Complementando o manejo nutricional tradicionalmente realizado na cana-de-açúcar, o manejo pré-seca e pós-seca é uma prática inédita e recente que tem como objetivo manter a cana verde (“stay green”) principalmente em períodos de déficit hídrico. Essa abordagem visa garantir uma produção sustentável e eficiente ao longo do ano, mesmo diante de condições adversas.
Com a aplicação do manejo pré-seca e pós-seca, estudos têm demonstrado uma melhoria na produtividade de colmos e de açúcar, com aumentos que podem variar entre 4% e 12%, dependendo das condições específicas da lavoura e da variedade cultivada. Essas práticas são essenciais para assegurar que a cana continue a crescer vigorosamente, mantendo sua capacidade de perfilhamento e desenvolvimento radicular.
Como pesquisador eprodutor rural, vou descrever a seguir as técnicas que tenho aplicado nos meus canaviais, bem como os motivos e os resultados esperados com a utilização do manejo pré-seca e pós-seca na cana-de-açúcar.
Aproveite a leitura!
Cenário de Produção e Manejo Nutricional da cana-de-açúcar no Brasil
A cultura da cana-de-açúcar apresenta relevância mundial devido aos produtos gerados com o seu cultivo: açúcar, etanol, etanol 2G, cogeração de energia (“bioenergia”) (OTTO et al. 2022), além dos produtos utilizados no manejo nutricional da cultura, tais como: torta de filtro, vinhaça e composto orgânico.
Nesse cenário, o Brasil se destaca por possuir a maior área cultivada com cana-de-açúcar no mundo, ou seja, em nosso país, são aproximadamente 10 milhões de hectares cultivados com cana-de-açúcar, de acordo com dados da CONAB.
Recentemente, o mundo traz sua atenção novamente para essa nobre cultura, devido a busca por alternativas que minimizem os impactos das mudanças climáticas, cujo objetivo maior é reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE), sendo os veículos movidos a células de energia utilizando etanol, a nova iniciativa, a qual traz a necessidade de elevar a produção desse “nobre” combustível.
Uma peculiaridade do cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, está associado ao fato dessa ser a única cultura, a qual possui safra agrícola (colheita, moagem e processamento) os 12 meses do ano, ou seja, em terras brasileiras, a produção de açúcar, etanol, bioeletricidade, torta de filtro e vinhaça ocorre o ano todo.
Esse cenário existe devido a safra na região centro sul do Brasil (SP, MG, RJ, PR, GO, MT, MS) ocorrer de março a novembro, enquanto na região nordeste do país, a safra se estende entre os meses de setembro a fevereiro.
Devido a magnitude da safra brasileira de cana-de-açúcar, no campo a todo momento, ocorre o manejo nutricional, via:
- Aplicação de fertilizantes (mineral ou orgânico) contendo macro e micronutrientes , aplicados via solo ou via folha,
- Aplicação de hormônios,
- Utilização de soluções biológicas – como fungos e bactérias, que possuem ação na potencialização da nutrição feita via solo e ou foliar na planta (conversão de nutriente em biomassa),
- aumento da indução de resistência as intempéries climáticas – excesso/déficit de radiação, déficit hídrico – estiagem, altas/baixas temperaturas.
Tais oscilações do clima estão diretamente relacionadas as mudanças climáticas na qual o planeta Terra, está sofrendo, mais especificamente, as consequências inerentes aos severos eventos climáticos resultantes da ação direta do El Niño ou La Niña.
Na canavicultura brasileira, as mudanças climáticas aliadas aos eventos extremos do clima, podem trazer sérias restrições ao crescimento e desenvolvimento da cana-de-açúcar, devido ao estágio que a cultura se encontra a campo, ou seja, cenário de cana planta (Figura 1), ou cana soca (Figura 2).
Essas restrições no crescimento, podem acometer perdas de até 15% no potencial de produção da cana-de-açúcar, de modo que, essas ocorrem até mesmo nas lavouras cultivadas, seguindo as boas práticas nutricionais, preditas no boletim 100 do Instituto Agronômico de Campinas – IAC, versão 2022 (Tabela 1 – cana planta e Tabela 2 – cana soca).
Tabela 1. Manejo nutricional preconizado para a equilibrada nutrição da cana-de-açúcar – ciclo de cana planta
Tabela 2. Manejo nutricional preconizado para a equilibrada nutrição da cana-de-açúcar – ciclo de cana soca
Manejo nutricional pré-seca e/ou pós-seca na cana-de-açúcar
O manejo nutricional pré-seca e/ou pós-seca, é algo relativamente inédito, tendo sua prática desenvolvida e adotada pelo setor sucroenergético na última década, considerando o cultivo da cana-de-açúcar no Brasil, mais precisamente na região centro sul do país, no cenário sem queima prévia da palha (cana crua), na operação de colheita dos colmos.
