A microvespa Cotesia flavipes é um agente de controle biológico fascinante e altamente eficiente! É um parasitoide larval capaz de ovipositar seus ovos no interior de lagartas da broca-da-cana, dos quais eclodem larvas que se desenvolvem como verdadeiros “Aliens”, levando o hospedeiro à morte no momento certo.
Originária do Sudeste Asiático, foi introduzida no Brasil na década de 1970, e é, até hoje, um exemplo de sucesso de programa de controle biológico de pragas agrícolas.
Estima-se que a liberação dessa microvespa pode livrar o canavial de grandes perdas, uma vez que 1 hectare de cana com apenas 1% de colmos atacados pela broca pode perder aproximadamente 30 litros de álcool e 35 quilos de açúcar.
Quer saber mais sobre como Cotesia flavipes levou o setor sucroenergético do Brasil a realizar o maior controle biológico do mundo? Aproveite a leitura e saiba mais!
O que é Cotesia flavipes?
Cotesia flavipes é uma espécie de vespa parasitoide pertencente à família Braconidae, ordem Hymenoptera. Trata-se de um dos insetos mais conhecidos entre os agentes empregados no controle biológico de pragas de plantas cultivadas.
A principal característica de Cotesia flavipes é sua habilidade de parasitar lagartas da broca-da-cana-de-açúcar, Diatraea saccharalis.
A seguir, serão apresentados aspectos importantes sobre o ciclo de vida de Cotesia flavipes.
Ciclo de vida do parasitoide
Por se tratar de um endoparasitoide — ou seja, um parasitoide que se alimenta e se desenvolve no interior do corpo do hospedeiro — Cotesia flavipes só pode completar seu ciclo de vida a partir de lagartas de Diatraea saccharalis.
É também um parasitoide coinobionte, uma vez que permite que seu hospedeiro continue a se desenvolver e a se alimentar enquanto é parasitado internamente.
O ciclo biológico desse parasitoide larval tem início com o parasitismo das lagartas, quando uma grande quantidade de ovos é ovipositada no interior do hospedeiro (Figura 1).

Cada fêmea oviposita de 60 a 65 ovos por lagarta, em sucessão. Os ovos são depositados na hemocele e, após 3 a 4 dias, eclodem as larvas do parasitoide, que passam a se alimentar do interior do hospedeiro.
Após cerca de 5 a 7 dias, dependendo das condições de temperatura, ao completarem seu desenvolvimento, as larvas perfuram o tegumento do hospedeiro e migram para o exterior do corpo da lagarta e, em seguida, empupam. Geralmente, o hospedeiro morre pouco tempo depois que as larvas deixam seu interior.
As pupas são revestidas por casulos de coloração esbranquiçada que, agrupados, assemelham-se a uma “massa branca”, de onde emergirão novas vespas parasitoides após 4 a 6 dias (Figura 2).
O ciclo completo do parasitoide pode durar cerca de 20 dias, dependendo das condições de temperatura e umidade.
Os adultos de Cotesia flavipes são microvespas que medem de 2 a 3 milímetros de comprimento. Possuem corpo predominantemente preto, e partes das pernas apresentam coloração amarelada ou amarronzada — especialmente as tíbias e os fêmures das pernas posteriores.

As antenas são longas e filiformes, compostas por muitos segmentos, os chamados antômeros, e são utilizadas na detecção de sinais químicos, como feromônios e voláteis emitidos pelas lagartas hospedeiras.
O dimorfismo sexual — ou seja, as diferenças entre machos e fêmeas de Cotesia flavipes — são sutis: fêmeas possuem um ovipositor visível e os machos são ligeiramente menores e não possuem tal estrutura.
Os adultos vivem, em média, de 7 a 10 dias, e se alimentam de néctar e substâncias açucaradas. Apesar de se reproduzirem de forma sexuada, também ocorre a forma assexuada, por partenogênese arrenótoca — ovos não fecundados originam apenas machos.
