Conhecer a progressão do cultivo das mais diversas variedades de cana-de-açúcar utilizadas no Brasil é um importante ponto de difusão tecnológica.
Isso porque tais informações proporcionam insights sobre quais variedades de cana estão em ascensão e quais estão sendo abandonadas, de modo que os produtores possam ter uma visão comparativa de seu plantel de variedades em relação ao praticado na sua e nas demais regiões produtoras.
Conheça neste artigo as cinco variedades de cana-de-açúcar mais cultivadas no Brasil, conheça suas características e a importância dessas variedades para os principais estados produtores.
Sem tempo para ler agora? Baixe este artigo em PDF!
Variedades de Cana-de-Açúcar no Brasil: Evolução e Contribuições ao Longo do Tempo
No Brasil, ao longo do tempo, várias instituições e programas de melhoramento genético de cana-de-açúcar tiveram papéis importantes na criação de variedades de cana mais produtivas e resistentes a doenças, conforme relatado por Cursi et al (2022). Alguns marcos pioneiros ocorreram nas décadas de 1930 e 1970:
Década de 1930:
- O programa da variedade Campos Brasil (CB) da Estação Experimental de Cana-de-Açúcar de Campos de Goytacazes, RJ, e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em São Paulo foram pioneiros no melhoramento genético.
- Destaque para as variedades CB41-76 e CB45-3 no programa CB.
- No programa IAC, variedades como IAC48-65, IAC50-134, IAC51-205 e IAC52-150 foram importantes até meados do século XX.
Década de 1960:
- Investimentos públicos e privados foram feitos no importe de germoplasma e na implementação de novos programas de melhoramento.
- Introdução da variedade precoce NA56-79 da Argentina, que influenciou positivamente a produção de açúcar nos anos 1980.
Década de 1970:
- Início do Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Açúcar (PLANALSUCAR), fundamental para a criação do Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL) em 1975, impulsionando a indústria de açúcar e álcool no Brasil.
Década de 1980:
- Contribuições das variedades RB72454 e RB835054 do programa PLANALSUCAR, que se tornaram amplamente cultivadas, mas algumas foram descartadas devido a suscetibilidade a doenças.
Década de 1990:
- Variedades RB ganharam destaque com a mais cultivada, RB72454, sendo a mais cultivada no Brasil entre 1995 e 2010.
Década de 2000:
- Variedades SP (São Paulo) e CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) dominaram o cultivo, mas muitas foram descartadas devido a suscetibilidade a doenças.
- O programa COPERSUCAR foi substituído pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) em 2004.
Década de 2010:
- A Rede Interuniversitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (RIDESA) lançou várias variedades RB que se destacaram na região Centro-Sul.
Atualmente:
- A variedade RB867515 é a mais cultivada no Brasil, permitindo o plantio em solos de baixa fertilidade sem perda significativa de rendimento.
- A variedade CTC4 e CTC15 são amplamente cultivadas.
- A empresa BioVertis/GranBio trabalha no desenvolvimento de variedades de cana com alto rendimento de biomassa (cana energia) e baixo custo de produção.
Há um total de 244 cultivares de cana-de-açúcar registradas no Brasil, incluindo variedades RB (82 variedades), CTC (43 variedades), SP (33 variedades), IAC (38 variedades e outras (48 variedades), com foco em produtividade, resistência a doenças e eficiência energética.
Variedades de cana mais cultivadas no Brasil na safra 2021/2022
O “Censo Varietal IAC de Cana-de-açúcar no Brasil – Safra 2021/22” coletou dados sobre variedades de cana-de-açúcar nas principais regiões produtoras do Brasil.
As informações foram obtidas por meio de formulários preenchidos por usinas, destilarias, cooperativas e associações de fornecedores de cana.
O Censo Varietal IAC coletou informações de 268 unidades produtoras, abrangendo mais de 6,7 milhões de hectares e representando 72,9% da área total de cana-de-açúcar no Brasil, que segundo a CONAB é de 9.151.209 ha.
A seguir serão apresentadas as 5 variedades de cana-de-açúcar mais plantadas no Brasil, de acordo com o Censo Varietal do IAC.
A área recenseada para cada estado se encontra na Tabela 1.
