Entenda porque o trigo mourisco é uma escolha promissora para inclusão em sistemas de rotação de culturas. Sua versatilidade e compatibilidade  com cultivos como soja e milho trazem benefícios importantes para a saúde do solo e gestão agrícola sustentável.

Você já imaginou uma plantação de trigo adornada com flores? Essa visão única é possível com o trigo mourisco, uma alternativa com características distintas do trigo convencional. Trigo mourisco é conhecido como trigo preto, mouro ou ainda como trigo sarraceno.

Originário de regiões como Rússia, Polônia e Ucrânia, essa planta herbácea de ciclo curto está ganhando destaque no Paraná. De acordo com dados do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seab), embora a área destinada a essa cultura no Brasil ainda seja modesta, está em constante crescimento.

Embora muitos agricultores reconheçam os benefícios da rotação de culturas e da melhoria do solo, ainda enfrentam barreiras regionais ou operacionais para implementá-las em suas propriedades. No entanto, culturas como o trigo mourisco têm se mostrado promissoras para a rotação em diferentes contextos, tanto na região Centro-oeste como no Sul no país.

Com a capacidade de produzir três safras em uma única área, seus grãos podem ser usados tanto na alimentação humana quanto animal. Além disso, pode ser empregado como cobertura verde “solteira”, em mix de cobertura com outras espécies ou em consórcio com outras culturas, como o milho.

Um dos principais atrativos comerciais do trigo mourisco reside em seus benefícios para a saúde. O grão é uma fonte rica de ferro e possui uma quantidade de proteína superior à do arroz, do trigo convencional ou do milho. Além disso, por não conter glúten, torna-se uma opção ideal para a produção de pães e massas destinadas a pessoas com intolerância a essa substância.

Tanto os grãos quanto o feno ou a silagem da planta possuem um valor nutricional equivalente ao das gramíneas, o que os torna adequados para a alimentação animal também.

Boa leitura!

O que é trigo mourisco?

O trigo mourisco, também conhecido como trigo sarraceno, não é um tipo de trigo e nem pertence à família do trigo (Poaceae), como o seu nome popular pode sugerir.

Na verdade, o trigo mourisco pertence à família Polygonaceae. Suas sementes são utilizadas como grãos na culinária. Este grão é popular em várias partes do mundo, especialmente na Ásia e na Europa Oriental.

Ele é muito conhecido por ser naturalmente livre de glúten e é uma excelente fonte de proteína vegetal, fibras e diversos nutrientes essenciais.

O trigo mourisco é frequentemente moído em farinha e utilizado para fazer pães, massas e panquecas, entre outros pratos.

Na agricultura, o trigo mourisco pode ser uma ótima opção de planta para a rotação de culturas, como veremos a seguir, devido aos seus inúmeros benefícios.

Importância do trigo mourisco

O trigo sarraceno, um pseudocereal da família Polygonaceae e do gênero Fagopyrum, desempenha um papel crucial na alimentação global. Originário das regiões montanhosas do sul da China, é amplamente cultivado na Ásia, Europa e Américas.

Em 2022, a produção mundial de trigo sarraceno totalizou 2,24 milhões de toneladas, representando uma redução em relação aos anos anteriores, apesar das flutuações significativas ao longo do período de 1973 a 2022.

Suas adaptações ecológicas permitem seu cultivo em áreas de grande altitude, com baixa precipitação e temperaturas. As espécies mais comuns são o trigo sarraceno comum (Fagopyrum esculentum Moench) e o trigo sarraceno da Tartária (Fagopyrum tataricum (L.) Gaertn).

Nos EUA, Canadá e Europa, o trigo sarraceno está ganhando popularidade, sendo consumido principalmente como macarrão, panquecas e muffins em países como China, Ucrânia, Japão, Canadá, Índia e Nepal.

Reconhecido por sua riqueza em componentes nutritivos e bioativos, o trigo sarraceno tem despertado interesse como fonte alimentar valiosa devido aos seus efeitos farmacêuticos e de saúde, como veremos mais adiante.

Trigo mourisco e saúde humana

Nos últimos anos, o trigo mourisco ou trigo sarraceno tem experimentado um aumento na demanda e despertado interesse entre os cientistas de alimentos, devido aos seus compostos químicos com eficácia comprovada como alimento funcional.