Distribuição geográfica de Cotesia flavipes
Cotesia flavipes, embora amplamente distribuída nos canaviais de todo o Brasil, é uma espécie de origem asiática, nativa do Sudeste Asiático — naturalmente encontrada em países como Índia, Paquistão e Indonésia.
Entretanto, por sua conhecida eficácia como agente de controle biológico, foi intencionalmente introduzida em regiões tropicais e subtropicais, ao redor do mundo.
A espécie foi trazida ao Brasil em 1971 por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), com o objetivo de implementar um programa de controle biológico da broca-da-cana.
Em 1974, surgiu o Programa Nacional de Controle Integrado da Broca da Cana-de-açúcar, iniciativa do Planalsucar (Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar, criado pelo Instituto do Açúcar e do Alcool – IAA) que se destacou como um dos maiores programas de controle biológico do mundo.
Contudo, foi apenas em 1978, com a chegada de novas linhagens de Cotesia flavipes, oriundas da Índia e do Paquistão e introduzidas em São Paulo, que se obtiveram índices de parasitismo mais elevados e, consequentemente, maior sucesso no manejo da broca-da-cana.
Atualmente, Cotesia flavipes está presente em todos os polos produtores de cana-de-açúcar no Brasil, concentrados nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
É um agente macrobiológico de controle amplamente utilizado em programas de controle biológico inundativo, apresentando bons resultados na redução populacional de Diatraea saccharalis.
Praga-alvo do parasitoide
Apesar de introduzida no Brasil especificamente para o controle da broca-da-cana, Cotesia flavipes não parasita exclusivamente Diatraea saccharalis.
Alguns outros hospedeiros conhecidos desse parasitoide larval são: Diatraea busckella, Diatraea indigenella, Diatraea lineolata, Chilo partellus (lepidóptero bastante comum na Ásia e na África) e Sesamia calamistis (comum em algumas regiões africanas).
É importante ressaltar que a eficiência do parasitismo varia conforme a espécie hospedeira e o ambiente. No Brasil, Cotesia flavipes é mais adaptada e eficaz contra a broca-da-cana, uma vez que o programa de introdução desse agente de controle biológico foi direcionado a essa praga.
As fêmeas do parasitoide preferem parasitar lagartas de Diatraea saccharalis a partir do terceiro ínstar.
Produtos comerciais à base de Cotesia flavipes
Atualmente, segundo a plataforma AGROFIT, há um total de 29 formulações à base de Cotesia flavipes para comercialização no Brasil.
Esses bioinsumos são comercializados em copos plásticos com tampa, contendo as “massas” (pupas) do parasitoide ou, até mesmo, em cápsulas biodegradáveis adaptadas para a liberação dos parasitoides via drones.
Apesar de comercializadas durante a fase pupal, as microvespas devem ser liberadas apenas após 12 horas do início da emergência dos adultos. A quantidade de indivíduos por copo ou cápsula varia conforme o produto.
Os produtos comerciais disponíveis são recomendados para o manejo da broca-da-cana em todas as culturas sob ataque da praga (cana-de-açúcar, milho, arroz, sorgo e pastagens).
A criação massal de Cotesia flavipes depende da multiplicação de seu hospedeiro direto. Portanto, o processo tem início a partir da separação de lagartas de Diatraea saccharalis (2º ou 3º ínstar), criadas em dieta artificial, em bandejas.
Em seguida, fêmeas de Cotesia flavipes são liberadas sobre as lagartas e o parasitismo é permitido por cerca de 24 horas. As larvas do parasitoide se desenvolvem no interior das lagartas e, logo após, deixam o hospedeiro e empupam.
As “massas” de casulos podem então ser recolhidas e acondicionadas em copos plásticos para a liberação no canavial.
Como e quando utilizar o parasitoide?
As recomendações de uso de Cotesia flavipes variam conforme a forma de monitoramento da broca-da-cana.
