A cana-de-açúcar é uma cultura de destaque duplo no cenário agrícola do Brasil. Além da produção de açúcar, há também a produção de etanol e energia em geral, sendo a base do setor sucroenergético do país.
Embora o Brasil seja o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo, esta produção poderia ser ainda mais expressiva se não fosse a perda de cerca de 30%,em decorrência do ataque de insetos-praga nos canaviais.
Dentre estes, a cigarrinha da cana, também conhecida por cigarrinha-das-raízes, ou, ainda, pelo seu nome científico Mahanarva fimbriolata, é capaz de ocasionar perdas de até 60% na produtividade da cultura e na qualidade industrial desta importante matéria-prima.
A lista de danos oriundos do ataque das cigarrinhas à cultura da cana-de-açúcar é extensa! Mas a boa notícia é que, com o monitoramento adequado e conhecimento dos métodos de controle, você pode manejar as populações deste inseto sugador e proteger o seu canavial de forma mais eficiente.
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Conheça o alvo (cigarrinha-da-cana) e saiba como encontrá-lo
Mahanarva fimbriolata é uma espécie de cigarrinha pertencente à família Cercopidae, ordem Hemiptera. Se tratando, portanto, de um inseto sugador, que ataca folhas e colmos, não somente de plantas de cana-de-açúcar, mas também de milho ede outras gramíneas.
A identificação da cigarrinha-das-raízes é fácil e rápida, uma vez que as ninfas deste inseto-praga são capazes de produzir uma espuma esbranquiçada bastante característica ao se alimentarem dos colmos. Desta forma, basta localizar e monitorar o desenvolvimento da espuma, cuja aparência é de uma espuma de sabão densa, localizada na base das touceiras (Figura 1).
A espuma nada mais é do que uma mistura de líquido, derivado da própria seiva da cana, ar, moléculas de ácidos esteárico e palmítico, carboidratos e proteínas, suficientes para a redução da tensão superficial e, consequente formação de emulsões. As ‘bolhas’ produzidas pelas ninfas da cigarrinha atuam como um potente isolante térmico, permitindo que o inseto se desenvolva em uma temperatura ideal.
Apenas em condições climáticas favoráveis a cigarrinha-das-raízes será capaz de produzir espuma e completar o seu ciclo de vida no canavial. Assim, essa espécie tem maior ocorrência em períodos úmidos, uma vez que a falta de umidade será prejudicial à formação da espuma, levando à morte das ninfas. A infestação do canavial, geralmente, se inicia juntamente com o período chuvoso da região na qual o canavial está localizado.
A cigarrinha-da-cana é encontrada, praticamente, em todas as regiões canavieiras do Brasil. Entretanto, incidência da praga tem sido maior no estado de São Paulo, devido ao aumento de áreas de colheita de cana crua.
Sem as queimadas, há um acúmulo de palha no canavial, o que favorece a manutenção da umidade e o surgimento de um microclima úmido que leva ao aumento populacional de Mahanarva fimbriolata nos cultivos. Assim, o produtor deve ficar sempre atento ao aparecimento da espuma e outros sinais que podem identificar a presença de cigarrinhas.
Vejamos abaixo mais características do ciclo de vida da cigarrinha-da-cana que também podem indicar a presença desta praga no canavial:
Ciclo de vida da cigarrinha-da-cana
O ciclo de vida da cigarrinha-da-cana tem uma duração média de 80 dias, que compreendem as suas três fases de desenvolvimento (ovo-ninfa-adulto).
A fêmea da cigarrinha deposita os seus ovos em bainhas secas ou sobre o solo, nas áreas circundantes do colmo da planta. A oviposição média de uma fêmea é de 340 ovos.
O período de incubação dos ovos é de 15 a 20 dias. Contudo, períodos com baixo índice pluviométrico podem acarretar em uma parada prolongada do desenvolvimento da praga, ou seja, levam à diapausa. Quando as condições ambientais tornam a ser favoráveis, os ovos voltam a ser ativos e o desenvolvimento continua.
Ao eclodirem dos ovos, as ninfas se fixam nas raízes e radicelas das plantas e iniciam a sucção da seiva, permanecendo de 20 a 70 dias nesse local. Durante este período, iniciam a secreção da espuma. Em sequência, as ninfas continuam a se desenvolver e passam por cinco ecdises até atingirem a idade adulta.
