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Fonte: Socicana

Intoxicação por defensivos agrícolas: compreender para prevenir

 A intoxicação por defensivos agrícolas (ou intoxicação por agrotóxicos) é um problema que deve ser prevenido. Encontre informações cruciais sobre os agrotóxicos ou defensivos químicos, desde sua definição até sintomas de intoxicação e estratégias eficazes de prevenção.

Quando se ouve falar de agrotóxicos, a percepção do cidadão comum é de que estamos diante de substâncias necessariamente nocivas aos produtos agrícolas e, por conseguinte, aos seres humanos e ao meio ambiente. E que, portanto, devem ser sumariamente evitados, como se pouco ou quase nada de bom destes se aproveitasse.

Entretanto, os agrotóxicos ou defensivos agrícolas, são essenciais para a proteção dos cultivos e manutenção da produtividade das lavouras, sendo, portanto, essenciais para a segurança alimentar global.

A capacitação pessoal e a adoção de procedimentos padronizados para o trato com os defensivos agrícolas ao longo do ciclo de vida destes produtos no meio agrícola, assim como a adoção de novas tecnologias, podem contribuir decisivamente para a prevenção de oportunidades de ameaças à saúde dos trabalhadores no campo.

Apesar da amplitude da temática, esperamos que este breve texto, em sua simplicidade, possa ser de utilidade. Estamos ao seu dispor para esclarecimentos sobre as questões relacionadas.

Boa leitura, bom proveito!

O que são agrotóxicos ou defensivos agrícolas?

Sob a denominação genérica de Agrotóxicos, comumente chamados de “remédios para plantas”, podemos encontrar os inseticidas, fungicidas, herbicidas e outros produtos químicos que são utilizados para controlar pragas, doenças e plantas daninhas que possam, de distintas maneiras, ameaçar ou trazer prejuízos à produção agrícola.

Inseticidas são os químicos destinados ao controle de ovos, larvas e dos insetos adultos. Fungicidas são aqueles utilizados para o combate aos fungos, causadores de doenças de plantas. Por sua vez, os herbicidas são destinados ao trato com as plantas daninhas, que competem com a cultura principal por água e nutrientes. Podemos falar ainda em outros grupos relevantes para o setor, como os acaricidas para atuar sobre os ácaros e os nematicidas com ação sobre os nematoides.

Por serem utilizados na prevenção e no tratamento dessas ameaças, também são conhecidos como “defensivos agrícolas”, termo que, particularmente, entendo ser mais apropriado, pelas razões expostas a seguir.

Atribui-se a Paracelso, médico e alquimista suíço (1493-1541), considerado o “pai da Toxicologia”, a ciência que estuda as interações entre os químicos e os seres vivos, a seguinte máxima: “Todas as substâncias são venenos, não existe nada que não seja veneno. Somente a dose correta diferencia o veneno do remédio.” Ou seja, tudo é remédio ou veneno, a depender da dose!

Neste sentido, todos os químicos, em suas diversas formas, incluindo a água e o oxigênio, bem como os medicamentos, por meio dos quais buscamos melhorias e tratamentos para o nosso organismo, quando administrados de modo equivocado, podem ser danosos ao mesmo.

E como poderemos saber se determinado produto de uso na lavoura é ou não potencialmente danoso à saúde do trabalhador rural?

Como ocorre a intoxicação por defensivos agrícolas?

Cabe destacar que, a priori, nem toda substância com aprovação para utilização como defensivo agrícola é necessariamente danosa aos seres humanos. Para tanto, é preciso verificar sua composição e potencial toxicológico, de causar interações danosas com os organismos vivos e ao meio ambiente.

A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) classifica os defensivos agrícolas em 6 categorias toxicológicas com relação à periculosidade ao ser humano, sendo a Categoria 1 e 2 as mais tóxicas (faixa vermelha) e a categoria não classificada (faixa verde) a menos tóxica, conforme mostrado na Figura 1.

Classes toxicológicas de intoxicação por agrotóxicos em humanosintoxicação por defensivos agrícolas
Figura 1. Classes toxicológicas de produtos químicos.  Fonte: RDC 294/2019 (ANVISA, 2019).

A intoxicação por agrotóxicos pode ser dar de duas formas:

  • Exposição direta: diz respeito à exposição em atividades como o manuseio para o transporte, a armazenagem, o preparo e a transferência de caldas, aplicação na lavoura, destinação de resíduos e limpeza dos ambientes e dos utensílios.
  • Exposição indireta: se dá pela contaminação cruzada pelo contato com plantas, roupas, objetos e até alimentos contendo resquícios dos produtos utilizados.

Quanto à probabilidade de um determinado defensivo agrícola causar danos à saúde do trabalhador, é necessário avaliar o risco relacionado às condições nas quais as atividades a carga desse indivíduo ocorrem.

