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Consórcio de plantas de cobertura no cultivo do milho

Descubra como o consórcio de plantas de cobertura, como braquiárias e crotalárias, pode melhorar a sustentabilidade e produtividade do cultivo de milho. Conheça os benefícios para o solo, controle de doenças e nematoides, além de estratégias eficientes de implantação. Saiba mais sobre essa prática que promove a rotação de culturas e preservação ambiental para um futuro agrícola mais promissor.

Atualizado: 12/07/2023

A monocultura favorece a redução da biomassa e da variabilidade microbiana do solo, alterando sua estrutura e promovendo compactação e aumento de doenças. Frente a estes problemas, cada vez mais o uso sustentável da terra tem se tornado não só uma exigência do mercado consumidor de alimentos, mas também uma alternativa necessária para a manutenção da produtividade dos cultivos.

Inseridos neste contexto de sustentabilidade estão práticas de preservação ambiental e escolha de sistemas de produção conservacionistas, com rotação de culturas. O uso de plantas de cobertura contribui grandemente com a conservação e melhoria dos atributos físicos, químicos e biológicos do solo.

O que são plantas de cobertura?

As plantas de cobertura mais utilizadas e recomendadas são espécies das famílias das Poaceae (gramíneas) e Fabaceae (leguminosas). Como o próprio nome diz, elas têm a finalidade de cobrir o solo, principalmente no período entressafras.

A manutenção do solo coberto durante o ano todo traz muitos benefícios, como redução de processos erosivos, aumento do teor de matéria orgânica do solo (no longo prazo), reciclagem de nutrientes, promoção do equilíbrio da microfauna do solo devido à maior diversidade de culturas cultivadas na área, controle de nematoides (dependendo da espécie utilizada), melhoraria da estrutura física do solo (aumento de agregados), controle de crescimento de plantas daninhas, entre outros.

Se esta prática promete tanto, por que não é adotada por muitos?

Várias pesquisas já estudaram e comprovaram os benefícios do uso de coberturas vegetais, mas ainda há muita resistência por parte dos produtores porque, na prática, em algumas situações, o uso dessas plantas não se adequa a muitos sistemas de produção.

Por exemplo, muitas recomendações de pesquisa apontam resultados positivos do plantio de culturas de cobertura sobre a produtividade da soja e milho cultivado em sequência, no entanto, não é fácil renunciar ao cultivo da cultura econômica para beneficiar o cultivo seguinte, por mais que esta prática possa trazer retornos ao sistema no longo prazo.

O consórcio é uma alternativa

No Mato Grosso, por exemplo, devido ao déficit hídrico, não é viável semear plantas de cobertura no inverno em sistema de sequeiro. Portanto, não é possível cultivar as plantas de cobertura se elas não forem semeadas no verão. Deste modo, o consórcio entre plantas de cobertura e uma cultura principal (geralmente o milho), é prática obrigatória para quem deseja adotar este sistema sem sacrificar uma safra de ganhos econômicos.

Como implantar as plantas de cobertura?

Para a implantação de um consórcio bem-sucedido, é crucial que sejam adotadas estratégias que garantam vantagem competitiva à cultura principal, de modo que não haja perdas de produtividade devido às competições interespecíficas. Este é um cuidado que deve ser tomado principalmente nos primeiros estágios de desenvolvimento da cultura, até que ela se desenvolva o suficiente para, naturalmente, suprimir o crescimento da cultura secundária.

A cultura do milho é muito competitiva em consórcios devido ao seu metabolismo de fixação de carbono (C4), porte alto e rápido crescimento inicial. Deste modo, possui vantagem competitiva natural sobre plantas de metabolismo C3, como é o caso das crotalárias. No entanto, quando se trata do consórcio entre duas espécies de plantas C4, algumas estratégias devem ser tomadas na implantação do sistema. No caso do consórcio milho + braquiária, que é um dos consórcios mais utilizados, as seguintes estratégias de implantação podem ser tomadas:

