A doença provoca o branqueamento de espigas, principalmente na metade superior, resultando em grãos “chochos” (Figura 6a) (SANTANA et al., 2020). No ponto de penetração do fungo sob a ráquis forma-se uma mancha preta (Figura 6A) e a espiga morre acima do ponto de penetração. Este sintoma permite diferenciar a brusone da infecção por Giberella, em que a ocorre a morte da porção inferior da espiga (Figura 6B) (ANTUNES, 2014).

brusone e giberella em trigo
Figura 6. Sintomas de brusone (A) e Giberella (B) em espigas de trigo. Destaque (seta vermelha) evidencia a mancha preta no local de infecção da espiga por Pyricularia oryzae, agente causal da brusone (A). Fontes: Flávio Santana (2014); Detalhe da Pereira (2013); Lima (2016).

Os outros órgãos da parte aérea também podem ser infectados pela brusone do trigo, com a ocorrência de manchas estreitas de bordos marrons e centro acinzentado nas folhas (Figura 7) (REIS; CASA, 2005).

mancha de brusone em trigo
Figura 7. Manchas de brusone em folhas de trigo. Fonte: Vanoli Fronza (2021).

Sob alta severidade da doença a área fotossinteticamente ativa da planta fica reduzida, causando senescência prematura e comprometendo a produtividade. 

Manejo da brusone do trigo

Planejamento e instalação

O uso de cultivares resistentes e rotação de culturas são medidas importantes para o controle da doença e de fácil implementação pelo produtor.

O uso de sementes sadias e o tratamento químico de sementes ajudarão a evitar o estabelecimento da doença logo no início do ciclo da cultura. Deve-se ainda respeitar a época de semeadura indicada para a região, evitando ao máximo a semeadura tardia. A densidade de plantas adequada para a cultivar é outro cuidado que o produtor deve ter a fim de evitar o  microclima favorável à doença que se forma em lavouras muito adensadas.

Boas práticas

O controle de plantas daninhas e de plantas de trigo voluntárias também ajuda no manejo da doença pois eliminam possíveis fontes de inóculo.

Propiciar um bom desenvolvimento radicular das plantas por meio da gessagem e calagem quando necessárias e a nutrição equilibrada ajudam a não predispor as plantas ao ataque do patógeno. No sistema irrigado, o controle da irrigação é imprescindível no manejo da doença, já que a elevada umidade relativa e longos períodos de molhamento foliar favorecem o desenvolvimento de epidemias.

Controle químico e sua limitação

Existe uma plataforma desenvolvida pela Embrapa e pela Universidade de Passo Fundo chamada SISALERT, que é de uso gratuito e simula o risco de epidemias com base em dados meteorológicos e de previsibilidade das condições ambientais favoráveis à doença, podendo auxiliar o produtor na tomada de decisão pelo momento da aplicação de fungicidas.

Existem 56 produtos comerciais registrados para o controle da brusone do trigo (AGROFIT). Sob condições climáticas favoráveis à brusone, a primeira aplicação de fungicida deve ocorrer no início da formação das espigas, com intervalos de cerca de 10 dias entre as aplicações subsequentes, visando proteger as espigas. Em ensaios a campo realizados pela EMBRAPA foram observadas maiores produtividades do trigo quando aplicadas as misturas trifloxistrobina + protioconazol ou piraclostrobina + epoxiconazol que quando utilizados outros tratamentos fungicidas em duas das quatro localidades de instalação dos experimentos.

No entanto, nas outras duas localidades restantes não foram observadas diferenças nas produtividades obtidas em relação ao tratamento controle (sem fungicida) ou foram observados índices de incidência e severidade da doença de 100% para todos os tratamentos (SANTANA et al., 2020). Assim, o controle químico não garante uma boa produção e a associação de outras estratégias de controle é imprescindível para o manejo da doença.

Por fim, assim como para outras doenças, a aplicação de fungicidas para a brusone do trigo deve ser feita sempre com a rotação dos modos de ação dos ingredientes ativos entre as aplicações para evitar a seleção de isolados do fungo resistentes.

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Referências

AGROFIT. Informações sobre agrotóxicos fitossanitários registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Disponível em: <https://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons> Acesso em 08/08/2021.

ANTUNES, J. M. Brusone do trigo é identificada em lavouras no Noroeste do RS. 2014. Disponível em: <https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/2103461/brusone-do-trigo-e-identificada-em-lavouras-no-noroeste-do-rs> Acesso em 14/08/2021.

BEDENDO, I. P.; PRABHU, A. S. Doenças do arroz. In: KIMATI, H.; AMORIM, L.; REZENDE, J. A. M; FILHO, A. B.; CAMARGO, L.E. A. Manual de fitopatologia: doenças das plantas cultivadas. 4. ed. São Paulo: Ceres, 2005. cap. 12, p. 80-90.

