A adubação foliar é uma alternativa interessante de complemento da adubação via solo, principalmente pensando no fornecimento de micronutrientes (e por vezes até macronutrientes), que na maioria das vezes precisam ser distribuídos em pequenas quantidades no talhão.
Mais recentemente, ela tem sido vista como uma estratégia produtiva no sentido de reduzir mitigar estresses e favorecer os processos fisiológicos da planta que se revertam em ganho de produtividade, como reduzir impactos por estresse hídrico, por exemplo.
Nesse artigo veremos como a adubação foliar vem sendo trabalhada na cana-de-açúcar no Brasil de 3 modos principais: para favorecer o acúmulo de sacarose, para mitigar estresses abióticos e para busca de equilíbrio nutricional.
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O que é adubação foliar? Uso como estratégia produtiva
Em função das exigências nutricionais das culturas (extração e exportação de nutrientes) e do teor nutricional do solo são calculadas as quantidades de nutrientes necessárias para adubação de cada cultura.
A maior parte dos nutrientes requeridos devem e são aplicados via solo, sendo absorvidos pelo sistema radicular das plantas, órgão especializado para desempenhar tal função. Afertilização foliar é um suplemento ou complemento da adubação realizada via solo.
No passado, as expectativas de produção das culturas eram menores e por isso era relativamente fácil atender a demanda nutricional somente com a adubação via solo.
Com a evolução do sistema produtivo, construção do perfil de solo e desenvolvimento de cultivares mais modernos, novas alternativas de manejo passaram a ser adotadas na adubação.
A fertilização foliar deixa de ser apenas um complemento da adubação via solo e passa a ser adotada como uma estratégia de manejo para maximizar a produtividade das culturas e minimizar alguns impactos negativos que a planta tem ao longo do ciclo produtivo, principalmente em canaviais bem manejados.
Ou seja, a adubação foliar passa a ser utilizada para favorecer processos fisiológicos da planta que dependem, principalmente, de micronutrientes, com o intuito de reverter isso em ganho de produtividade, seja em toneladas de colmo ou de sacarose.
Antes de discutirmos os aspectos importantes do manejo é importante revisitarmos um conceito evolutivo das plantas: a diferença de absorção de nutrientes pelas raízes e pelas folhas. Só assim poderemos entender alguns aspectos importantes que envolvem a absorção foliar de nutrientes.
Vejamos isso a seguir.
Qual a diferença entre a absorção radicular e absorção foliar?
As raízes são a boca da planta. O sistema radicular das plantas foi evolutivamente desenvolvido para captar os nutrientes essenciais para o desenvolvimento das plantas.
Diversas estratégias são utilizadas pelas raízes para aumentar a captação de nutrientes, como:
- exsudação de ácidos orgânicos,
- aumento dos pelos radiculares,
- aumento ou modificação da arquitetura do sistema radicular para explorar maior volume de solo, entre outros.
Por isso a maior parte dos nutrientes, principalmente os macronutrientes, devem ser fornecidos via solo.
A folha, por sua vez, foi desenvolvida com as funções principais de captar radiação solar para fotossíntese e não perder água.
O nutriente fornecido via adubação foliar poderá ser absorvido por:
- Ferimentos,
- Hidatódios (estruturas responsáveis pela gutação),
- Estômatos (presente na face abaxial – ou debaixo – da folha) e
- Poros cuticulares (aberturas entre uma placa cuticular com outra placa cuticular).
Veja como ocorre o processo de absorção foliar do nutriente.
A folha não é adaptada para a absorção de nutrientes, portanto, o desafio para promover a internalização do nutriente é muito maior.
Ao longo dos anos a adubação foliar evoluiu e graças ao uso de surfactantes e umectantes, se tornou mais fácil internalizar esse nutriente até o mesofilo foliar, onde irá exercer suas funções metabólicas e fisiológicas.