A cigarrinhas adultas medem entre 11 e 13 milímetros e as fêmeas são ligeiramente maiores que os machos. Além disso, as fêmeas apresentam coloração mais escura, tendendo ao marrom-avermelhando, enquanto os machos possuem uma tonalidade avermelhada mais vibrante e possuem faixas longitudinais pretas (Figura 2).
Na fase adulta, as cigarrinhas apresentam pernas saltatórias, facilitando o seu deslocamento no canavial. Também apresentam asas completamente desenvolvidas, contudo, voam apenas distâncias curtas para se dispersarem na área. Além disso, essas características permitem que o inseto se movimente das raízes para a parte aérea das plantas atacadas, passando a se alimentar das folhas e colmos.
Este comportamento e as características morfológicas apresentadas são cruciais na diferenciação da cigarrinha-das-raízes de outra espécie, do mesmo gênero: Mahanarva posticata, a cigarrinha-das-folhas. Ambas atacam os canaviais. Entretanto, a cigarrinha-das-folhas ocasiona danos mais evidentes à parte aérea das plantas e ocorre, principalmente nos canaviais da Região Nordeste do Brasil.
Distribuição geográfica da praga
A cigarrinha-da-cana está amplamente disseminada no Caribe e nas Américas. O primeiro registro de ocorrência de Mahanarva fimbriolata publicado no Brasil, notifica a espécie no município de Angatuba, São Paulo, quando ainda era referida pelo seu antigo nome científico: Tomaspis spp.
Apesar de possuir severa ocorrência no Estado de São Paulo, a distribuição geográfica da cigarrinha-da-cana abrange os Estados de Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Amazonas, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Bahia, Sergipe, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.
Danos causados pela cigarrinha
Os danos decorrentes do ataque da cigarrinha-da-cana no canavial podem ser diretos e indiretos ao longo da safra de cultivo. Ainda na fase de ninfa, as cigarrinhas já começam a provocar prejuízos à cultura. Confira abaixo como os danos se iniciam até as injúrias mais severas:
- Buscando por alimento, as ninfas da cigarrinha perfuram as raízes e acabam liberando saliva, rica em substâncias tóxicas para a planta, durante este processo;
- Após a perfuração, os tecidos radiculares podem começar a necrosar e, os vasos condutores (xilema e floema), a desidratar, comprometendo o fluxo de água e nutrientes para a parte aérea das plantas;
- Os colmos da cana-de-açúcar ficam ocos e podem rachar, reduzindo em espessura (afinamento dos colmos);
- As ninfas continuam seu desenvolvimento e, ao atingirem a idade adulta, com o completo desenvolvimento do aparelho bucal picador-sugador, as cigarrinhas passam a sugar a seiva dos colmos e das folhas, especialmente as mais novas;
- As cigarrinhas adultas também liberam toxinas ao se alimentarem, prejudicando ainda mais o desenvolvimento das plantas;
- As toxinas da saliva, ao atingirem as folhas, causam injúrias conhecidas como a “queima da cana-de-açúcar”, caracterizada pela presença de manchas amareladas nas folhas que, com o tempo, se tornam vermelho-alaranjadas e, depois, opacas;
- A “queima” das folhas reduz a capacidade fotossintética das plantas, consequentemente, diminuindo o nível de sacarose presente nos colmos;
- A contaminação dos tecidos vegetais, ainda, favorece a colonização da parte da planta atacada por microorganismos oportunistas, ocasionando a deterioração destes: passam a apresentar um aspecto pútrido e coloração escura;
- Além disso, Mahanarva fimbriolata pode, ainda, ser um inseto vetor para o agente causal da escaldadura-das-folhas, a bactéria Xanthomonas albilineans.