BERNI, R. F.; PRABHU, A. S. Eficiência relativa de fontes de silício no controle de brusone nas folhas em arroz. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 38, n. 2, p. 195–201, 2003.

DEAN, R. et al. The Top 10 fungal pathogens in molecular plant pathology. Molecular Plant Pathology, v. 13, n. 4, p. 414–430, 2012.

FILIPPI, M. C. C.; SILVA-LOBO, V. L.; NUNES, C. D. M.; OGOSHI, C. Brusone. Embrapa Arroz e Feijão, 2015. Disponível em: <https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/1030631> Acesso em 07/08/2021.

FRONZA, V. Sintomas de brusone em folhas de trigo (Imagem). 2019. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/busca-de-imagens/-/midia/5631001/sintomas-de-brusone-na-folha-de-trigo> Acesso em 14/08/2021.

GROTH, D. Sintoma de “pescoço quebrado” em arroz com brusone (Imagem). Disponível em: <https://www.invasive.org/browse/detail.cfm?imgnum=5390518> Acesso em 14/08/2021.

HOLMES, G. Panículas de arroz infectadas por brusone (Imagem). Strawberry Center, Cal Poly San Luis Obispo, Bugwood.org. Disponível em: <https://www.invasive.org/browse/detail.cfm?imgnum=5606575> Acesso em 08/08/2021.

HOLMES, G. Sintomas de brusone em folha de arroz (Imagem). Strawberry Center, Cal Poly San Luis Obispo, Bugwood.org. Disponível em: <https://www.invasive.org/browse/detail.cfm?imgnum=5606585> Acesso em 08/08/2021.

LIMA, M. I. P. M. Espiga de trigo com sintomas de Giberella (Imagem). 2016. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/busca-de-imagens/-/midia/4228005/giberela-em-trigo> Acesso em 08/08/2021.

LOBO, V. L. S. Sintomas de “brusone do pescoço” em arroz (Imagem). Disponível em: <https://www.agencia.cnptia.embrapa.br/gestor/arroz/arvore/CONT000fuzvmwzg02wyiv80166sqfmvyttys.html> Acesso em 14/08/2021.

NUNES, C. D. M.; MARTINS, J. F. S. Eficiência de fungicidas no controle da brusone do arroz irrigado na safra 2015/2016. EMBRAPA, 2017.  Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/163534/1/Clei-Donizetti-Eficiencia-dos-fungicida-no-controle-da-brusone.Cley.pdf> Acesso em 07/08/2021.

PEREIRA, P. R. V. S. Espiga de trigo com sintomas de brusone (Imagem). 2013. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/busca-de-imagens/-/midia/1027001/brusone-em-trigo> Acesso em 08/08/2021.

REIS, E. M.; CASA, R. T. Doenças do trigo. In: KIMATI, H.; AMORIM, L.; REZENDE, J. A. M; FILHO, A. B.; CAMARGO, L.E. A. Manual de fitopatologia: doenças das plantas cultivadas. 4. ed. São Paulo: Ceres, 2005. cap. 69, p. 631-638.

SANTANA, F. M. Sintomas de brusone em espigas de trigo (Imagem). 2014. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/busca-de-noticias/-/noticia/2103461/brusone-do-trigo-e-identificada-em-lavouras-no-noroeste-do-rs> Acesso em 08/08/2021.

SANTANA, F. M. Sintomas de Giberella em espigas de trigo (Imagem). 2014. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/busca-de-imagens/-/midia/1170001/giberela-do-trigo> Acesso em 08/08/2021.

SANTANA, F. M.; LAU, D.; SBALCHEIRO, C. C.; SUSSEL, A. A. B.; GOUSSAIN, R. de C. S.; VENÂNCIO, V. S.; CUSTÓDIO, A. A. de P.; MOREIRA, L. S. Eficiência de fungicidas para controle de brusone de trigo: resultados dos ensaios cooperativos, safra 2019. Passo Fundo: Embrapa Trigo, 2020, 14p. (Circular técnica 55). Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/221153/1/CircTec-Online-55-2021.pdf> Acesso em 07/08/2021.

SISALERT. Sistema de Previsão de Risco de Epidemias de Doenças de Plantas. Disponível em: <https://dev.sisalert.com.br/EWS/> Acesso em 14/08/2021.

VALENT, B. et al. Pyricularia graminis-tritici is not the correct species name for the wheat blast fungus: response to Ceresini et al. (MPP 20:2). Molecular Plant Pathology, v. 20, n. 2, p. 173–179, 2019.

Esse texto é opinião do autor e não reflete, necessariamente, a posição da Agroadvance.

Sobre a autora:

Ísis Tikami

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