A ferrugem asiática da soja teve seu primeiro relato no país em 2001 e as condições climáticas brasileiras, junto às grandes áreas de produção de soja, facilitaram o estabelecimento de seu agente causal.
As perdas devido à doença podem ultrapassar 80% da produção (GODOY et al., 2016). Na safra 2018/2019, os custos com o controle da ferrugem no Brasil foram de 2,8 bilhões de dólares (CONSÓRCIO ANTIFERRUGEM).
Etiologia, sintomatologia e ciclo da Ferrugem asiática da soja (Phakospsora pachyrhizi)
A ferrugem asiática é causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, que embora possa infectar outras espécies de leguminosas, tem a soja como principal hospedeiro.
Isso porque a ferrugem é um fungo altamente específico e cada espécie de ferrugem ataca predominantemente uma espécie vegetal. Por exemplo:
- Phakospora pachyrhizi ataca a soja (ferrugem asiática da soja)
- Puccinia polysora ataca o milho (ferrugem comum do milho)
- Puccinia melanocephala e Puccinia kuehnii atacam a cana-de-açúcar (ferrugens da cana)
- Hemileia vastatrix ataca o café (ferrugem do café).
A doença se inicia quando um esporo denominado urediniósporo infecta o tecido foliar sadio. O esporo germina quano há uma lâmina d´´agua na superfície da folha, que pode ser causada por orvalho, chuva ou irrigação. O esporo precisa de pelo menos 6 horas de molhamento para germinar (GODOY et al., 2016).
A germinação dá origem a um tubo germinativo e formação do apressório, que tem função na fixação e entrada do patógeno no tecido vegetal, para posterior colonização. A planta pode ser afetada no período vegetativo e nos estádios reprodutivos.
Os sintomas da doença se iniciam com pontuações um pouco mais escuras que o tecido sadio na face superior das folhas, com a formação de uredínios correspondentes na face inferior (GODOY et al., 2016).
Uredínios são as estruturas onde o fungo irá se reproduzir e também podem ocorrer na face superior das folhas, embora com menor frequência. Os uredínios compõem lesões típicas de aspecto angular, delimitadas pelos feixes vasculares.
A reprodução do fungo origina novos urediniósporos, que são liberados pelo rompimento dos uredínios, formando as pústulas. A esporulação é mais abundante quando um cultivar de soja é mais suscetível ao isolado de P. pachyrhizi que está causando a doença. Neste caso, as lesões formadas são do tipo TAN, de coloração castanha (Figura 1).
Em interações com maior resistência, ocorre menor formação de uredínias e urediniósporos e as lesões, denominadas RB, adquirem cor marrom-avermelhada (reddish-brown) (GODOY et al., 2016).
Em condições de alta severidade da doença, ocorre a queda prematura de folhas. A perda de área fotossintética pela presença de pústulas ou pela desfolha prejudica o enchimento de grãos e reduz a produtividade.
O período de latência deste fungo, que vai da deposição do urediniósporo que causa a infecção até a reprodução do fungo, pode chegar a 6 dias (ALVES; 2007). Em cada pústula, podem ser produzidas centenas de urediniósporos (RUPE; SCONYERS, 2008).
Estes esporos são disseminados pelo vento e embora sua maioria alcance áreas próximas, uma pequena parte pode atingir longas distâncias. Os urediniósporos depositados sobre plantas de soja poderão germinar e dar origem a novas infecções.
Conhecendo um pouco o ciclo deste fungo, podemos imaginar que se tivéssemos tecido sadio de soja sempre disponível, haveria uma epidemia sem fim, onde urediniósporos causariam infecções, levando à formação de mais urediniósporos e assim por diante, dificultando muito o controle da ferrugem asiática.
Era assim no passado e foi visando interromper este ciclo e dificultar a sobrevivência do patógeno que foi implementado o vazio sanitário.
Phakopsora pachyrhizi é um fungo biotrófico, o que significa que necessita da planta hospedeira viva para se desenvolver e reproduzir. Assim, o vazio sanitário permite interromper o ciclo do fungo.
Na ausência de seu principal hospedeiro nos campos de produção, o patógeno terá dificuldades para sobreviver e quando termina o período do vazio e se inicia a semeadura de uma nova safra, haverá menos inóculo no campo.
Desta forma, o início da epidemia será atrasado, resultando em menor número de pulverizações e menores custos de produção.
O vazio sanitário é adotado em 13 estados brasileiros e no Distrito Federal (Figura 4), e sua implementação vem sendo discutida no Rio Grande do Sul.
