A agricultura de precisão tem se tornado uma das principais ferramentas na agricultura. A partir do desenvolvimento e ampla utilização das tecnologias relacionadas à agricultura de precisão, como o sensoriamento remoto, sistema de posicionamento global (GPS) e o sistema de informação geográfica (SIG) há melhor aplicabilidade e viabilidade técnica-financeira desses métodos nas áreas de produção (INAMASU; BERNARDI, 2014).
O que é Sensoriamento Remoto e como funciona?
O sensoriamento remoto é utilizado para obtenção de informações de um objeto sem que exista contato físico entre o sensor e o alvo (SHIRATSUCHI et al., 2014; NILSSON, 1995). Portanto, é considerado um método indireto e não destrutivo, uma vez que não é necessário que seja realizada a coleta ou amostragem de nenhuma parte do objeto (e.g. planta) para que dados sejam captados.
O sensoriamento remoto atua auxiliando na captação de dados e produção de imagens, enquanto que o GPS atua no georreferenciamento de modo a localizar exatamente as variáveis a campo, e o SIG na interpretação dos dados obtidos e produção dos resultados finais, como mapas para análise. Assim, com a integração dessas técnicas é possível obter dados suficientes para interpretação (KELLY; GUO, 2007; SHIRATSUCHI et al., 2014).
Existem diversos sensores disponíveis no mercado e, em geral, podem ser divididos quanto a fonte de energia (passivo ou ativo) e em função do tipo do produto (imageadores ou não-imageadores). Em outras palavras, alguns sensores apenas registram a energia eletromagnética refletida ou emitida pelo alvo (passivos), como os satélites e sistemas fotográficos, enquanto que outros sensores possuem fonte própria de energia (ativos), interpretando o fluxo de radiação refletido com base no fluxo de radiação que ele mesmo emitiu (SHIRATSUCHI et al., 2014).
Além disso, os sensores podem gerar imagens da superfície analisada ou apenas gerar dados a respeito do objeto, como a assinatura espectral (espectroradiômetro) e dígitos e gráficos (radiômetros).
Os sensores ativos são os mais modernos, tendo como principais exemplos os sensores ativos de dossel (Greenseeker), LiDAR e o Weedseeker®. Sua utilização tem sido empregada principalmente para leituras e respostas em tempo real, normalmente acoplados nas barras de pulverização ou na cabina do trator. Como exemplo, pode-se ver no vídeo (VÍDEO TRIMBLE) o método de funcionamento do sensor Weedseeker®, da qual o sensor acoplado ao pulverizador é capaz de identificar as plantas daninhas na área e acionar a pulverização.
Nesse caso, o sensor emite uma fonte luminosa própria (luz infravermelha e vermelha) que é refletida pelo alvo no campo e captada pelo sensor, determinando a posição do alvo e acionando a pulverização no momento necessário.
VÍDEO WEEDSEEKER (TRIMBLE)
Por outro lado, a utilização de sensores imageadores, como câmeras e radiômetros multiespectrais ou hiperespectrais também tem sido bastante difundida. Além disso, destaca-se o uso de espectroradiômetros e radiômetros, especialmente na pesquisa, devido à maior precisão dos resultados. Tomando os espectroradiômetros como exemplo, os modelos mais atuais são portáteis e fácil de transportar, facilitando as análises no campo (Figura 1).
O sensor analisa a reflectância do alvo, seja ele o solo ou a planta, por exemplo, a partir da emissão da luz solar, sem emitir, portanto, nenhuma fonte luminosa própria. A partir disso será gerada a curva espectral do objeto com as porcentagens de reflectância em cada faixa do espectro analisada.
Independentemente da plataforma em que é montada (campo, aéreo ou satélites), a espectroscopia possui como princípio e aplicação básica a detecção de diferenças na reflectância. A partir de um fluxo eletromagnético emitido em diversas faixas de ondas ou bandas, há uma interação com o objeto que pode ser manifestada em reflectância, transmitância, absorbância, fluorescência e fosforescência (AHMED et al., 2016).
Os sensores têm a capacidade de detectar a diferença nos valores que foram refletidos pelo objeto (reflectância), gerando dados indicativos quanto suas características físicas (SHIRATSUCHI et al., 2014; AHMED et al., 2016; MAHLEIN, 2016).