Esses compostos apresentam uma ampla gama de efeitos benéficos à saúde, incluindo propriedades antioxidantes, cardioprotetoras, anticancerígenas, hepatoprotetoras, anti-hipertensivas, antitumorais, anti-inflamatórias, antidiabéticas, neuroprotetoras e redutoras do colesterol.

Tais efeitos estão associados a diversos compostos bioativos presentes no trigo sarraceno, como flavonoides, polifenóis, carboidratos, fibras alimentares, proteínas, aminoácidos, ácidos graxos, vitaminas e minerais. Entre esses nutrientes, destacam-se as vitaminas do complexo B e elementos como sódio, potássio, cobre, zinco, magnésio, ferro, cálcio e manganês.

Essa riqueza nutricional torna o trigo mourisco uma escolha ideal para a produção de uma variedade de alimentos, desde padarias até produtos de confeitaria, como bolos, pães, macarrão, sopas e muito mais. A tabela destaca os principais componentes nutricionais do trigo sarraceno e suas características benéficas para a saúde.

Tabela 1. Características nutracêuticas de trigo mourisco.

Componente nutricional	Valor
Glúten	Ausente
Zinco	Elevado
Cobre	Elevado
Potássio	Elevado
Manganês	Elevado
Magnésio	Elevado
Proteínas	13-15% (teor alto)
Aminoácido Lisina	Rico
Carboidratos	Rico (principalmente amido)
Ácidos Graxos Essenciais	Poliinsaturados, como ácido linoléico
Vitaminas	B1, C, E
Fibra Solúvel	Presente (rico em fibras)
Amido Resistente	Potencial fonte (dependendo do processamento
Compostos Polifenólicos	Rico
Rutina	Presente (com propriedades anti-inflamatórias e anticancerígenas)

Produção do trigo mourisco no Brasil

O trigo mourisco foi introduzido no Brasil pelos imigrantes no século 20, principalmente na região Sul.

Apesar de sua longa história como alimento, sua produção no país ainda é pequena, com baixa produtividade estimada em uma tonelada por hectare, apesar de seu potencial ser de até 3,6 toneladas por hectare.

No entanto, é amplamente utilizado como planta de cobertura e adubo verde, especialmente no Centro-Oeste, onde é cultivado na safrinha após culturas de verão como soja e milho.

No Mato Grosso, é semeado em mix com outras plantas de cobertura. Na região Sul, é preferido após a colheita de culturas de verão, preparando o solo para culturas de inverno como trigo e cevada.

A produção de sementes de trigo mourisco no Brasil é mais proeminente na região Sul, com parcerias entre instituições de pesquisa, como IAPAR, EPAGRI e EMATER, e produtores locais impulsionando o desenvolvimento da cultura.

Características botânicas do trigo mourisco

O trigo mourisco é uma planta anual, de pequeno porte, com hábito de crescimento ereto que pode alcançar até 60-80 centímetros de altura, a depender do material vegetal e das condições ambientais. O ciclo da cultura nas condições tropicais pode variar entre 80 a 110 dias.

Possui caules ramificados, de coloração avermelhada, e folhas alternadas de cor verde escura, com formato triangular ou em formato de coração, medindo cerca de 5 centímetros de comprimento. Durante o verão, a planta produz flores brancas perfumadas em pequenos cachos terminais, por esse motivo é utilizada nos jardins residenciais da Europa e EUA.

Do ponto de vista técnico, o trigo sarraceno não é categorizado como um grão “verdadeiro“, mas sim como um “pseudo-cereal”. No entanto, suas características nutricionais, sabor de nozes, aparência e ampla gama de aplicações culinárias frequentemente o levam a ser popularmente referido como um grão/cereal.

Figura 5. Bancos de dados de composição de alimentos do USDA (2020) e Kerin Gould, Treehugger/Evgeniya Vlasova (2021).

Utilizações do trigo mourisco

O trigo mourisco, destaca-se por sua versatilidade na agricultura e na alimentação animal e humana, com as seguintes características:

1. Tolerância excepcional a baixo pH e altos níveis de alumínio no solo;
2. Boa capacidade de absorção de fósforo e potássio, mesmo em solos pouco férteis;
3. Desenvolvimento satisfatório em solos com baixa fertilidade;
4. Eficiente como adubo verde para regenerar solos degradados;
5. Contribui para o controle de plantas daninhas e supressão de nematoides;
6. Atração de abelhas melíferas devido ao seu longo período de floração.