Ainda assim, muitos fatores influenciam na eficiência da absorção foliar, como umidade do ar, condições de crescimento da planta, fonte utilizada, espalhamento da gota no momento da pulverização, entre outros.
A mobilidade do nutriente no floema é um aspecto importante a ser considerado (Tabela 1). Isso porque com a absorção foliar eles serão utilizados localmente, sendo redistribuídos via floema na planta.
Tabela 1. Classificação dos nutrientes quanto a sua mobilidade no floema
Fonte: Fernández et al. (2013).
Nutrientes com alta mobilidade no floema são facilmente redistribuídos na planta em caso de demanda nutricional. Assim é mais fácil adotar a adubação foliar como estratégia.
Por outro lado, nutrientes com baixa mobilidade, como cálcio, boro e manganês precisam de atenção especial, uma vez que eles não serão redistribuídos na planta se fornecidos via foliar.
Por isso mais de uma aplicação pode ser necessária para atender a demanda no ponto de máxima exigência pela cultura quando o nutriente é imóvel no floema.
Modalidades
A adubação foliar, pode ser feita com base em 5 preposições, de acordo com Crusciol (2022):
- Adubação foliar corretiva: para corrigir alguma deficiência nutricional detectada na planta. Na prática é muito difícil de se realizar no canavial, devido ao tempo entre a detectação, diagnóstico e correção do problema em uma mesma safra.
- Adubação foliar substitutiva: substituindo toda a adubação via solo – muito difícil de se realizar para a cana-de-açúcar, principalmente para os macronutrientes pois não é possível nem viável suprir toda a quantidade requerida pela planta via foliar.
- Adubação foliar preventiva: quando se sabe que a quantidade de nutriente disponibilizada pelo solo não será suficiente para atender a demanda da planta (exemplo: Boro em período de altas demandas).
- Adubação foliar complementar: parte dos nutrientes (normalmente os macronutrientes) são fornecidos via solo e o restante (micronutrientes, mas também pode incluir macronutrientes) são fornecidos via foliar em períodos de maior exigência. É uma das modalidades mais utilizadas para a cana-de-açúcar no país.
- Adubação foliar estimulante e para o equilíbrio nutricional: os nutrientes (possivelmente utilizados junto com aminoácidos e/ou hormônios vegetais) são utilizados para estimular o crescimento vegetativo ou o acúmulo de sacarose na planta; ou, ainda, para reestabelecer o equilíbrio nutricional da planta (a planta não está deficiente, mas apresenta um desequilíbrio entre os nutrientes). Também é uma modalidade que vêm despertando interesse no setor canavieiro.
Adubação foliar na cana-de-açúcar
E o que está sendo feito no Brasil hoje em termos de adubação foliar na cana-de-açúcar?
De acordo com Crusciol (2022), hoje, no Brasil, os manejos mais adotados são:
- Aplicação de nutrientes para o crescimento vegetativo e aplicação de nutrientes para o acúmulo de sacarose.
- Adubação para mitigar estresses abióticos (principalmente déficit hídrico que ocorre entre os meses de abril a junho na maior parte das regiões produtoras de cana-de-açúcar).
- Adubação para buscar e equilíbrio nutricional das plantas, principalmente em áreas de vinhaça.
Adubação foliar complementar para o crescimento vegetativo e acúmulo de sacarose
Nessa modalidade a adubação via folha é utilizada como complemento da adubação via solo.
O objetivo é disponibilizar uniformemente as pequenas quantidades dos nutrientes no talhão de acordo com época de maior demanda da planta.
A ideia é que se promova o crescimento vegetativo e o acúmulo de sacarose pela cana-de-açúcar.
Quais nutrientes são fornecidos? E Quando eles devem ser fornecidos?
De acordo com Crusciol (2022) os principais nutrientes fornecidos são os micronutrientes (B, Cu, Mn, Zn, Ni).
Ainda assim alguns macronutrientes como N, P e Mg também são uma opção interessante de adubação foliar (Figura 1).