Controle de crescimento com herbicidas:  Neste sistema a braquiária pode ser

(i) distribuída à lanço pouco tempo antes da semeadura do milho, sendo incorporada posteriormente pela semeadora, ou pode-se adaptar uma segunda caixa na semeadora que promova a distribuição das sementes de braquiária à frente dos distribuidores de sementes de milho, de modo que esta operação também incorpore-as no solo (Figura 1A); ou

(ii) as sementes podem ser semeadas em linhas alternadas se a semeadora tiver reservatório de sementes independente para cada linha (Figura 1B). Visto que neste caso as duas culturas são semeadas no mesmo momento, é necessário controlar o desenvolvimento da braquiária por meio da aplicação de herbicidas seletivos para o milho em dose que retarde o crescimento, mas que não mate a braquiária.

Implantação da braquiária junto com o fertilizante de semeadura: Neste caso as sementes de braquiária são depositadas abaixo do sulco de semeadura, junto com o fertilizante N-P-K, no momento da semeadura do milho (Figura 1C), sendo a vantagem competitiva garantida pela maior profundidade de semeadura da braquiária, resultando em emergência posterior ao milho. Neste sistema a aplicação de subdoses de herbicidas também pode ser necessária.

Plantio em momentos diferentes: Neste sistema a vantagem competitiva é conferida pelo tempo, uma vez que o plantio da braquiária é feito posteriormente ao plantio do milho. A cultura de cobertura pode ser semeada à lanço (Figura 1D) ou incorporada na linha (Figura 1E), junto com a primeira adubação de cobertura via solo.

Implantação de consórcio de plantas de cobertura

Figura 1. Esquema de formas de implantação do consórcio milho com braquiária (A) sementes de braquiárias distribuídas a lanço antes da semeadura do milho; (B) implantação da braquiária nas entrelinhas do milho; (C) implantação da braquiária junto com o fertilizante de semeadura; (D) implantação da braquiária posterior ao milho, junto com o fertilizante de cobertura aplicação à lanço; (E) implantação da braquiária posterior ao milho, junto com o fertilizante de cobertura incorporado nas entrelinhas doo milho; (F) milho solteiro. Fonte: Adaptado Almeida (2014).

Há competição entre as espécies de plantas de cobertura?

Almeida (2014) comparou os principais métodos de implantação do consórcio milho + braquiária com o cultivo do milho solteiro, verificando que nenhum dos métodos de implantação interferiu negativamente sobre a produtividade do milho.

Por outro lado, em se tratando da produtividade da braquiária, os métodos de semeadura posterior ao plantio do milho reduziram drasticamente a produção de matéria seca desta forragem. Quanto à competição por nutrientes, Almeida (2014) verificou que a braquiária não compete com o milho pelo fertilizante nitrogenado, concluindo que não é necessário aumentar as doses de N nestes sistemas de consórcio.

Na Figura 2, observamos resultados do trabalho de Oliveira et al. (2019), que cultivou diferentes espécies de plantas de cobertura (braquiária na entrelinha do milho safra e 2ª safra). Por meio dos seus resultados, podemos observar a elevada contribuição da braquiária no incremento de matéria seca total produzida na área, bem como na reciclagem de nutrientes como N, P e K, principalmente na safra.

Neste estudo, a braquiária brizantha foi a que mais acumulou matéria seca. Atributos como estes evidenciam o potencial deste sistema para elevar o teor de matéria orgânica do solo, reciclar nutrientes, e produzir forragem para criação de gado ou para formação de palhada visando o plantio direto.

Figura 2. Influência dos sistemas de cultivo no acúmulo total de biomassa (milho e Brachiaria) (BMT), nitrogênio (NT), fósforo (PT) e potássio (KT). MM: monocultura de milho; MBC: milho + Brachiaria convert; MBB: milho + B. brizantha; MBR: milho + B. ruziziensis. Letras minúsculas indicam diferenças significativas (p> 0,05) entre os compartimentos dentro de cada sistema de cultivo; letras maiúsculas significativas diferenças (p> 0,05) entre os sistemas de cultivo; e barras verticais o erro padrão dos dados. Fonte: Oliveira et al. (2019).