Na produção animal, é utilizado na alimentação de diversas espécies, com grãos fornecidos diretamente ou na forma de feno ou silagem, especialmente para equinos e bovinos. Também pode substituir o milho em até 50% na alimentação de suínos e até 60% na ração de frangos de corte e coelhos, oferecendo uma alternativa econômica em períodos de escassez de alimentos.

O trigo mourisco destaca-se na rotação de culturas devido à sua resistência a pragas e doenças, além de não ser hospedeiro para muitas delas. Sua capacidade supressora contra nematoides, como o nematoide das galhas (Meloidogyne incognita), é notável, reduzindo mais de 90% dos indivíduos juvenis. Essas características o tornam uma ferramenta valiosa na agricultura, promovendo a saúde do solo e a biodiversidade.

O trigo mourisco possui um mecanismo de ação eficaz contra nematoides, baseado na produção de exsudatos radiculares, que inibem seu desenvolvimento, conferindo-lhe a reputação de planta supressora. Além disso, sua riqueza em taninos, substâncias com propriedades anti-helmínticas, reduz a fertilidade das fêmeas de nematoides, diminuindo sua taxa de reprodução.

Estudos recentes também sugerem que o trigo mourisco pode tolerar o crescimento de nematoides causadores de lesões em raízes, como o Pratylenchus penetrans. Esses atributos destacam ainda mais seu papel na agricultura como uma ferramenta eficaz no controle de nematoides e na promoção da saúde do solo.

Planejamento da rotação de culturas com trigo mourisco

1. Utilização na rotação de culturas:
   • Preferência na sucessão de culturas de grãos, como soja, milho e sorgo, especialmente no Centro-Oeste.
   • Na região Sul, é empregado após a colheita de culturas de verão, antecedendo a implantação de culturas de inverno, como trigo, cevada ou aveia.

2. Uso como planta de cobertura e adubo verde:
   • Destaca-se por seu desenvolvimento em solos pobres.
   • Eficiente no controle parcial de plantas daninhas, tanto monocotiledôneas quanto dicotiledôneas devido a rotação de culturas.

3. Potencial de produção e nutrição mineral:
   • Produção estimada de até 3,6 toneladas por hectare, embora a média brasileira seja de cerca de 1 tonelada por hectare.
   • Pouco exigente em nutrição mineral, especialmente nitrogênio (N), podendo fornecer até 100 kg de N por hectare.
4. Densidade de plantio e janelas de semeadura:
   • População recomendada varia de 300 a 500 plantas por metro quadrado, adaptável ao objetivo de plantio (supressão de plantas daninhas ou colheita de grãos).
   • Duas janelas de plantio: primavera/fim do inverno e antes das primeiras geadas do ano.

5. Uso em mix de plantas de cobertura:
   • Pode ser utilizado em mix de plantas de cobertura (ou coquetel) com outras espécies plantas, com recomendação de cerca de 40 kg ha^-1 de sementes de trigo mourisco.

Conclusão

O trigo mourisco é uma interessante alternativa na rotação de culturas brasileira, oferecendo múltiplas safras e benefícios para o solo em um cenário agrícola em constante evolução, especialmente na rotação com culturas de grãos como soja e milho, tanto no Centro-Oeste quanto no Sul do país.

A utilização do trigo mourisco como planta de cobertura e adubo verde traz ganhos significativos para a saúde do solo, controle de plantas daninhas e supressão de nematoides, contribuindo para a sustentabilidade dos sistemas agrícolas.

Para maximizar os benefícios do trigo mourisco, é essencial considerar fatores como densidade de plantio e janelas de semeadura adequadas às condições locais e aos objetivos de cultivo.

Apesar do crescente interesse e das vantagens evidentes, desafios persistem em relação à produção de sementes e à disseminação do conhecimento sobre as práticas ideais de cultivo.

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Referências

FAOSTAT (2020). Quantidades de produção/rendimento de trigo sarraceno no Mundo + (Total) 2018. Disponível em: http://www.fao.org/faostat/en/#data/QC/visualize. Acesso: 30 abr 2024.

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PŁAŻEK, A.; KOPEĆ, P.; DZIURKA, M. et al. The yield of common buckwheat (Fagopyrum esculentum Moench) depends on the genotype but not on the Pin-to-Thrum ratio. Scientific Report. v. 13, 16022. 2023. DOI: 10.1038/s41598-023-43059-0.

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