Tabela 1. Área cultivada com cana-de-açúcar, área recenseada e proporção de recenseamento, por estado, na safra 2019/20 no Brasil
Estado | CONAB* | Censo IAC | Área recenseada % |
CENTRO-SUL | 8.271.742 | 6.161.706 | 74 |
Espírito Santo | 50.552 | 54.130 | 107 |
Goiás | 1.042.206 | 592.761 | 57 |
Mato Grosso | 218.486 | 167.217 | 77 |
Mato Grosso do Sul | 689.293 | 561.001 | 81 |
Minas Gerais | 997.953 | 646.610 | 65 |
Paraná | 553.059 | 498.470 | 90 |
Rio de Janeiro | 33.750 | 0 | 0 |
São Paulo | 4.686.444 | 3.641.517 | 78 |
NORTE-NORDESTE | 879.467 | 507.873 | 58 |
Alagoas | 330.300 | 127.772 | 64 |
Amazonas | 3.760 | 3.875 | 103 |
Bahia | 58.458 | 47.690 | 82 |
Maranhão | 31.612 | 7.748 | 25 |
Pará | 14.080 | 13.726 | 97 |
Paraíba | 127.877 | 62.797 | 49 |
Pernambuco | 154.186 | 118.239 | 77 |
Piauí | 23.426 | 0 | 0 |
Rio Grande no Norte | 69.483 | 19.264 | 28 |
Sergipe | 57.275 | 6.618 | 12 |
Tocantins | 29.586 | 29.083 | 98 |
BRASIL | 9.151.209 | 6.669.579 | 73 |
De acordo com o Censo IAC, as cinco variedades mais plantadas e suas respectivas áreas de cultivo (em porcentagem do total) são:
- 1ª) RB867515 – 15,7% da área recenseada com cana no Brasil;
- 2ª) RB966928 – 12,7% da área recenseada com cana no Brasil;
- 3ª) CTC4 – 11,9% da área recenseada com cana no Brasil;
- 4ª) RB92579 – 8,0% da área recenseada com cana no Brasil
- 5ª) CTC9001 – 5,2% da área recenseada com cana no Brasil
Vejamos a seguir algumas informações sobre cada uma dessas variedades:
RB867515: a variedade de cana mais cultivada a 15 anos
O Censo Varietal IAC da Safra 2021/2022 mostrou que a variedade RB867515 é a mais cultivada no país pelo 15º ano consecutivo, embora tenha havido uma redução significativa nas últimas quatro safras, indicando uma substituição veloz devido à sua incompatibilidade com métodos de mecanização (Figura 1).
É a variedade mais cultivada na região Centro-Sul do Brasil e a segunda mais cultivada na região Norte-Nordeste do Brasil.
Por estado (considerando os cinco maiores produtores), sua distribuição no plantel dos canaviais é a seguinte:
- São Paulo: 3ª variedade mais plantada (atrás de RB966928 e CTC4) – 11,1% da área;
- Goiás: 1ª variedade mais plantada – 18,0% da área;
- Minas Gerais: 1ª variedade mais plantada – 16,3% da área;
- Paraná: 1ª variedade mais plantada – 35,4% da área;
- Mato Grosso do Sul: 1ª variedade mais plantada – 22,4% da área;
Figura 1. Porcentagem da área de cana-de-açúcar no Brasil cultivada com a variedade RB867515 de 2012 a 2021. Fonte: Censo Varietal IAC 2021/2022.
Características da RB867515
A RB867515 foi desenvolvida por meio de cruzamentos, com a variedade RB72454 como mãe. Ela possui características morfológicas como crescimento ereto, perfilhamento médio e colmos de diâmetro uniforme.
Sua resistência à seca em todas as fases do ciclo vegetativo e tolerância a solos de baixa fertilidade (que permite sem crescimento em ambientes de produção classificados como C, D e E), contribuíram para seu sucesso.
Em termos agroindustriais, a RB867515 demonstrou alta produtividade de sacarose e teor de fibra moderado em solos arenosos e com baixa fertilidade.
Com relação a doenças, a variedade é tolerante ao carvão, escaldadura e mosaico, sendo resistente à ferrugem marrom.
Sua capacidade de brotação tardia sob baixas temperaturas, resistência a doenças (exceto estria vermelha) e manejo flexível de colheita a tornaram uma escolha popular para agricultores brasileiros.
RB966928: uma variedade adaptada à colheita mecanizada
A Variedade RB966928 é a segunda mais cultivada no Brasil, e ocupava 12,7% da área cultivada com cana-de-açúcar no Brasil na safra 2021/22. Esse valor é semelhante aos dois anos anteriores (Figura 2).
Figura 2. Porcentagem da área de cana-de-açúcar no Brasil cultivada com a variedade RB966928 de 2012 a 2021. Fonte: Censo Varietal IAC 2021/2022.
Por estado (considerando os cinco maiores produtores), sua distribuição no plantel dos canaviais é a seguinte:
- São Paulo: 1ª variedade mais plantada – 16,2% da área;
- Goiás: 3ª variedade mais plantada – 10,8% da área;
- Minas Gerais: 3ª variedade mais plantada – 9,7% da área;
- Paraná: 2ª variedade mais plantada – 14,0% da área;
- Mato Grosso do Sul: 2ª variedade mais plantada – 15,5% da área.