Kappes et al. (2014) verificaram redução na produtividade do milho cultivado em consórcio com Crotalaria juncea, no entanto, este sistema favoreceu a soja cultivada na safra seguinte (aumento de até 800 kg ha-1 de grãos em relação a soja cultivada onde não houve consórcio).

A Crotalaria juncea é uma espécie de metabolismo C3, mas que apresenta rápido crescimento inicial e alto porte. Estas características são interessantes para produção de massa seca para o cultivo da soja subsequente, mas penaliza o desenvolvimento do milho se não forem usadas estratégias para suprimir seu crescimento inicial.

Kappes et al. (2014) não observaram redução na produtividade do milho cultivado em consórcio com Crotalaria ochroleuca, Crotalaria spectabilis e Urochloa ruziziensis, sendo que todas estas plantas de cobertura também aumentaram a produtividade da soja cultivada na safra subsequente.

Desafios do sistema

Um dos maiores desafios no cultivo do consórcio, além de manter o milho em vantagem competitiva sem prejudicar permanentemente a cultura de cobertura, está no controle de plantas daninhas. Nos sistemas de cultivos integrados, o manejo de plantas daninhas se torna mais complexo, uma vez que a atrazina e o glifosato, herbicidas mais utilizados no milho, não apresentam seletividade para as crotalárias, exigindo maior capacidade operacional e conhecimento do produtor.

Outro grande desafio no consórcio milho + crotalária, tem sido o controle da soja tiguera, visto que tanto a soja quanto a crotalária são leguminosas (folhas largas), dificultando o controle químico. A recomendação usual é colher a soja e aguardar alguns dias para que ocorra a emergência da tiguera e realizar sua dessecação antes da semeadura do milho + crotalária. No entanto, a espera não é interessante no plantio do milho segunda safra, visto que cada dia de atraso importa, e penaliza a produtividade final.

O GAPES (Grupo Associado de Pesquisa do Sudoeste Goiano – https://gapescna.agr.br/) tem uma linha de pesquisa neste assunto, e encontrou um herbicida seletivo para o controle da soja tiguera no consórcio milho + Crotalaria spectabilis, sendo que neste momento ainda estão sendo feito experimentos para a determinação da dose mais adequada do herbicida. Mais informações podem ser encontradas na página neste vídeo (https://www.instagram.com/tv/CKmpD2BBRy4/?igshid=j0c397pi687l), no instagram do GAPES (@gapesgo).

Planejamento é tudo

No II Simpósio Desafios da Fertilidade do Solo na Região do Cerrado, realizado em 2016, o Engenheiro Agrônomo José Eduardo de Macedo Soares Jr, popular Zecão, ministrou uma palestra sobre a rotação de culturas para controle de doenças, mostrando exemplos de consórcios e rotações adotados na sua propriedade, a Fazenda Capuaba, localizada no estado de Mato Grosso. Nesta ocasião, ele mostrou qual o manejo adotado por ele, decorrente de um planejamento de 4 anos (Figura 3).

ideia de consórcio com plantas de cobertura
Figura 3. Planejamento adotado de cultivo de consórcios e plantas de cobertura adotado pela Fazenda Capuaba (A); Consórcio milho + braquiária ruziziensis, na Fazenda Capuaba (B).
Fonte: Soares Jr. (2016).

Na Figura 4, vemos os resultados obtidos depois de 10 anos de manejo de rotação e consórcio de culturas. Observa-se incrementos, principalmente, no teor de K, matéria orgânica e CTC do solo.

Figura 4. Resultados de análises de solo evidenciando incrementos obtidos após 10 anos de manejo de rotação e consórcio de culturas. Fonte: Soares Jr. (2016)

O manejo sustentável da terra feito na Fazenda Capuaba resultou em margem de lucro (R$ ha-1) superior às propriedades mais lucrativas da região do Grupo Norte do Mato Grosso (Figura 5).