Figura 1. Possíveis nutrientes aplicados na cultura da cana-de-açúcar, de acordo com a etapa de crescimento da cultura. Fonte: Crusciol (2022).
Pensando no acúmulo de sacarose na planta também podemos adotar a estratégia de utilizar micronutrientes, uma vez que eles são essenciais em vários processos envolvidos no acúmulo de sacarose (Figura 2).
Figura 2. Nutrientes envolvidos com o acúmulo de sacarose na planta. Fonte: Crusciol (2022).
Adubação foliar para mitigar estresses
O uso de aminoácidos e/ou hormônios em conjunto com nutrientes para mitigar os estresses vegetais é uma estratégia cada vez mais adotada à medida que o manejo da cultura é aprimorado.
De acordo com Crusciol (2022), este manejo tem o intuito de potencializar o crescimento da planta e pode ajudar a reduzir o estresse abiótico causado por altas temperaturas e veranicos, por exemplo.
Os micronutrientes são essenciais para ajudar no estresse oxidativo da planta quando ela passar por algum tipo de estresse, como o déficit hídrico, por exemplo.
A falta de água interfere no transporte de nutrientes e na atividade metabólica da planta, resultando na produção excessiva de espécies reativas de oxigênio (EROs) que desencadeiam uma série de estresses.
Isso ocorre porque a água desempenha um papel importante no equilíbrio e na regulação das reações químicas dentro das células.
O déficit hídrico leva à diminuição da atividade rubisco (enzima responsável pela fixação CO2) e ao fechamento dos estômatos, diminuindo assim a entrada de CO2 na planta.
Essas condições desencadeiam uma série de reações metabólicas que aumentam a produção de EROs, como a transferência de elétrons desequilibrada na cadeia respiratória mitocondrial e o aumento da atividade de enzimas oxidativas.
O aumento das EROs causa danos às biomoléculas, como lipídios, proteínas e ácidos nucleicos, levando a um estado de estresse oxidativo na planta.
Esses danos podem afetar a integridade das membranas celulares, a estrutura e a função das proteínas e até mesmo o material genético das células.
Para combater os efeitos do estresse oxidativo, as plantas possuem sistemas antioxidantes próprios: enzimas capazes de combater as EROS.
Tais enzimas antioxidantes, como a superóxido dismutase (SOD), a catalase (CAT) e a peroxidase (POX), ajudam a neutralizar as EROs e minimizar os danos causados por elas. E os micronutrientes são fundamentais para o funcionamento dessas enzimas.
Vejamos abaixo quais os nutrientes estão envolvidos na ativação das enzimas do metabolismo do estresse oxidativo da planta:
Tabela 2. Nutrientes relacionados com enzimas ou compostos que participam do estresse oxidativo das plantas. Fonte: Crusciol (2022)
Enzima | Função | Nutriente |
Catalase | 2 H2O2 —> 2 H2O + O2 | Fe, Zn |
PEPcase (C4) | Antioxidante | K, Mg, Mn |
SOD | 2O2– + 2H+ —> H2O2 + O2 | Mg, P |
ATPase | Síntese de ATP | K, Mg, Mn, Ca, Fe |
APX | Antioxidante | Fe, B, P |
Glutationa redutase | Antioxidante | K, Mg, Mn |
Sintetase do Triptofano | Triptofano | Zn |
Portanto, a utilização de micronutrientes previamente a um período de seca pode ajudar a planta a passar pelo período de déficit hídrico.
Adubação foliar para equilíbrio nutricional da planta
Um exemplo de adubação foliar visando estabelecer o equilíbrio nutricional é a adubação com magnésio em áreas de vinhaça.
Áreas com grande aplicação de vinhaça (áreas de sacrifício) sofrem com problemas nutricionais de magnésio e boro, devido ao excesso de potássio no solo.