Características da RB966928
A variedade RB966928, desenvolvida pelo Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar (PMGCA) da Universidade Federal do Paraná, tem se mostrado altamente adequada para colheitas mecanizadas.
A RB966928 se destaca por sua maturação precoce a média e período útil de industrialização prolongado, tornando-a uma escolha eficaz para altas produtividades de colmos e teor de sacarose no Centro-Sul do Brasil, especialmente entre abril e julho.
A variedade também demonstra resistência a diversas doenças, sendo tolerante à ferrugem marrom, ferrugem alaranjada, mosaico e outras.
O cultivo da RB966928 tem aumentado desde sua liberação em 2010, principalmente nas regiões Sul e Centro-Sul. No primeiro ano após a liberação, a variedade já ocupava quase 20 mil hectares no Paraná e, ao longo dos anos, tornou-se uma das mais cultivadas no país, registrando crescimento significativo na área cultivada.
Podemos dizer que a variedade RB966928 tem sido uma peça-chave na transformação do cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, promovendo produtividade, eficiência na colheita mecanizada e adaptabilidade às novas demandas do setor agroindustrial.
CTC4: uma variedade de cana para ambientes com bom a médio potencial produtivo
A variedade CTC4 tem área de cultivo em ascensão significativa no Brasil e atingiu 11,9% da área total de cana no Brasil na Safra 2021/22 (Figura 3). Seu crescimento se justifica, principalmente, por seu bom desempenho na colheita mecanizada e resistência ao pisoteio das máquinas
Figura 3. Porcentagem da área de cana-de-açúcar no Brasil cultivada com a variedade CTC4 de 2012 a 2021. Fonte: Censo Varietal IAC 2021/2022.
Por estado, sua distribuição no plantel dos canaviais é a seguinte:
- São Paulo: 2ª variedade mais plantada – 13,6% da área;
- Goiás: 3ª variedade mais plantada – 10,8% da área;
- Minas Gerais: 2ª variedade mais plantada – 12,0% da área;
- Mato Grosso do Sul: 3ª variedade mais plantada – 10,9% da área;
- Paraná: 3ª variedade mais plantada – 10,7% da área;
Características da CTC4
A CTC 4 apresenta desenvolvimento vigoroso, hábito final sem tombamento, colmos médios a longos, de diâmetro fino a médio, com despalha fácil e bom perfilhamento – características que favorecem a colheita mecanizada.
Com relação a doenças, é considerada moderadamente resistente a ferrugem e resistente ao carvão, escaldadura e mosaico.
As recomendações de manejo para tal variedade incluem o plantio em ambientes de médio para bom potencial (A, B, C) com colheita no meio da safra.
Destaca-se por sua alta produtividade e alto teor de sacarose.
RB92579: a variedade que se destaca na região Nordeste
A RB9279 é responsável por 8,0% da área nacional com cana na Safra 2021/2022 (Figura 4), sendo a variedade mais plantada na região Norte-Nordeste, onde representa 41,8% da área de cana.
Figura 4. Porcentagem da área de cana-de-açúcar no Brasil cultivada com a variedade RB92579 de 2012 a 2021. Fonte: Censo Varietal IAC 2021/2022.
Por estado, sua distribuição no plantel dos canaviais é a seguinte:
- São Paulo: 5ª variedade mais plantada – 4,3% da área;
- Goiás: 6ª variedade mais plantada – 3,9% da área;
- Minas Gerais: 6ª variedade mais plantada – 5,5% da área;
- Mato Grosso do Sul: 4ª variedade mais plantada – 6,7% da área;
- Paraná: 14ª variedade mais plantada – 1,1% da área;
Características da RB92579
A RB92579, desenvolvida pelo Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-açúcar (PMGCA) da UFAL, é um exemplo dessa busca por variedades mais produtivas e foi liberada para produtores em 2003.
A genealogia da RB92579 envolveu o cruzamento entre variedades como RB75126 e RB72199. A variedade apresenta características morfológicas distintas, como crescimento ereto, folhas com pontas curvas e colmos com características específicas de cor e formato.
Quanto às características agroindustriais, a RB92579 se destaca por seu alto perfilhamento, longevidade dos canaviais, eficiência no uso de água e nutrientes, alta produtividade agrícola e teor de açúcares totais recuperáveis (ATR), além de sua adaptabilidade a diversas condições de plantio.
A variedade também demonstra resistência a doenças como ferrugem marrom e alaranjada, bem como ao carvão.