Figura 5. Margem de lucro da soja cultivada na Fazenda Capuaba em comparação a 45 propriedades do Grupo Norte do Mato Grosso. Fonte: Soares Jr (2016).

Braquiárias ou crotalárias?

Vimos que em consórcio entre plantas de cobertura com o milho, os gêneros mais utilizados e com mais resultados são Urochloa (braquiárias) e Crotalaria. Cada um destes gêneros oferta benefícios específicos que se encaixam melhor a cada situação.

O manejo do consórcio milho + braquiária é interessante visando a incorporação de matéria orgânica e formação de palhada, principalmente em regiões mais quentes como é o caso da região do cerrado, pois trata-se de material com maior teor de lignina e maior relação C/N, o que reduz a velocidade de decomposição. Outra característica interessante no consórcio com braquiária é a possibilidade de utilização da braquiária para o pastejo entre três e cinco meses após a colheita do milho.

A utilização de crotalária é interessante devido a fixação de N atmosférico no sistema por meio da decomposição de seus restos culturais. As crotalárias possuem relação C/N menores modo, os nutrientes incorporados em sua biomassa são mais rapidamente disponibilizados para a cultura subsequente.

Outra vantagem do cultivo de crotalárias, é o controle de nematoides. Tanto a C. juncea quanto a C. spectabilis tem a capacidade de facilitar o controle de nematoides formadores de galhas (Meloidogyne javanica e M. incognita). Inclusive, o controle de nematoides é um dos grandes impulsionadores do uso de consórcio. Acredita-se que o uso de sistemas integrados cresça à medida em que problemas com nematoides venham a ser tornar cada vez mais frequentes.

Considerações finais

O consórcio e rotação de culturas com plantas de cobertura tem tanto resultados práticos, quanto de pesquisa a seu favor. Sabemos que cultivar duas espécies em um mesmo ambiente, ao mesmo tempo, exige muito conhecimento técnico por parte dos produtores que se aventuram neste sistema.

Porém, é fato que a busca por cultivos mais sustentáveis cada vez mais vem deixando de ser exceção, e se tornando uma regra para àqueles que buscam incrementos de produtividade, competitividade e, principalmente, longevidade na atividade agrícola.

Não estamos dizendo que é fácil implantar este tipo de sistema com plantas de cobertura, nem que o mesmo é a solução de todos os males da lavoura. Assim como tudo o que não é mágica na agricultura, os benefícios do consórcio aliado à rotação de culturas são observados com o tempo, principalmente no longo prazo. Por isso, é preciso constância, paciência e, principalmente, consciência de que práticas deste tipo são necessárias para se manter na atividade e viabilizar a agricultura do futuro.

Referências

ALMEIDA, R. E. M. Fertilização nitrogenada no consórcio milho-braquiária em solos de clima tropical úmido no sistema de integração lavoura-pecuária Rodrigo Estevam Munhoz de Almeida Piracicaba. Universidade de São Paulo Escola Superior de Agricultura “ Luiz de Queiroz ”, 2014.

KAPPES, C.; ZANCANARO, L; FUGIMOTO, G. R. Modalidades de consórcios de braquiária e de crotalárias com a cultura do milho. In: CONGRESSO NACIONAL DE MILHO E SORGO, 30., 2014. Salvador. Resumos… Sete Lagoas: ABMS, 2014, p. 1-4.

OLIVEIRA, S. M. et al. Contribution of corn intercropped with Brachiaria species to nutrient cycling 1. Pesq. Agropec. Trop., v. 49, p. 1–9, 2019.

SOARES JR, J. E. DE M. Rotação de culturas para controle de doenças. II Simpósio Desafios da Fertilidade do Solo na Região do Cerrado. Cuiabá-MT: GAPE, 2016. Disponível em: <https://gape-esalq.com.br/wp-content/uploads/2019/03/Rotação-de-culturas-para-controle-de-doenças-José-Macedo.pdf>

Este texto é opinião do autor, não reflete necessariamente opinião da Agroadvance.

Sobre a autora:

Atualizado por: Beatriz Nastaro Boschiero (Editora-chefe Agroadvance)

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