Como podemos notar, a cigarrinha-das-raízes é responsável por diversos danos no canavial, comprometendo não apenas a produtividade, mas também o rendimento industrial durante o processamento da cana colhida. Confira abaixo as consequências destes danos para a produtividade da cultura:
- Redução considerável de até 30% do teor de sacarose presente na cana-de-açúcar;
- Redução do valor Brix (indicativo do teor de açúcares no caldo da cana-de-açúcar);
- Encurtamento de entrenós, brotação de gemas laterais;
- Maior quantidade de colmos mortos e murchos, afetando o processo de moagem da cana;
- A cana colhida apresenta mais compostos fenólicos, interferindo no processo de fermentação para a produção de álcool, além de alterar a cor do açúcar;
- Alto teor de contaminantes, inibindo a fermentação e;
- Maior teor de fibras nos colmos como resposta ao ataque da praga, gerando um menor aproveitamento da colheita.
Monitoramento da cigarrinha-da-cana
É importante que o monitoramento da cigarrinha-da-cana comece no início do período chuvoso, perdurando durante todo o período de infestação.
O inseto-praga é monitorado através da contagem de ninfas nas raízes das plantas por metro linear a partir de dois a quatro pontos por hectare. Cada ponto deve ter dois metros lineares. O nível de dano econômico (NDE) é de 10 ninfas por metro linear de sulco e um adulto de cigarrinha por cana. Já o nível de controle (NC) é de 5 ninfas por metro e 0,5 – 0,75 adultos por cana.
O NDE e NC podem variar, a depender do pólo de produção de cana-de-açúcar. Algumas pesquisas têm sido desenvolvidas a fim de determinar se a utilização de armadilhas adesivas amarelas é adequada ao monitoramento das populações de cigarrinhas em canaviais, permitindo determinar o aparecimento da praga no canavial. Entretanto, a armadilha determina a ocorrência defasada em cerca de 30 dias em relação à população inicial de ninfas.
Métodos de controle da cigarrinha-da-cana
Após a tomada de decisão, o controle das cigarrinhas no canavial pode ser realizado a partir de três métodos, são eles:
1. Controle cultural
Baseia-se em práticas ligadas ao ambiente de cultivo, ou seja, tornar a área menos atrativa para a cigarrinha, como por exemplo, através da retirada da palhada e exposição do solo, aumentando a temperatura do local e reduzindo a umidade que favoreceria o desenvolvimento das ninfas da praga. Além disso, a destruição da palhada é considerada uma prática eficiente para diminuir o número de ovos de cigarrinhas no solo.
Além disso, é recomendado evitar o plantio direto em áreas com histórico de ocorrência de infestações, uma vez que, caso o local esteja infestado, o revolvimento do solo contribuirá com o controle das cigarrinhas. O plantio de variedades resistentes como a variedade SP79-1011 ao invés de variedades suscetíveis (por exemplo, RB 72454, RB85-5336, RB85-5536, SP70-1816, SP80-1842 e SP81-3250) também é uma prática aconselhada.
2. Controle químico
Consiste no método mais utilizado para o controle de Mahanarva fimbriolata em áreas extensas de cultivo. O produto a ser utilizado depende da fase alvo da praga que se deseja controlar. Para o controle de ninfas, pode-se optar por produtos à base tiametoxam ou carbofurano granulados. Já para os insetos adultos, recomenda-se a pulverização de inseticidas seletivos aos inimigos naturais presentes no canavial.
O inseticida etiprole também tem sido utilizado nas últimas safras para controlar a cigarrinha-da-cana. Por se tratar de um inseticida de contato e ingestão, pode controlar ninfas e adultos com rápido efeito de choque e longo efeito residual.
É fundamental que seja realizada a rotação de diferentes mecanismos de ação ao se adotar o controle químico, evitando o surgimento de populações resistentes de cigarrinhas aos inseticidas disponíveis no mercado.
3. Controle biológico
O controle biológico tem sido bastante citado como um método de controle eficiente de cigarrinhas em canaviais. Tem sido realizado a partir da aplicação do fungo entomopatogênico Metarhizium anisopliae, capaz de colonizar ninfas e adultos da praga (Figura 3).
Uma dose de 200 gramas do fungo por hectare é recomendada para um volume de calda de 250 litros de água/ha. Entretanto, o sucesso da utilização de fungos entomopatogênicos requer alguns cuidados, como: aplicação realizada em períodos com temperaturas mais amenas, entre 25 e 27 °C, umidade relativa do ar mínima de 60% e uso de produto microbiológico de qualidade. Além disso, aplicar sempre em períodos de elevada umidade seguidos de períodos de veranico.