Mas com janelas de semeadura apertadas após uma boa chuva e extensas áreas para semear, por que aguardar o término do vazio?
Pois bem, além de ter que arcar com as penalidades estabelecidas para o descumprimento da legislação, quem desrespeita o vazio sanitário está colocando em risco sua própria soja e a de outros campos de produção, pois está disponibilizando tecido de soja para Phakopsora pachyrhizi (ferrugem asiática) infectar antes que o inóculo na região tenha sido satisfatoriamente reduzido.
E por que não produzir suas próprias sementes no vazio?
O raciocínio que devemos seguir aqui é o mesmo. Com soja no campo permitimos que os ciclos do fungo continuem a ocorrer, colocando em risco a soja safra seguinte.
Mais inóculo no campo: maiores riscos para o futuro
Um agravante para o cenário em que o vazio sanitário não é respeitado está no fato de que sem o atraso das epidemias, que seria decorrente da prática, o fungo tem a oportunidade de desenvolver mais ciclos no campo. E, quanto maior o número de ciclos, maior a probabilidade de surgimento de isolados com resistência a fungicidas, ou que sejam capazes de driblar as resistências genéticas presentes em alguns cultivares.
Assim, a vida útil das tecnologias disponíveis pode ser reduzida e uma solução eficaz para a produção de soja poderá não estar prontamente disponível ou ainda, onerar muito os custos de produção.
A ferrugem asiática da soja é uma doença com alto potencial destrutivo e não queremos, de forma figurativa nem literal, pagar para ver como pode ficar a produção brasileira de soja com um manejo ineficiente da ferrugem.
Controle além do vazio sanitário
A escolha de cultivares com genes de resistência e ou de ciclo precoce quando possível, a aplicação de fungicidas recomendados de diferentes grupos químicos (disponíveis comercialmente em misturas) de forma preventiva e na detecção do início dos sintomas são medidas que devem ser adotadas em conjunto com o vazio sanitário para o controle da ferrugem asiática da soja.
Considerações finais
O respeito ao vazio sanitário não é apenas o cumprimento de uma medida legislativa, é zelar pela fitossanidade de sua lavoura e pelo futuro da soja no país. É também zelar pela segurança alimentar, pelo meio ambiente e pela redução dos custos de produção. Só assim controlaremos com eficiência a temida ferrugem asiática da soja.
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Referências
ALVES, M. C.; POZZA, E.A.; FERREIRA, J.B.; ARAUJO, D.V.; COSTA, J.C.B.; DEUNER, C.C.; MUNIZ, M.F.S.; ZAMBENEDETTI, Z.B.; MACHADO, J.C. Intensidade da ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi H. Sydow & P. Sydow) da soja [Glycine max (L.) Merr.] nas cultivares Conquista, Savana e Suprema sob diferentes temperaturas e períodos de molhamento foliar. Summa phytopathol. v.33, n.3, p.239-244. 2007. https://doi.org/10.1590/S0100-54052007000300005.
CONSÓRCIO ANTIFERRUGEM. Custo ferrugem, informações sobre a ocorrência da ferrugem-asiática e perdas pela doença nas safras de soja. Disponível em: <https://acacia.cnpso.embrapa.br:8080/cferrugem_files//764411951/Tabela_resumo_ferrugem_atual.pdf> Acesso em 29/07/2020.
EMBRAPA SOJA. Períodos de vazio sanitário. Disponível em: <https://www.embrapa.br/documents/1355202/1529289/PERIODO_VAZIO-SANITARIO_2019.pdf/ccef4018-2e63-0532-8949-6e1daf7c8723> Acesso em 27/07/2020.
GODOY, C.V.; ALMEIDA, A.M.R.; COSTAMILAN, L.M.; MEYER, M.; DIAS, W.P.; SEIXAS, C.D.S.; SOARES, R.M.; HENNING, A.A.; YORINORI, J.T.; FERREIRA, L.P.; SILVA, J.F.V.; Doenças da soja. In: AMORIM, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN FILHO, A.; CAMARGO, L.E.A. (Org.). Manual de Fitopatologia: v. 2. Doenças das Plantas Cultivadas. 5. ed. São Paulo: Ceres, p. 657- 675, 2016.
RUPE, J.; L. SCONYERS, L.. Soybean Rust. The Plant Health Instructor. 2008. https://doi.org/10.1094/PHI-I-2008-0401-01
Sobre a autora:
Atualizado por:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)