Nesses locais, a utilização desses nutrientes (Mg e B) antes da colheita (de 35 a 50 dias antes da colheita) juntamente com maturador, por exemplo, podem exercer uma ação bioquímica e ajudar no metabolismo de sacarose da planta (Crusciol, 2022).
Em que condições a adubação via folha não deve ser realizada no canavial?
Existem algumas condições em que a fertilização foliar não deve ser realizada na cana-de-açúcar. Acompanhe a resposta do Professor Dr. Crusciol, um dos professores dos nossos cursos, em quais são essas condições em que não devemos realizar a adubação foliar no canavial
Cuidados na escolha da fonte: quais são os adubos foliares?
Como comentamos previamente, muitos fatores influenciam na eficiência da absorção foliar e um dos mais relevantes é a fonte utilizada.
Isso ocorre devido ao chamado ponto de deliquescência (POD), que é o teor de umidade relativa do ar a partir do qual o sal se torna um soluto, originando uma solução na superfície das folhas das plantas.
Ou seja, o ponto de deliquescência indica a umidade relativa do ar em que a gota permanece no estado líquido ou no estado sólido – e isso, consequentemente, influencia a quantidade de nutrientes que é absorvida ou internalizada pela folha.
Resumidamente, podemos dizer que quando a umidade relativa do ar está acima do POD, o resíduo de sal presente na cutícula da folha se dissolve e o nutriente está passível de “absorção”, enquanto quando a umidade do ar cai abaixo do POD a penetração do nutriente na folha cessa.
O ponto de deliquescência depende da fonte – cada fonte de nutriente tem o seu (Figura 1). Por isso esse fator deve ser sempre um ponto de atenção no momento da escolha da fonte a ser utilizada para adubação foliar.
Vejamos um exemplo para o Magnésio (Figura 1). A fonte sulfato de magnésio possui ponto de deliquescência (POD) de 90%.
Isso significa que em umidade relativa acima de 90% o nutriente se encontra em solução numa fase líquida sendo capaz de penetrar no tecido foliar.
Por outro lado, em umidade relativa abaixo de 90% o nutriente permanece na fase sólida, sendo incapaz de penetrar no tecido foliar.
Para o nitrato de magnésio e cloreto de magnésio observa-se um valor de POD de 56% e 33%, respectivamente.
Figura 1. Ponto de deliquescência (POD) de vários sais. Fonte: Fernández et al. (2013).
Considerando uma umidade relativa do ar de 45%, por exemplo, somente a fonte cloreto de magnésio estaria na forma líquida – passível de absorção foliar. Para as fontes sulfato e nitrato de magnésio a POD indicam que o nutriente estaria na forma sólida.
Assim, é preciso atenção na hora de escolher a fonte a ser utilizada na via foliar.
Conclusões
A adubação foliar na cana-de-açúcar vem sendo trabalhada, principalmente em canaviais que são bem manejados.
O intuito é buscar o aumento de crescimento vegetativo e acúmulo de sacarose; a mitigação de estresse abióticos, principalmente devido ao déficit hídrico; ou estabelecer o reequilíbrio nutricional das plantas em condições de desequilíbrios nutricionais.
Para isso é fundamental entender quais nutrientes participam desses processos nas plantas e em que épocas eles são requeridos. Isso será um diferencial para os produtores que realizam o manejo nutricional de forma adequada e querem otimizar os seus rendimentos produtivos.
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Referências
CRUSCIOL, C.A.C. Adubação foliar em cana-de-açúcar. Aula ministrada no Curso Expert cana-de-açúcar da Agroadvance. 2022.
FERNÁNDEZ, V.; SOTIROPOULOS, T.; BROWN, P. Foliar Fertilization: Scientific Principles and Field Practices. International Fertilizer Industry Association. Paris, 2013. 140 p. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/235609131_Foliar_Fertilization_Scientific_Principles_and_Field_Pratices/. Acesso: 06 Mai. 2024.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)