Com a presença de drones cada vez mais frequente nas áreas agrícolas do Brasil, a utilização dessa plataforma para captação de dados e imagens tem sido indicada como a mais promissora para o sensoriamento remoto.
Monitoramento de doenças pelo sensoriamento remoto
Um exemplo da aplicação dessas tecnologias é no Manejo Integrado de Doenças (MID), em especial no monitoramento. Apesar de considerado a base para a integração das diferentes táticas e da importância na tomada de decisão, muitas vezes não é empregado pelos produtores pelo fato de ser um processo oneroso e pela facilidade da utilização do produto fitossanitário de forma calendarizada como garantia da produtividade.
Assim, além da possível perda de insumos pode contribuir para seleção de fungos resistentes aos fungicidas, há maior risco de contaminação ambiental e redução da eficácia de controle (GODOY; BUENO; GAZZIERO, 2015).
Por outro lado, com a utilização do sensoriamento remoto no monitoramento de doenças reduz-se o custo e tempo gasto para a amostragem na área, otimizando tanto a capacidade operacional como financeira, além de fornecer dados e informações que não são visíveis ou aparentes. Quanto mais rápido for o monitoramento de doenças e detecção, maior a chance de sucesso do MID.
Identificação de estresses e “assinatura espectral”
A detecção de plantas doentes na área é feita partindo do pressuposto que plantas doentes apresentarão diferentes interações com a radiação eletromagnética em comparação às plantas sadias, sendo necessário, portanto, encontrar o espectro da radiação que explicite melhor essa diferença. No monitoramento de doenças, a condição fitossanitária da cultura é avaliada principalmente com base na identificação do estresse da planta, sendo de grande importância a região do visível ao infravermelho próximo e médio (400–3000 nm) (BAJWA; RUPE; MASON, 2017; KHALED et al., 2018).
Para identificação do estresse da planta, um dos principais pontos a serem analisados é baseado na “assinatura espectral” dos elementos na área (SHIRATSUCHI et al., 2014; KHALED et al., 2018). Cada patógeno pode afetar a estrutura da planta morfo-fisiologicamente, seja por alteração na pigmentação, concentração química de solutos, estrutura celular, balanço de nutrientes, absorção de água e também as trocas gasosas (HATFIELD; PINTER, 1993).
Dessa forma, conhecendo a assinatura espectral proveniente do objeto de estudo em determinadas situações é possível a distinção da ocorrência do mesmo, dando margem a utilização dessa tecnologia para monitorar a sanidade da área. Como exemplo, sabe-se que plantas sadias apresentam baixa refletância da radiação na região do visível e infravermelho médio e alta refletância no infravermelho próximo (HATFIELD; PINTER, 1993; AHMED et al., 2016).
Aliado a isso, foram criados os chamados “índices de vegetação (IV)”, os quais são calculados com base nos valores da refletância. São divididos em: i) índices sensíveis à concentração do pigmento, utilizando as características observadas na faixa do visível e analisando a quantidade de clorofila; e ii) índices sensíveis à estrutura da planta, com a análise das propriedades estruturais pela faixa de espectro infravermelho próximo (SHIRATSUCHI et al., 2014).
Exemplo prático: detecção de ferrugem asiática da soja
No caso da ferrugem asiática da soja (FAS), os sintomas são normalmente visíveis nas folhas do terço inferior da planta com formações de lesões amareladas e em forma de pústulas ou urédias de cor marrom ou bronzeada, principalmente na região abaxial da folha (RUPE; SCONYERS, 2008). Com o progresso da doença, os sintomas são agravados com o aparecimento de mais urédias, evoluindo para desfolha intensa e redução da fotossíntese (KELLY et al., 2015).
Como exemplo, tem-se o trabalho que segue em desenvolvimento pelos autores (Processo FAPESP nº: 2018/26869-0; 2018/26486-0), no qual busca-se a detecção e classificação dos níveis de FAS. Neste trabalho, avaliado a campo com espectroradiômetro (ASD FieldSpec, Analytical Spectral Devices, Boulder, CO, USA), observa-se a diferença nas curvas espectrais dos folíolos sadios e doentes, com presença dos sintomas da doença (Figura 1).
