Acordo Mercosul-UE: como o tratado afeta o agronegócio brasileiro e gera tensão na Europa

Protestos na Europa e boicotes de marcas como Danone e Carrefour a produtos brasileiros como soja e carne intensificam tensões do acordo Mercosul-UE. Entenda as razões por trás dessas ações e os possíveis impactos desse acordo para o agronegócio brasileiro.
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Sumário

Ao mesmo tempo em que o Acordo Mercosul-UE abre novas portas para o agronegócio brasileiro, ele também está gerando intensas tensões, tanto dentro da União Europeia quanto no próprio Brasil.

Protestos na Europa, boicotes de marcas globais e uma série de impasses políticos revelam o impacto controverso desse tratado.

Mas o que está realmente em jogo para o Brasil e como o setor agrícola pode se beneficiar ou ser prejudicado por ele? Vamos entender os principais pontos desse acordo e as possíveis consequências para a agricultura brasileira.

Acompanhe…

Protestos e Pressão Política na Europa

Entre janeiro e fevereiro de 2024, uma onda de protestos de agricultores europeus agitou vários países, incluindo França, Bélgica, Itália e Alemanha. Bloqueios de estradas e manifestações pedindo mudanças drásticas nas políticas agrícolas europeias ganharam destaque, principalmente com a crescente insatisfação contra o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia, devido às preocupações com as práticas agrícolas brasileiras, especialmente no que diz respeito ao desmatamento e ao uso de defensivos agrícolas.

Em outubro, a Danone cogitou parar de comprar soja brasileira, alegando que o Brasil não estaria cumprindo diretrizes ambientais exigidas pela empresa. Em seguida, o Carrefour fez uma movimentação semelhante ao anunciar, na semana passada, que deixaria de comprar carne do mercado brasileiro, especialmente na França, como forma de se alinhar a uma agenda ambiental mais rígida. Após enfrentar boicotes de frigoríficos brasileiros e uma forte reação pública, a empresa se retratou e pediu desculpas, mas a ação gerou discussões sobre o agronegócio brasileiro.

Todos esses episódios são reflexos de tensões que envolvem o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e UE (União Europeia), um tratado que, ao mesmo tempo em que promete abrir novos mercados, tem alimentado um debate sobre normas ambientais e práticas agrícolas no Brasil.

O que é o acordo Mercosul-UE e por que ele tem gerado tensões na Europa?

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia visa criar uma zona de livre comércio entre os dois blocos, com foco na redução ou remoção de tarifas de importação e exportação, facilitando o comércio de diversos produtos.

A negociação começou em 1999 e o temo foi assinado em 2019, mas até agora não saiu do papel por falta de consenso entre os países membros da União Europeia. Ao longo dos anos, França e outros países da UE se posicionaram contra ou fizeram restrições parciais aos termos.

Os agricultores europeus, especialmente os franceses, são contra o Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e a União Europeia devido a preocupações com a concorrência desleal, normas ambientais e sociais divergentes, e segurança alimentar.

Eles temem que os produtos agrícolas do Mercosul, mais baratos devido aos menores custos de produção (especialmente os brasileiros), possam reduzir a competitividade das mercadorias europeias no mercado europeu.

A agricultura francesa é a maior da Europa Ocidental, e assim como na Bélgica, em Portugal e na Espanha, o setor agrícola do país é fortemente subsidiado. Sem subsídios e expostos à concorrência, eles temem desaparecer.

Além disso, há receios sobre a falta de requisitos ambientais e sociais rigorosos no Mercosul, como o desmatamento na Amazônia e condições de trabalho questionáveis, o que contrasta com as exigências da UE.

A questão da segurança alimentar também é um ponto sensível, com preocupações sobre o uso de substâncias químicas proibidas na produção agrícola sul-americana, como defensivos agrícolas ou hormônios e antibióticos.

Apesar do acordo incluir mecanismos de proteção, como salvaguardas temporárias, muitos agricultores duvidam da eficácia dessas medidas e temem o impacto negativo do aumento das importações, especialmente no setor de carnes.

A forte influência do agronegócio francês na política também contribui para a resistência ao tratado, refletindo as dificuldades em encontrar consenso sobre o acordo.

Expectativa pelo Anúncio do Acordo

Nos últimos dias, enquanto líderes mundiais se reuniam no Brasil para o G20, agricultores franceses protestavam em várias cidades contra o acordo, temendo que ele tornasse os produtos agrícolas do Mercosul, especialmente os do Brasil, mais competitivos no mercado europeu. Durante as manifestações, agricultores bloqueavam estradas e realizavam atos simbólicos, como jogar estrume nas ruas.

A diplomacia brasileira, por sua vez, espera anunciar nas próximas semanas a conclusão das negociações pelo acordo. O ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil, Carlos Fávaro, mencionou recentemente que o governo brasileiro espera anunciar a finalização do acordo durante a reunião da cúpula do Mercosul, marcada para o próximo dia 6 de dezembro.

Pontos Importantes do Acordo Mercosul – UE para o Agronegócio Brasileiro

O acordo entre a UE e o Mercosul traz uma série de benefícios para o Brasil, especialmente para os setores agrícola e pecuário. Alguns dos principais pontos incluem:

  • Isenção de Tarifas: A União Europeia se comprometerá a isentar 82% das importações agrícolas do Mercosul, permitindo uma maior competitividade para os produtos brasileiros. Alguns exemplos de tarifas para produtos brasileiros estão na Tabela 1.

Tabela 1. Tarifas setoriais pré e pós-acordo estimadas para Brasil e União Europeia (Em %)

tarifas aplicadas no acordo mercosul-ue entre brasil e Europa
Fonte: IPEA (2024).