O manejo tem por objetivo buscar tecnologias que minimizem as condições adversas do clima, no transcorrer do ciclo da cultura, seja essa cana planta ou cana soca.
Em outras palavras, visa manter a planta de cana-de-açúcar com o dossel “o mais verde possível” – terminologia oriunda do inglês “stay-green”, sendo que, uma planta com as folhas mais verdes, significa existir maior teor de clorofila e consequentemente maior taxa fotossintética gerada.
Uma planta fotossinteticamente mais ativa produz mais energia (ATP), e assim possibilitará ter maior conversão nutricional e produção de biomassa. Portanto, o resultado primário do manejo nutricional pré-seca em cana-de-açúcar, é promover benefícios fisiológicos a planta, e em segundo lugar gerar maior crescimento dos colmos, acúmulo de sacarose e incrementos de produção.
É consenso de toda a cadeia agrícola sucroenergética a necessidade por buscar aumentos significativos na produtividade de colmos. Sendo assim, considerando os recentes trabalhos publicados com tecnologias que minimizem os efeitos da estiagem (manejo pré-seca), ou potencializem o crescimento da planta na primavera / verão, demonstram ser possível existir um ganho de 4% a 12% na produção de colmos e açúcares, variação essa associada a variedade, condição edafoclimática e tecnologia adotada.
Importante salientar que, o manejo nutricional pré-seca e/ou pós-seca, não promove seus efeitos esperados, caso o canavial (lavoura), tenha um desequilíbrio agronômico, por exemplo, ataque de pragas, alta infestação de plantas daninhas, presença de falhas oriundas do arranque de soqueira e má sistematização da lavoura, ou até mesmo um desbalanço no fornecimento dos nutrientes durante os tratos culturais.
Considerando esse último exemplo citado acima (desequilíbrio nutricional), é oportuno destacar que, o manejo nutricional pré-seca e/ou pós-seca não substitui a nutrição da planta.
Muitas vezes o setor sucroenergético entende que aplicar tecnologias que minimizem as condições adversas existentes ao longo da ocorrência de El Niño ou La Niña, fruto das mudanças climáticas, significa nutrir a planta. Entretanto, enfatiza-se que a nutrição (fornecimento de macro e micronutrientes) ao longo do ciclo (via solo e via folha) são práticas denominadas como tratos culturais, e o manejo nutricional pré-seca e pós-seca é algo complementar a nutrição da planta.
Porque devemos realizar o manejo pré-seca e/ou pós-seca em cana-de-açúcar?
Sabendo que grande parte do plantio de cana-de-açúcar na região Centro-Sul do Brasil ocorre ao longo da estação do verão e início do outono, assim como, a cana olhadura (colhida no verão e outono para servir de muda – “colmo semente”), e parte canavial do início de safra (colheita em março a maio), irão defrontar-se com a estação do inverno – longo período de estiagem (déficit hídrico), baixa radiação e baixa temperatura, esses são os locais aonde devemos aplicar o manejo nutricional pré-seca.
Em cana planta, essa proteção é essencial devido ao crescimento simultâneo da parte aérea e da parte subterrânea – o sistema radicular. A cana planta não possui um sistema radicular pré-estabelecido, e cerca de 60 a 90 dias após o plantio, ela sofrerá os impactos da estação do inverno. Portanto, ao realizar o manejo nutricional pré-seca nessa lavoura, o objetivo é minimizar os impactos das condições climáticas adversas ao crescimento e perfilhamento da planta.
Já em cana soca (olhadura e canavial de início de safra), embora as plantas já possuam um sistema radicular desenvolvido que explora tanto as camadas superficiais quanto as mais profundas do solo, em busca de água e nutrientes, o manejo nutricional pré-seca ainda é necessário. Isso porque, com o manejo pré-seca, a lavoura terá plantas bem desenvolvidas e com um bom estande populacional, antes do inverno. Dependendo da variedade, pode haver até a presença de entrenós desenvolvidos (Figura 3).
Assim, o manejo pré-seca, tem como objetivo agregar maior resiliência fisiológica e nutricional à planta, de modo que elas sintam menos os efeitos da estiagem, baixa temperatura e da menor radiação, mantendo assim o dossel mais verde (“stay green”).
Crédito da foto: AgroQuatro-S, 2024.
Nesses dois cenários, seja cana planta, soca ou olhadura, realizar o manejo nutricional pós-seca, significa, no momento após o fim da estiagem (ausência do déficit hídrico) e início do excedente hídrico, aplicar tecnologias que otimizem a conversão de biomassa pela planta de cana-de-açúcar.