Nesse caso, percebe-se clara distinção das assinaturas espectrais das plantas doentes e sadias, possibilitando a distinção entre os grupos. Portanto, é considerada uma importante ferramenta para implementação nos programas de MID. Nesse trabalho, foi possível obter mais de 90% de acerto na classificação entre folíolos sadios e em diferentes níveis de severidade (doentes).
A partir do momento em que essa diferença é detectada, é possível a classificação da planta entre grupos distintos (sadia x doente) por meio da construção de um modelo de classificação ou detecção das plantas doentes. Normalmente, usam-se modelos estatísticos como análises discriminantes, logísticas e, atualmente, tem-se empregado com maior frequência técnicas avançadas de aprendizagem de máquina, como máquina de vetores de suporte (SVM ou support vector machine), inteligência artificial e redes neurais.
Assim, com a construção do modelo, é possível que os dados obtidos nos monitoramentos periódicos sejam bem interpretados e gerem respostas que darão suporte ao manejo, principalmente quanto às decisões de controle (Figura 2).
É possível encontrar uma extensa lista de estudos com exemplos de doenças de culturas que foram identificadas pelo sensoriamento remoto, juntamente com as metodologias e plataformas utilizadas (MARTINELLI et al. 2015; ALI et al., 2019). Além disso, alguns dos trabalhos reportaram a identificação de doenças previamente ao aparecimento de sintomas visuais. No caso da cultura da soja, o controle prévio ao aparecimento da doença seria de grande importância, principalmente quanto à otimização da tecnologia de aplicação.
Além de evitar o desperdício de fungicidas na pulverização calendarizada, a aplicação em diferentes estádios vegetativos pode influenciar grandemente na penetração e distribuição uniforme da calda de pulverização no dossel da cultura (NEGRISOLI et al., 2019).
Ainda existe grande dificuldade na identificação e separação de diferentes doenças, normalmente sendo possível apenas diferenciar plantas doentes daquelas sadias. Além disso, torna-se necessário o estudo do comportamento espectral da cultura sob condições de ataque do patógeno específico, sendo que para cada doença diferentes reações morfofisiológicas serão expressas pelas plantas. Portanto, tendo conhecimento dos efeitos da doença na planta, é possível construir uma correlação com os valores espectrais obtidos no monitoramento e posterior construção do modelo de predição da doença.
Considerações Finais
Vários são os benefícios do sensoriamento remoto no monitoramento de doenças, auxiliando na redução da mão-de-obra e custos com o monitoramento de doenças e possibilitando a detecção precoce e mapeamento da incidência da doença. Destaca-se também a possibilidade de controle mais eficaz de doenças, atuando logo no início da infecção e na redução do potencial de seleção de patógenos resistentes aos produtos químicos. Além disso, pode-se utilizar os dados para implementar aplicações em taxa variada, para o controle localizado.
Há um grande potencial do uso do sensoriamento remoto como ferramenta para o manejo de doenças e diversas tecnologias estão sendo desenvolvidas para essa finalidade, com eficiência e aplicabilidade já atestadas. Contudo, ressalta-se a necessidade do maior preparo técnico dos produtores e técnicos que irão utilizar essas ferramentas, de modo a entender o processo para manipulação dos equipamentos e interpretação dos resultados, que servirão de base para tomada de decisões. Ademais, o sensoriamento remoto irá se tornar cada vez mais um grande aliado na agricultura e no manejo fitossanitário sustentável.
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Referências
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ALI, M. M.; BACHIK, N. A.; MUHADI, N. A.; YUSOF, T. N. T.; GOMES, C. Non-destructive techniques of detecting plant diseases: A review. Physiological and Molecular Plant Pathology, v. 108, p. 101426.
BAJWA, S.G.; RUPE, J. C.; MASON, J. Soybean Disease Monitoring with Leaf Reflectance. Remote Sensing, v. 9, n. 127, p. 1-14, 2017.
GODOY, C.V., BUENO, A. F.; GAZZIERO, D. L. P. Brazilian soybean pest management and threats to its sustainability. Outlooks in Pest Management, v. 26, p. 113–117, 2015.
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