Justus von Liebig deixou um grande legado para a agricultura ao postular a lei do mínimo. Esta lei constata que a produtividade de uma cultura é limitada por qualquer nutriente cuja disponibilidade esteja inferior a um valor mínimo crítico requerido.
Com base nesse conhecimento, a nutrição adequada dos cultivos se torna imprescindível para a obtenção de rendimentos satisfatórios. A adubação via solo e via folha são alternativas que complementam e equilibram o fornecimento de nutrientes às culturas, levando-se sempre em consideração a fertilidade natural do solo.
Os elementos essenciais para o desenvolvimento vegetal são classificados como macronutrientes (N, P, K, Ca, Mg e S) e micronutrientes (B, Cl, Cu, Fe, Mn, Mo, Ni e Zn). Como os primeiros são requeridos em maiores quantidades, é consenso que a melhor maneira de disponibilizá-los é pela aplicação via solo. No entanto, os fertilizantes foliares são uma alternativa mais interessante para o fornecimento de micronutrientes. A aplicação de fertilizantes foliares pode complementar a nutrição das plantas de maneira eficiente, especialmente em culturas que necessitam de uma rápida correção nutricional.
O mercado de fertilizantes foliares
O recém-lançado anuário brasileiro de tecnologia vegetal (ABISOLO, 2020) aponta o registro de mais de 500 empresas de nutrição vegetal no Brasil. Estas empresas, juntas, faturaram mais de 7 bilhões de reais com o mercado de fertilizantes especiais em 2019, sendo que 80% deste total é decorrente da comercialização de fertilizantes foliares (5,6 bilhões de reais). Ainda segundo a Abisolo, o mercado de fertilizantes foliares encontra-se em constante ascensão, tendo aumentado seu faturamento em 82% entre os anos de 2014 e 2019.
Sucesso do mercado e perigos associados
O aumento do faturamento e o elevado número de empresas associadas à comercialização de fertilizantes foliares indicam que o mercado está aquecido, o que é positivo, considerando que o uso da adubação foliar está se consolidando cada vez mais entre os produtores. Mas por outro lado, isso é também motivo de alerta, pois muitos produtos e tecnologias são comercializados sem adequada comprovação de eficiência agronômica.
Como diferenciar os fertilizantes foliares?
Tão importante quanto o nutriente que o fertilizante entrega, é saber a sua origem, ou seja, a forma química do elemento dentro desta fonte. Isso é real porque para que a adequada nutrição foliar ocorra é necessário que o nutriente em questão esteja biodisponível, isto é, que ele seja disponibilizado de forma que as folhas sejam capazes de absorver e metabolizar.
De modo geral, os fertilizantes foliares podem ser divididos em os que apresentam:
- Fontes solúveis: como é o caso dos sais (sulfatos, cloretos e nitratos) e dos quelatos/complexos (EDTA, aminoácidos e fosfitos) – oferecem nutrientes de forma prontamente disponível para a absorção foliar.
- Fontes de baixa solubilidade: como é o caso dos óxidos e carbonatos – disponibilizam nutrientes lentamente, pois precisam de mais tempo para promover sua solubilização na superfície da folha.
Alguns resultados de pesquisas recentes com fontes de fertilizantes foliares
Sulfato de Zn x Óxido de Zn em soja
Um trabalho publicado em 2019 pela equipe do Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN), do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP), usou raios x para investigar a absorção foliar de sulfato de zinco (ZnSO4), que é uma fonte solúvel, e óxido de zinco (ZnO) com partículas micrométricas, que é uma fonte pouco solúvel, pela soja. As técnicas utilizadas neste trabalho permitiram o monitoramento da absorção enquanto as plantas ainda eram mantidas vivas.
A Figura 1 mostra o caminhamento do Zn proveniente de uma gota de ZnO (A) e de ZnSO4 (B) ao longo do tempo. Nesta imagem podemos observar que, em 48h de monitoramento, o Zn proveniente do ZnO permaneceu estático, não se movimentando do local de aplicação, enquanto o Zn proveniente do ZnSO4 se movimentou, seguindo a nervura da folha pelo fluxo via floema.