O risco pode ser entendido como o produto da toxicidade do produto em si, conjugada com as condições de exposição (dose, duração, forma de penetração no organismo, meios de proteção disponíveis etc.), conforme resumido na Figura 2.

avaliação de riscos de intoxicação por agrotóxidos
Figura 2. Avaliação de risco por exposição a químicos.

Em relação aos efeitos, estes podem se dar em curto espaço de tempo após o contato ou exposição, também chamados de agudos e ou efeitos de longo prazo, passados dias, meses e mesmo anos após a exposição, sendo por isso considerados crônicos.

Quais os sintomas da intoxicação por Agrotóxicos?

Os sintomas da intoxicação por agrotóxicos podem assumir uma variedade de formas, desde cefaleias, tonturas, vertigem e alterações visuais, passando por náuseas, vômitos e cólicas abdominais, por problemas respiratórios, dores no peito e falta de ar, irritação nasal, olhos e garganta, com acessos de tosse, alterações na micção (em quantidade e cor), salivação e sudorese aumentadas, falas com frases desconexas e queimaduras e alterações na pele, entre outros, conforme a natureza das substâncias às quais o trabalhador foi exposto e as vias de sua penetração no organismo.

Visando a tomada de providências em atenção à saúde do trabalhador, a OPAS/OMS define como caso suspeito de intoxicação por agrotóxicoTodo indivíduo que, tendo sido exposto a agrotóxicos, apresente sinais e/ou sintomas clínicos de intoxicação. Também será considerado como suspeito o indivíduo que, mesmo sem apresentar sinais e/ou sintomas clínicos de intoxicação, tenha sido exposto a produtos agrotóxicos e apresente alterações laboratoriais compatíveis”.

Assim, além do devido treinamento e o fornecimento dos equipamentos de proteção necessários para lidar com estes produtos, as empresas que destes fazem uso devem estabelecer, previamente, um conjunto de procedimentos para as condutas de emergência e de primeiros socorros, para casos de contato com a pele, olhos, inalação ou ingestão acidental, ademais adotar do exame regular de biomarcadores, que indicam a presença e o nível de determinado toxicante no organismo de um  trabalhador.

É possível prevenir a intoxicação por Agrotóxicos?

Não é só possível como necessário prevenir a intoxicação por Agrotóxicos. Para a adequada gestão dos agrotóxicos no ciclo produtivo dos empreendimentos agropecuários é necessário observar o ciclo de vida destes produtos nestas organizações. Ou seja, a sua entrada, permanência, utilização e saída nas instalações da organização.

A entrada deve se dar por meio da adequada aquisição, a partir da prescrição em receituário apropriado, com o tipo de produto (e sua composição) específico para a cultura-alvo, número e periodicidade entre aplicações, sempre em observância às restrições primárias de segurança, contidas na bula, no rótulo do produto ou, ainda, em sua FISPQ.

A permanência diz respeito aos cuidados de transporte, armazenamento e preparação para as aplicações, inclusive em relação às transferências desde o contenedor utilizado para este preparo até o aplicador, de acordo com o meio utilizado para tanto: se por uso de pulverizadores intercostais, tratorizados ou, mesmo, por drones.

Por sua vez, a saída do agrotóxico se dá pelo seu consumo, bem como pelo descarte de seus resíduos e embalagens, ações que devem seguir procedimentos adequados, como a lavagem dos reservatórios utilizados em seu processamento e a logística reversa das embalagens, após inutilizadas para evitar o uso indevido das mesmas, de volta aos fabricantes e seus assemelhados, como representantes e distribuidores.

No tocante a este último aspecto, importante destacar o trabalho realizado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (INPEV), que tornou o Brasil destaque mundial no trato com as embalagens de defensivos agrícolas.

Cuidados no trato com Agrotóxicos:

Ademais dos cuidados gerais ao longo do ciclo de vida dos agrotóxicos nas organizações, como acima explicitado, os trabalhadores sujeitos ao contato com estes, devem utilizar equipamentos de proteção individual (EPI) em todas as situações que ensejam oportunidades de exposição, entre os quais, podemos recomendar:

  • Vestimentas: macacão impermeável com capuz (preferentemente) ou calças e camisas compridas, de tecido hidrorrepelente (para evitar a passagem dos produtos ao seu interior e o contato com o corpo dos trabalhadores);
  • Avental: também impermeável, com uso frontal durante as manipulações (como na preparação da calda) e costal (quando das aplicações com reservatórios costais;
  • Calçados: botas de cano longo e impermeáveis. Devem ser utilizadas dentro das calças, para evitar o escorrimento de produtos ao seu interior;
  • Luvas: preferentemente nitrílicas ou de neoprene, ou, ainda, de látex ou de PVC, segundo as indicações de compatibilidade e exigências constantes nas bulas ou nas FISPQ dos produtos manuseados. Devem ser usadas interna ou externamente às mangas, conforme a posição da aplicação em relação ao trabalhador, no sentido de evitar o escorrimento em seu interior. Por regra: alvos altos, luva por fora; alvos baixos, luvas por dentro;
  • Proteção respiratória: é importante evitar a inalação de partículas e/ou vapores tóxicos. Estes podem ser descartáveis ou duráveis (com filtros de reposição), cuja vida útil e a efetividade devem ser rigorosamente controladas, pois podem tornar-se meio de contaminação direta e cruzada quando saturadas;
  • Proteção facial e ocular: por meio de viseiras, preferentemente, para a proteção dos olhos e da face contra respingos; e,
  • Proteção para a cabeça, pescoço e couro cabeludo: touca ou boné árabe, em tecido impermeável, que deve ser cuidadosamente ajustado à proteção facial e respiratória.