Isso se faz justificável, vide que, a presente lavoura recebeu o manejo pré-seca, sendo assim, manteve o dossel mais verde, e com as condições favoráveis ao crescimento – radiação, umidade e temperatura, devido a planta possuir folha verde, essa já vai iniciar seu acúmulo de biomassa, enquanto a lavoura desprotegida de pré-seca e pós-seca, irá primeiro emitir folhas, para depois realizar crescimento e acúmulo de biomassa.
Os recentes acontecimentos climáticos existentes na primavera e verão de 2023, as famosas “ondas de calor” – períodos com elevadas temperaturas e irregularidade da precipitação pluviométrica, são “highlights” fundamentais que mitigam o setor a proteger seu canavial de maior poderio de produção com o manejo pós-seca.
Tecnologias com efeito nutricional pré-seca e/ou pós-seca em cana-de-açúcar
Muitas tecnologias estão sendo desenvolvidas nos últimos dois anos com efeitos comprovatórios e significativos quando aplicados em pré- ou pós-seca na cultura da cana-de-açúcar.
É fundamental escolher a tecnologia a ser aplicada, associado ao cenário – cana planta ou cana soca, relacionando-a ao modo de aplicação:
- a) sulco de plantio;
- b) corte de soqueira;
- c) aplicação foliar.
Abaixo é apresentada uma lista de tecnologias passíveis de adoção no manejo pré-seca e/ou pós-seca em cana-de-açúcar:
- Aplicação de extrato de alga (Ascophyllum nodosum)
- Hormônios vegetais – auxinas, giberilinas e citocininas
- Aminoácidos – considerar o “aminograma” da tecnologia empregue
- Soluções biológicas contendo mix de microorganismos – Azospirillum brasilense, Bacillus spp. dentre outros
- Fungo Trichoderma asperellum
- Ácido salicílico
Dentre essas escolhas, nos cenários onde há a aplicação em ambos os momentos, recomenda-se o rodízio das tecnologias. Em outras palavras, a tecnologia adotada no manejo nutricional pré-seca não deve ser utilizada no pós-seca durante o mesmo ciclo agrícola.
Embora o setor sucroenergético busque incessantemente qual tecnologia é melhor, ou qual é mais apropriada para cada cenário, infelizmente não existe até o presente a melhor tecnologia, ou a tecnologia que traz o maior acréscimo de produção.
Todas as tecnologias citadas acima, foram já validadas cientificamente, e um costume viciante adotado no setor é querer compará-las entre si, sendo que, devido a fonte e definição científica da tecnologia, não é correto realizar comparações entre si, mas sim, dentro de uma tecnologia escolhida, em função dos diferentes fabricantes.
Por último, uma pergunta muito recorrente é em relação ao momento em que se adota em campo a aplicação do manejo nutricional pré- e/ou pós-seca. Como essa decisão está associada ao clima, e esse varia de região para região, e de ano a ano, em função da magnitude dos fenômenos climáticos, a resposta dessa pergunta somente é conseguida utilizando o cálculo do balanço hídrico de acordo com as condições edafoclimáticas da região de cultivo com cana-de-açúcar.
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Referências
OTTO, R.; FERRAZ-ALMEIDA, R.; SANCHES< G.M.; LISBOA, I.P.; CHERUBON< M.R. Nitrogen fertilizer consumption and nitrous oxide emissions associated with ethanol production – A national-scale comparison between Brazilian sugarcane and corn in the United States. Journal of Cleaner Production. V. 350, article 131482, 2022. DOI: 10.1016/j.jclepro.2022.131482.
QUAGGIO, J.A.; CANTARELLA, H.; VAN RAIJ, B.; OTTO, R.; PENATTI, C.P.; ROSSETTO, R.; VITTI, G.C.; KORNDÖRFER, G.H.; TRIVELIN, P.C.O.; MELLIS, E.V.; FRANCO, H.C.J.F.; GAVA, G.J.C.; VITTI, A.C.; DIAS, F.D. Cana-de-açúcar. In: CANTARELLA, H.; QUAGGIO, J.A.; MATTOS JR., D.; BOARETTO, R.M.; VAN RAIJ, B. Boletim 100: Recomendação de adubação e calagem para o estado de São Paulo. Instituto Agronômico (IAC): São Paulo. p. 177-186, 2022.
Sobre o autor:
Pesquisador na AgroQuatro-S
- Doutor em Engenharia Agrícola (UNICAMP)
- Mestre em Produção Vegetal (UNESP/ Jaboticabal)
- Engenheiro Agrônomo (UNESP/Jaboticabal)