Estes mesmos fertilizantes também foram aplicados sobre a superfície de um folíolo de soja (Figura 2A), e a movimentação do Zn foi monitorada ao longo de 170 horas no pecíolo do folíolo tratado (Figuras 2B e 2C). Isso foi feito porque, sendo o nutriente absorvido e transportado, ele deve obrigatoriamente passar pelo pecíolo antes de chegar até os órgãos dreno da planta.
Os resultados indicam aumento significativo da concentração de Zn nos pecíolos de folíolos tratados com ZnSO4, enquanto aqueles tratados com ZnO não se diferenciaram significativamente das plantas controle, que não receberam a aplicação foliar.
Ainda nesta publicação, com base em resultados obtidos no Laboratório Nacional de Luz Síncroton (LNLS), os autores identificaram que, após a absorção, o Zn se movimenta via floema ligado a ácidos orgânicos, como o citrato e o malato.
Estes resultados indicam que fontes solúveis são absorvidas mais rapidamente em relação às pouco solúveis, e também lançam a ideia de que a aplicação dos nutrientes já complexados com os ácidos orgânicos, com os quais eles são transportados no floema (como o caso do citrato e do malato para o Zn), podem ser uma boa opção para o desenvolvimento de novos produtos.
Absorção e transporte de B ligado à polióis em soja
É sabido que o boro (B) é imóvel no floema da maioria das espécies vegetais, porém, algumas espécies produzem compostos chamados polióis que se ligam o B e facilitam o caminhamento deste micronutriente no floema, possibilitando a sua movimentação dos órgãos fonte para os órgãos dreno. A soja não produz estes compostos naturalmente, portanto, o B é imóvel no floema desta cultura. Porém, uma equipe alemã resolveu testar a hipótese de que a aplicação deste nutriente ligado aos polióis pode facilitar seu caminhamento via floema.
Os principais poliois que se ligam ao B em plantas, e com capacidade de redistribui-lo, são o manitol e o sorbitol. Desta forma, os autores avaliaram a absorção foliar e o transporte via floema do B ligado a estes dois compostos.
Embora a ideia faça muito sentido, os resultados não seguiram exatamente como o desejado pelos desenvolvedores dos produtos. Conforme mostrado na Figura 3A, as misturas B + sorbitol e B + manitol promoveram maior absorção de B pelas folhas de soja, mas isso não se refletiu em maior translocação deste elemento (Figura 3B). Pelo contrário, a aplicação de B apenas (que neste caso foi suprido via ácido bórico) resultou em maior translocação em relação aos demais tratamentos.
Fontes de manganês em soja
A deficiência de manganês (Mn) pode prejudicar significativamente o crescimento e o desenvolvimento da soja, resultando em menores rendimentos. Para mitigar esse problema, diversas fontes de Mn estão disponíveis para aplicação foliar.
A tese conduzida pela Dra. Rafaela Migliavacca, junto com os professores Rafael Otto (ESALQ/USP) e Ismail Cakmak (Sabanci University), traz dados interessantes sobre o desempenho da adubação foliar com sulfato de manganês (MnSO4), carbonato de manganês nanométrico (MnCO3-nano) e uma suspensão concentrada de MnCO3 microparticulada (MnCO3-SC), conform apresentado na Figura 4.
O tratamento “Mn-adequado” refere-se a uma planta cultivada em solução nutritiva fornecendo 100% do Mn requerido pela cultura (controle positivo), e “Mn-Baixo” refere-se a uma planta deficiente em Mn, cultivada em solução nutritiva com apenas 10% do Mn requerido pela cultura (controle negativo), sendo que ambas não receberam aplicação foliar. A terceira planta de cada imagem, refere-se a uma planta que foi cultivada em solução nutritiva com apenas 10% do Mn requerido, 10 dias após a aplicação foliar das respectivas fontes: MnSO4 (Figura 4A), MnCO3-nano (Figura 4B) e MnCO3-SC (Figura 4C).
Ao comparar as plantas que receberam a aplicação foliar com as plantas cultivadas em solução nutritiva com Mn-adequado e Mn-baixo, observamos que apenas o MnSO4 foi capaz de reverter sintomas visuais de deficiência de Mn, atenuando o amarelecimento das folhas (Figura 4A).