Cabe destacar que as vestimentas com a finalidade de proteção devem ser adequadas ao tamanho, às medidas dos segmentos do corpo de cada usuário, para que não ocorram folgas ou áreas permaneçam desprotegidas quando do plantio, fumigação, pulverizações etc. Neste sentido, vejamos a Figura 3:

Figura 3. Como devem ser tomadas as medidas dos equipamentos de proteção individual. Fonte: Boletim Técnico Sayro®

Por outro lado, é devido relembrar da importância da aquisição de vestimentas e EPI, em geral, devidamente certificados. Ou seja, aqueles que foram desenvolvidos, testados e aprovados para uma finalidade específica e segundo níveis de proteção desejados.

Outrossim, é devido também observar que a sequência de vestir e despir as peças componentes da vestimenta de proteção aos agrotóxicos não se dá na ordem inversa entre estas, como poderia se pensar. No despir, a última peça a ser sacada é o protetor respiratório, para que sua função seja mantida durante todo o ciclo de retirada das vestimentas.

Novas formas de intervenção na lavoura

Como bem pontuado por Paracelso, “tudo é veneno ou remédio”. Apesar de sua efetividade, o necessário uso de químicos, para fins diversos, pode resultar eventos indesejados.

Em face desta inafastável realidade, a adoção de novas tecnologias, como o uso de defensivos biológicos e a aplicação de defensivos pulverizados por drones nas lavouras, têm contribuído sobremaneira para a redução das oportunidades de tais eventos frente à proteção conferida aos cultivos, e apontam para cenários promissores.

Conclusão

Como brevemente discutido, é devido compreender que as questões relacionadas à prevenção de intoxicações por agrotóxicos demandam responsabilidades e atuação coordenada ente os produtores, os canais de comercialização (distribuidores e cooperativas), bem como entre fabricantes e o Poder Público, em seus respectivos papéis, bem como pela academia, buscando a formulação de alternativas que sejam economicamente viáveis e eficazes.

Por fim, resta claro que é possível sim prevenir as intoxicações por Agrotóxicos.


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Referências

ABNT NBR ISO 27065:2023. Vestimenta de proteção – Requisitos de desempenho para vestimenta de proteção utilizada por trabalhadores na aplicação de agrotóxicos e durante o período de reentrada.

_____. NBR 9843-1:2019. Agrotóxicos e afins – Armazenamento Parte 1: Armazéns industriais, armazéns-gerais e centros de distribuição.

_____. NBR 9843-2:2019. Agrotóxicos e afins – Armazenamento Parte 2: Distribuidores e cooperativas.

_____. NBR 9843-3:2019. Agrotóxicos e afins – Armazenamento Parte 3: Propriedades rurais.

_____. NBR 9843-4:2019. Agrotóxicos e afins – Armazenamento Parte 4: Laboratórios

_____. NBR 9843-5:2019. Agrotóxicos e afins – Armazenamento Parte 5: Embalagens vazias ou contendo resíduos em galpões de centrais e postos de recebimento.

AGENCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 294, de 29 de Julho de 2019. Classificação Toxicológica de Agrotóxicos e afins.

BARBOSA FILHO, Antonio Nunes. Segurança do Trabalho na Agropecuária e na Agroindústria. São Paulo: Atlas, 2017.

BRASIL. Lei n. 14.785, de 27 de dezembro de 2023. (Nova Lei de Agrotóxicos).

_____. Ministério do Trabalho e Emprego. Norma Regulamentadora (NR) n. 31 – Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária, Silvicultura, Exploração Florestal e Aquicultura.

Sobre o autor

Antonio Nunes Barbosa Filho

Professor na Universidade Federal de Pernambuco

Este post tem 3 comentários

  1. Antonio Carlos Castellar de Castro

    Caro professor, parabéns pelo excelente artigo, objetivo, claro, didático e esclarecedor! 👏👏👏👏

    1. Antonio Nunes Barbosa Filho

      Obrigado pela gentileza de seu comentário, Eng. Castellar. Estamos à sua disposição para outras temáticas relacionadas às relações entre a Segurança Ocupacional e o Agronegócio. Conte conosco na caminhada!

  2. Gercica Macêdo

    Maravilhoso o artigo, Professor. Parabéns pela enorme contribuição na área de segurança do trabalho. Sou eternamente grata pelos seus ensinamentos.

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