Desde sua liberação, a RB92579 tem sido adotada com sucesso no Nordeste, contribuindo para melhorar significativamente a produtividade e a competitividade do setor. Sua ampla adoção na região destaca sua importância, sendo cultivada em aproximadamente 40% dos canaviais nordestinos em 2020.
Podemos dizer que a variedade RB92579 tem sido uma resposta inovadora aos desafios climáticos da Região Nordeste, impulsionando a produtividade da cana-de-açúcar e fortalecendo a agroindústria canavieira na região.
CTC9001: uma alternativa precoce para ambientes restritivos
Por ser uma opção para ambientes mais restritivos (recomendada para ambientes B, C e D) a variedade CTC9001 teve um crescimento considerável nos últimos quatro anos (Figura 5), uma vez que é uma alternativa para a variedade RB867515 (que enfrenta problemas com a colheita mecanizada).
Figura 5. Porcentagem da área de cana-de-açúcar no Brasil cultivada com a variedade CTC9001 de 2012 a 2021. Fonte: Censo Varietal IAC 2021/2022.
Por estado, sua distribuição no plantel dos canaviais é a seguinte:
- São Paulo: 4ª variedade mais plantada – 6,3% da área;
- Goiás: 9ª variedade mais plantada – 2,6% da área;
- Minas Gerais: 4ª variedade mais plantada – 6,7% da área;
- Mato Grosso do Sul: 6ª variedade mais plantada – 6,2% da área;
- Paraná: 4ª variedade mais plantada – 6,8% da área;
Características da CTC9001
A CTC 9001 vem ganhando rapidamente as áreas de cultivo de cana-de-açúcar nos últimos anos principalmente por ser uma variedade precoce (abril a julho) adaptada à ambientes restritivos, uma lacuna até então para essas condições que apenas era ocupado pela RB867515.
A variedade ainda se adapta bem a colheita mecanizada e é considerada tolerante à escaldadura e ferrugem marrom e alaranjada. Contudo é suscetível ao mosaico.
Conclusões
Ao explorar as cinco variedades de cana-de-açúcar mais cultivadas no Brasil, fica evidente a importância do desenvolvimento genético e da pesquisa contínua para atender às demandas da agroindústria canavieira.
A evolução das variedades de cana ao longo das décadas reflete a busca por maior produtividade, resistência a doenças e adaptabilidade a diferentes condições de cultivo.
O mercado sucroenergético é dinâmico e exigente, demandando variedades que se adaptem tanto à colheita manual quanto à mecanizada, e que respondam a fatores climáticos variados.
Através do constante aprimoramento das variedades de cana, os produtores podem aumentar sua eficiência, reduzir perdas e contribuir para uma indústria mais sustentável.
Se você deseja aumentar a produtividade do seu canavial é importante acertar no posicionamento de variedades na sua lavoura para alcançar resultados excepcionais. Conheça nosso curso Expert em Cana-de-açúcar! Clique em Saiba mais e não fique de fora!
Referências
Censo varietal IAC de cana-de-açúcar no Brasil – Safra 2021/22. Rubens Leite do Canto BRAGA JUNIOR, R.L.C. LANDELL, M. G. A.; XAVIER, M.A., et al. Campinas: Instituto Agronômico, 2023. 56p (Série Tecnologia APTA. Boletim Técnico IAC, 230) on-line. Disponível em: https://www.iac.sp.gov.br/publicacoes/arquivos/iacbt226.pdf/. Acesso: 18 de agosto de 2023.
CURSI, D.E.; HOFFMANN, H.P.; BARBOSA, G.V.; BRESSIANI, J.A.; GAZAFFI, R.; CHAPOLA, R.G.; FERNANDES JUNIOR, A.R.; BALSAORE, T.W.A.; DINIZ, C.A.; SANTOS, J.M.; CARNEIRO, M.S. History and current status of sugarcane breeding, germoplasm development and molecular genetics in Brazil. Sugar Tech. V. 24, p. 112-133, 2022.
OLIVEIRA, R.A.; BARBOSA, G.V.S.; DAROS, E. 50 anos de variedades RB de cana-de-açúcar 30 anos de Ridesa. 2021. Disponível em: https://www.ridesa.com.br/_files/ugd/242756_f3e42975bd9a42589327663cde52e255.pdf. Acesso: 22 de agosto de 2023.
Sobre a autora:
Beatriz Nastaro Boschiero
Especialista em MKT de Conteúdo na Agroadvance
- Pós-doutora pelo CTBE/CNPEM e CENA/USP
- Mestra e Doutora em Solos e Nutrição de Plantas (ESALQ/USP)
- Engenheira Agrônoma (UNESP/Botucatu)