A Figura 4D nos mostra a atividade da enzima Guaiacol Peroxidase (GPOX) encontrada nestas plantas. A alta atividade desta enzima é utilizada como indicativo de estresses oxidativos, neste caso, desencadeados pela deficiência de Mn.
Neste sentido, observamos que somente a aplicação de MnSO4 resultou na redução da atividade desta enzima, de modo a ser o único tratamento que se igualou estatisticamente ao tratamento Mn-adequado. Estes resultados mostram que o MnSO4, além de ser absorvido, é metabolizado, fornecendo Mn para reverter sintomas de deficiência e estresses oxidativos.
A equipe do Laboratório de Instrumentação Nuclear (LIN) também estudou a eficiência de fontes de Mn na adubação foliar da soja, bem como a influência de misturas de tanque deste nutriente com o glifosato. Para isso, foram utilizadas técnicas de raios x para monitorar o caminhamento do Mn em pecíolos de folhas tratadas com MnSO4, MnCO3 nano, Mn-EDTA e Mn-fosfito, misturados ou não ao glifosato.
Na Figura 5, observamos que as fontes Mn-fosfito (5C), MnSO4 (5D) e Mn-EDTA (5E) foram capazes de aumentar o teor de Mn nos pecíolos das folhas tratadas 72 horas após a aplicação, enquanto o MnCO3 (5F) não promoveu o teor de Mn durante o período analisado.
Também observamos que a mistura de glifosato reduziu a eficiência do MnSO4 e do Mn-fosfito (5C e 5D), enquanto o Mn-EDTA (5F) não foi afetado. Adicionalmente, por meio de resultado obtidos no LNLS, os autores verificaram a presença de Mn-EDTA no pecíolo de folhas tratadas com este fertilizante, evidenciando que as folhas são capazes de absorver e transportar o Mn ainda ligado à molécula EDTA.
Fontes pouco solúveis de zinco e boro aplicadas em citros
Um trabalho realizado pela Ma. Luiza Macedo, orientada pelo Prof. Dirceu Mattos, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), avaliou a eficiência de fontes pouco solúveis de zinco e boro na nutrição foliar de citros. Neste estudo, se tratando de uma cultura perene, as aplicações foram realizadas em 3 parcelamentos: 200, 140 em 60 dias antes da colheita das amostras e realização das avaliações.
Neste estudo, como fontes de Zn foram utilizados ZnSO4 e ZnO microparticulado, e como fontes de B, ácido bórico e borato de cálcio microparticulado.
Ao contrário dos resultados mostrados anteriormente em soja, neste estudo a aplicação de fontes pouco solúveis aumentou o teor de B e Zn nas folhas (Figura 6), e a aplicação de B via borato de cálcio aumentou a massa seca da parte aérea das plantas em 18%, resultado semelhante ao encontrado com a aplicação do ácido bórico.
Neste caso os fertilizantes depositados nas folhas foram solubilizados ao longo dos 200 dias após a primeira aplicação, fornecendo os nutrientes de forma gradual para a absorção foliar.
Adicionalmente aos dados de concentração de nutrientes, estes autores encontraram resultados positivos quanto à atividade de enzimas, evidenciando não só a absorção dos nutrientes aplicados como também a sua assimilação nas células, com consequente cumprimento de funções metabólicas nas plantas.
Considerações finais
São inúmeras as fontes disponíveis no mercado, mas nem todas possuem dados publicados assegurando eficiência. Isso não quer dizer que elas não funcionam, mas significa que o mercado está evoluindo rapidamente, e que ainda há muito trabalho a ser feito. Apesar dos poucos resultados disponíveis, os trabalhos apresentados neste artigo nos trazem valiosas lições que podem ser extrapoladas para outras situações da vida:
Primeiro: produtor e produtora, a dica mais valiosa é a seguinte: sempre pergunte qual é a fonte do nutriente que você está comprando (se é sal, quelato, complexo, óxido, carbonato etc), pois isso é muito importante. Aproveite para perguntar quais são os aditivos de performance presentes no produto em questão. Leia o rótulo com atenção e pergunte sem medo.
Segundo: nós vimos exemplos de fontes que funcionam se tiverem o tempo ao seu favor, como é o caso da aplicação de fontes pouco solúveis microparticuladas em culturas perenes bem nutridas. Por outro lado, a mesma eficiência não é observada em culturas anuais, como no caso da soja.