As liberações do parasitoide são recomendadas sempre que constatada uma quantidade de 800 a 1000 lagartas de Diatraea saccharalis por hectare.
Ou quando, durante as inspeções ou o monitoramento do canavial, a infestação da praga atingir o mínimo de 10 lagartas (maiores que 1,5 cm) por hora/homem de coleta.
A amostragem deve ser realizada por pessoas treinadas, que caminham aleatoriamente na área de cultivo, abrindo colmos e coletando as lagartas encontradas.
Caso o nível de controle seja atingido, a liberação do parasitoide deve ser realizada de forma inundativa, uma vez que atuará de forma análoga a um inseticida.
Recomenda-se a liberação de 6.000 vespinhas por hectare, divididas em 8 pontos de liberação, ou seja, 750 parasitoides adultos por ponto de liberação.
Caso não tenha sido realizado um levantamento na lavoura, as microvespas podem ser liberadas em áreas onde a intensidade de infestação tenha sido superior a 2% durante a colheita da safra anterior.
Antes da liberação, os copos devem permanecer tampados, em sala climatizada, sob condições de temperatura de 27 ± 2 ºC, umidade de cerca de 80% e luz direta. A liberação é realizada apenas 12 horas após o início da emergência dos parasitoides, para que ocorra a cópula.
A aplicação do bioinsumo pode ser terrestre ou aérea. Para a liberação terrestre das microvespas em ponto fixo, os copos plásticos devem ser destampados ao adentrar no talhão e fixados entre as folhas das plantas, permitindo a saída de todos os parasitoides. Os copos devem ser espaçados de 20 a 25 metros entre si, uma vez que o parasitoide possui parasitismo efetivo até 18 m do ponto de liberação.
Para a aplicação aérea são utilizados drones agrícolas equipados com sistemas para dispersão das cápsulas contendo os adultos e as “massas” de Cotesia flavipes, em extensas áreas de canaviais.
O drone sobrevoa a área de cultivo de acordo com as rotas previamente programadas por GPS. Durante o voo, o sistema libera as cápsulas em pontos estratégicos.
Algumas vantagens da aplicação aérea via drones incluem:
- Agilidade: cobre até 300 hectares por dia, a depender do modelo do drone;
- Maior eficiência logística em extensas áreas de cultivo;
- Precisão: liberação localizada em pontos estratégicos com maior infestação da broca-da-cana e;
- Redução de custos com mão-de-obra e tempo.
Após a liberação, seja por via aérea ou terrestre, realiza-se o acompanhamento do parasitismo. Transcorridos de 10 a 15 dias após a liberação, uma nova amostragem populacional é conduzida na área para inspecionar lagartas parasitadas ou as “massas” da microvespa.
As lagartas encontradas devem ser coletadas, colocadas em recipientes contendo dieta artificial e mantidas sob condições ambientais controladas, para posterior confirmação do parasitismo.
Com isso, calcula-se o parasitismo a partir da fórmula:
[% parasitismo = (total de lagartas parasitadas + massas do parasitoide/ total de lagartas + pupas da broca-da-cana) * 100].
Se o parasitismo constatado for inferior a 20% e a população da broca persistir em nível de controle, pode-se repetir a liberação de Cotesia flavipes no canavial.
Aplicação de Cotesia flavipes com drones: tecnologia brasileira em destaque
O Brasil é hoje uma referência mundial no uso de drones para a liberação de Cotesia flavipes no controle biológico da broca-da-cana. Essa tecnologia inovadora permite que a aplicação do parasitoide seja realizada com extrema agilidade e precisão, alcançando grandes áreas com eficiência logística e baixo custo operacional.
Mais do que apenas substituir a liberação manual, o uso de drones eleva a eficácia agronômica da estratégia. Isso porque os voos são programados com base em dados georreferenciados — como mapas NDVI e outras imagens obtidas por sensoriamento remoto — permitindo que as liberações sejam realizadas exclusivamente nos pontos com maior intensidade de infestação da praga. Assim, evita-se o desperdício do bioinsumo e maximiza-se o impacto da Cotesia no campo.