  • Eliminação de Tarifas para Diversos Produtos: Produtos como suco de laranja, frutas, café solúvel, peixes, crustáceos e óleos vegetais terão suas tarifas eliminadas.

  • Preferência para Exportadores Brasileiros: O Brasil terá preferência na venda de carnes bovina, suína e de aves, além de produtos como açúcar, etanol, arroz, ovos e mel.

  • Mecanismo de Salvaguarda: O acordo inclui medidas temporárias caso haja um aumento significativo e inesperado de importações que possa prejudicar produtores locais europeus.

  • Cotas para Alguns Produtos: Carne bovina, de aves, de porco, arroz e mel terão um valor estabelecido por cotas.

  • Redução de Barreiras Sanitárias: O acordo prevê a redução de entraves relacionados a medidas sanitárias e fitossanitárias.

  • Compromisso Ambiental: Ambos os blocos se comprometem a implementar o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, com foco no combate ao desmatamento e na redução das emissões de gases do efeito estufa.

  • Segurança Alimentar e Saúde Animal: A UE garantiu que não haverá mudanças nos padrões de segurança alimentar e saúde animal, o que significa que continuará barrando a entrada de produtos que não atendam aos seus requisitos.

Possíveis Impactos Econômicos na Agricultura Brasileira

O acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, se concretizado, pode trazer benefícios econômicos significativos para o Brasil, especialmente para o setor agrícola.

De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o país seria impactado positivamente com o aumento do PIB, dos investimentos e da balança comercial entre 2024 e 2040. O PIB brasileiro cresceria 0,46%, equivalente a US$ 9,3 bilhões, e os investimentos aumentariam 1,49% (Tabela 2).

Tabela 2. Efeitos macroeconômicos do acordo Mercosul-União Europeia sobre os países/blocos1

Efeitos macroeconômicos do acordo Mercosul-União Europeia sobre os países/
Fonte: IPEA (2024).

Além disso, a balança comercial brasileira registraria um ganho de US$ 302,6 milhões, impulsionado pelo aumento das exportações e pela redução das tarifas de importação.

O agronegócio brasileiro se destacaria como o principal beneficiado, com maior competitividade no mercado internacional. Porém, alguns setores industriais poderiam enfrentar perdas, conforme indicam as projeções do Ipea.

A expectativa é que importantes produções do Brasil como o setor sucroalcooleiro, as frutas (manga, açaí, melão), os grãos e as carnes, seriam os principais beneficiados (VIEIRA et al. 2019)​.

Este cenário oferece um panorama promissor para os produtores brasileiros, especialmente no que diz respeito ao aumento das exportações agrícolas, favorecido pela queda das tarifas de importação e pela expansão das cotas de exportação.

Questões ambientais e desmatamento

O acordo Mercosul-UE tem gerado preocupações significativas do lado Europeu no que diz respeito ao impacto ambiental das práticas agrícolas no Brasil, especialmente no que se refere ao desmatamento e ao cumprimento das normas ambientais internacionais.

Um dos pontos mais polêmicos envolve a preservação da Amazônia e o controle do desmatamento ilegal, questões frequentemente citadas por críticos do acordo, principalmente na União Europeia.

A pressão por uma agenda ambiental mais rigorosa tem aumentado, com diversos grupos europeus, como ONGs ambientais e autoridades políticas, cobrando um comprometimento mais forte do Brasil para reduzir o desmatamento e as emissões de gases do efeito estufa.

Embora o acordo inclua compromissos com a implementação do Acordo de Paris e com a proteção ambiental, muitas dessas ações são vistas com ceticismo por quem teme que o Brasil não cumpra seus compromissos ambientais de forma eficaz.

Além disso, a oposição dos agricultores europeus se concentra na preocupação de que a maior competitividade dos produtos brasileiros – que podem ser produzidos a custos menores, muitas vezes devido a práticas agrícolas mais permissivas no que diz respeito ao uso de agrotóxicos e à preservação ambiental – leve a um aumento das importações de produtos associados ao desmatamento ou que não atendem aos mesmos padrões ambientais exigidos na Europa.

Para o Brasil, o desafio será equilibrar os benefícios econômicos do acordo com o aumento das pressões internacionais por práticas mais sustentáveis. O País tem feito avanços importantes na rastreabilidade de cadeias produtivas, especialmente nas áreas de carne e soja, e que o tratado pode ser uma oportunidade para melhorar ainda mais os padrões ambientais.

O governo brasileiro tem afirmado seu compromisso com a sustentabilidade, mas a falta de uma fiscalização robusta e a necessidade de avanços reais em políticas públicas podem colocar o país em uma posição delicada no cenário internacional.

O sucesso do acordo, portanto, dependerá não apenas da abertura de novos mercados, mas também da capacidade do Brasil de alinhar seu crescimento agrícola com a preservação ambiental.

Cabe ao Brasil demonstrar sua capacidade de equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade, aproveitando o acordo Mercosul-UE como uma plataforma para fortalecer sua presença no cenário internacional. No entanto, a concretização desses benefícios dependerá de uma articulação eficaz entre governo, setor privado e sociedade civil, assegurando que o agronegócio brasileiro não apenas se beneficie economicamente, mas também contribua para um futuro mais sustentável.

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Referência

VIEIRA, P.A.; BUAINAIN, A.M.; CONTINI, E. Impactos do acordo Mercosul-UE sobre a agricultura brasileira. Revista Agroanalysis. v. 39 n. 8, 2019. agosto. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/agroanalysis/article/view/80220. Acesso: 27 Nov. 2024.

Sobre a autora:

Beatriz Nastaro Boschiero

Beatriz Nastaro Boschiero

Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance

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