Muitos alegam que o fertilizante que não é absorvido pelas folhas pode ser lavado pelas chuvas, chegando ao solo e sendo absorvido pelas raízes, mas isso é questionável. É contestável primeiro porque a quantidade é muito pequena e segundo porque estes produtos foram desenvolvidos para serem aplicados via foliar, por isso possuem alto valor agregado, e contar com a sua absorção via raiz é a mesma coisa de enterrar o investimento.
O terceiro ponto é que, se tratando de solos com pH corrigido na camada arável, micronutrientes metálicos dificilmente serão disponibilizados para a absorção.
Terceiro: uma tecnologia pode fazer todo o sentido, como o caso do B complexado por poliois, mas embora faça sentido, ela não funciona até que se comprove sua eficiência com resultados de pesquisa.
Existe uma frase famosa que diz “em Deus nós confiamos, todos os outros devem apresentar dados e fatos”, o que reflete na realidade de que enquanto dados consistentes não são publicados, a utilização de certas tecnologias deixa de ser certeira e passa a ser baseada apenas na crença de que vai funcionar.
A questão é que tudo depende dos objetivos da aplicação e do modo como o produto é posicionado no momento da venda, afinal, o combinado não sai caro. Uma fonte de absorção lenta pode não ser a melhor opção para corrigir deficiências nutricionais imediatas, mesmo em culturas perenes, mas são interessantes no sentido de disponibilizar nutrientes de forma gradual.
Resultados podem parecer controversos, mas na verdade são adaptáveis às diferentes realidades do campo. Mas entre disso tudo, existe algo incontestável: ainda há muito o que se explorar sobre o assunto. Mais do que nunca, precisamos de pesquisas que respondam às dúvidas que assombram todos os elos desta cadeia, desde as próprias empresas, até os produtores e produtoras que aplicam a tecnologia no campo.
Sondas são enviadas à Marte, mas a adubação foliar é todo um universo a ser explorado nas nossas próprias lavouras. Investimentos devem, obrigatoriamente, serem revertidos em lucro e produtividade, por isso, resultados consistentes são necessários para garantir o desenvolvimento adequado da técnica, aliando eficiência e sustentabilidade na produção de alimentos.
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Referências bibliográficas
ABISOLO. Anuário brasileiro de tecnologia em nutrição vegetal 2020. Disponível em: <https://abisolo.com.br/anuario/>.
GOMES, M. H. F. et al. In vivo evaluation of Zn foliar uptake and transport in soybean using X-ray absorption and fluorescence spectroscopy. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 14 out. 2019.
MACEDO, L. O. et al. Efficiency of foliar application of sparingly soluble sources of boron and zinc in citrus. Scientia Agricola, v. 78, n. 1, p. 785–800, 2021.
MACHADO, B. A. et al. X-ray Spectroscopy Fostering the Understanding of Foliar Uptake and Transport of Mn by Soybean (Glycine max L. Merril): Kinetics, Chemical Speciation, and Effects of Glyphosate. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v. 67, n. 47, p. 13010–13020, 2019.
MIGLIAVACCA, R. A. Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura “ Luiz de Queiroz ” Absorção foliar de fontes insolúveis de manganês em soja [ Glycine max ( L .) Merrill ] Piracicaba 2018. [s.l.] University of São Paulo, 2018. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11140/tde-19072019-163930/pt-br.php. Data de acesso: 23 de Mai. 2024.
WILL, S. et al. Absorption and mobility of foliar-applied boron in soybean as affected by plant boron status and application as a polyol complex. Plant and Soil, v. 344, n. 1, p. 283–293, 2011.
Sobre a autora:
Bianca de Almeida Machado
- Engenheira Agrônoma (ESALQ/USP)
- GAPEana formada
- Mestra em Ciências (CENA/USP)
Atualizado por:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)
Respostas de 4
Excelente material. Parabéns!
Muito bom o texto, Bianca. Foi muito esclarecedor 👏👏
Parabéns, Bianca! Muito bom artigo!
Bom dia. Parabéns pela publicação.
Você teria mais materiais referente a absorção de sais, carbonatos e óxidos via folha?