Outro ponto de destaque é que toda a tecnologia por trás da liberação aérea de macrobiológicos no Brasil é desenvolvida localmente, desde os protocolos de quantificação de parasitoides até a definição do momento e da frequência ideais para liberação. Isso reforça a autonomia técnica brasileira na condução de um dos maiores programas de controle biológico do mundo, e posiciona o país na vanguarda da aplicação de insetos benéficos com ferramentas de agricultura de precisão.
Fatores que afetam a eficácia de Cotesia flavipes no canavial
Atualmente, quase 40% da área cultivada com cana-de-açúcar no Brasil é tratada com liberações de Cotesia flavipes para o controle da broca-da-cana, o que corresponde a mais de 3,5 milhões de hectares.
Para atender toda essa área, é necessário que se produza aproximadamente 21 bilhões de parasitoides. No Brasil, cerca de 40 biofábricas têm suprido essa demanda.
Entretanto, existem alguns fatores que influenciam a otimização de liberações do parasitoide nos canaviais brasileiros, afetando a eficiência e a necessidade de mais liberações do agente de controle. Confira alguns deles abaixo:
- Logística de transporte do bioinsumo: as microvespas devem ser transportadas cuidadosamente ao campo, evitando-se exposição direta ao sol e variações bruscas de temperatura;
- Horário ideal: as liberações devem ser realizadas nos momentos mais frescos do dia, pela manhã, entre 7h e 9h, ou ao entardecer;
- Espaçamento do cultivo: em canaviais muito fechados e/ou acamados pela ação dos ventos, as liberações devem ser realizadas nas bordaduras dos canaviais;
- Compatibilidade com o controle químico: Cotesia flavipes tem se mostrado mais eficiente que o controle químico no manejo de Diatraea saccharalis, uma vez que adentra o colmo para encontrar o hospedeiro, contudo, pode ser afetada por inseticidas não seletivos e ter sua eficiência comprometida;
- Alto custo de mão-de-obra nas biofábricas do parasitoide, que podem ultrapassar 60% do total de gastos; e
- Controle de qualidade do bioinsumo: para garantir a eficiência do produto macrobiológico é necessário monitorar certos parâmetros biológicos do parasitoide, como a taxa de emergência de adultos; a proporção de fêmeas; a longevidade e a capacidade de voo das microvespas.
É válido ressaltar que, apesar da utilização de Cotesia flavipes requerer liberações periódicas e acompanhamento técnico especializado, ainda é capaz de diminuir a intensidade de infestação da broca-da-cana de 11% para cerca de 2,8%. Com isso, pode reduzir perdas de 110 milhões de dólares para 28 milhões.
Além disso, segundo estudos conduzidos na Usina São João, localizada em Araras/SP, o custo da liberação do parasitoide por hectare é de R$ 45, enquanto o manejo da broca com inseticidas alcança R$ 148 por hectare. Portanto, Cotesia flavipes, além de eficiente, é uma alternativa economicamente competitiva para o produtor de cana.
Conclusão
A utilização de Cotesia flavipes no manejo integrado da broca-da-cana é, sem dúvida, uma estratégia eficiente, sustentável e economicamente viável.
As altas taxas de parasitismo e a ampla adaptação aos canaviais brasileiros consolidam o uso dessa microvespa como uma das ferramentas mais bem-sucedidas de controle biológico — clássico e aumentativo — no mundo.
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Referências
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Sobre a autora:

Gabryele Silva Ramos
Doutoranda em Entomologia (ESALQ/USP)
- MBA em Marketing (ESALQ/USP)
- Mestre em Proteção de Plantas (UNESP/Botucatu)
- Engenheira Agrônoma (UFV)
Como citar este artigo:
RAMOS, G.S. Cotesia flavipes: eficaz agente de controle biológico da broca-da-cana! Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-cotesia-flavipes/. Acesso: xx Xxx 20xx.