Como a ocorrência da cigarrinha está ligada ao início do período chuvoso e, portanto, de umidade elevada, o controle biológico com o uso de produtos microbiológicos pode ser estrategicamente posicionado.
Pesquisas têm sido desenvolvidas para a seleção de isolados de Metarhizium anisopliae mais virulentos e produtivos para o manejo de Mahanarva fimbriolata, garantindo uma maior eficiência de uso. Além disso, a época e forma de aplicação (como, por exemplo, aplicação aérea) ideais também têm sido estudadas.
Estudos sugerem que, para o Estado de São Paulo, de uma a duas aplicações durante os meses de outubro e novembro, em um intervalo de concentração de 5 x 1012a 1 x 1013 de conídios de fungo/grama de arroz esporulado, após as 16:00 h, para evitar a incidência de raios solares durante aplicação, são mais eficientes do que aplicações tardias, pois reduziu a taxa de desenvolvimento de populações iniciais da praga no canavial.
Além da utilização de inimigos naturais de forma aplicada, a preservação dos inimigos naturais já presentes no canavial é de extrema importância. A mosca Salpingogaster nigra, predador natural das ninfas de cigarrinha, e o parasitoide de ovos Anagrus urichi, são exemplos de agentes de controle biológico de ocorrência natural em cultivos de cana-de-açúcar.
Conclusões
Alguns gargalos ainda precisam ser solucionados para a otimização do manejo da cigarrinha-da-cana. Há uma preocupação crescente com as baixas taxas de controle alcançadas com as moléculas inseticidas comumente utilizadas.
Novos produtos têm sido lançados com indicação de uso para o início das chuvas, visando controlar a primeira geração da praga, minimizando os riscos com as próximas gerações e trazendo a esperança de um controle mais eficiente para as safras futuras.
Inseticidas sistêmicos, de contato e ingestão, são promissores no controle das ninfas e adultos da cigarrinha-das-raízes. Alguns atributos interessantes podem ser alcançados com a utilização de produtos mais modernos, como a ação sobre populações de cigarrinha de difícil controle e a seletividade a agentes de controle biológico já utilizados na cultura da cana-de-açúcar, como as vespas parasitoides Trichogramma galloi e Cotesia flavipes e, o fungo-verde Metarhizium anisopliae.
É esperado que as práticas de manejo de cigarrinha-da-cana se consolidem e se integrem cada vez mais em um futuro próximo, favorecendo a otimização da eficiência de controle deste importante inseto-praga dos canaviais brasileiros.
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Referências
Agro Bayer. Conheça o ciclo de vida da cigarrinha das raízes. Blog Agro Bayer. Disponível em: <https://www.agro.bayer.com.br/conteudos/conheca-o-ciclo-de-vida-da-cigarrinha-das-raizes>. Acesso em: 24 jul. 2024.
ALMEIDA, J. E. M.; BATISTA FILHO, A.; SANTOS, A. S. Avaliação do Controle Biológico de Mahanarva fimbriolata (Hom., Cercopidae) com o Fungo Metarhizium anisopliae em Variedades de Cana-de-açúcar e diferentes Épocas de Corte. Arquivos do Instituto Biológico, v. 70, n. 1, p. 101-103, 2003.
BINI, A. P.; SERRA, M. C. D.; PASTORE, I. F.; BRONDI, C. V.; CAMARGO, L. E. A.; MONTEIRO-VITORELLO, C. B.; … & CRESTE, S. Transmission of Xanthomonas albilineans by the spittlebug, Mahanarva fimbriolata (Hemiptera: Cercopidae), in Brazil: first report of an insect vector for the causal agent of sugarcane leaf scald. Journal of Insect Science, v. 23, n. 6, p. 28, 2023. DOI: 10.1093/jisesa/iead116.
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Sobre a autora:
Gabryele Silva Ramos
Doutoranda em Entomologia (ESALQ/USP)
- MBA em Marketing (ESALQ/USP)
- Mestre em Proteção de Plantas (UNESP/Botucatu)
- Engenheira Agrônoma (UFV)