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Mancha alvo da soja (Corynespora cassiicola): potencial de perdas e manejo da doença

A mancha alvo é uma das principais doenças da cultura da soja e o aumento de sua incidência nas áreas de cultivo tem preocupado os produtores brasileiros.

Agente causal e sintomatologia da mancha alvo da soja

A mancha alvo é causada pelo fungo Corynespora cassiicola. Nas folhas, as lesões se iniciam com pontuações de cor parda com halo amarelo, que se expandem formando lesões de até 2 cm de diâmetro, de formato arredondado a irregular e coloração castanho-clara a castanho-escura, lembrando um alvo devido à variação de coloração que forma anéis concêntricos com um ponto escuro no centro (Figura 1) (GODOY et al., 2016a).

Em cultivares suscetíveis, as manchas podem ser estreitas e se estenderem ao longo das nervuras na face superior das folhas, hastes e vagens também são afetadas e pode ocorrer a desfolha prematura (GODOY, 2016b).

As manchas em vagens normalmente são circulares, com 1 mm de diâmetro e centro deprimido, com coloração roxa ou preta no centro e marrom nas margens, podendo cobrir toda a vagem sob condições ambientais favoráveis (GODOY, 2016b).

Quando o fungo consegue penetrar a vagem, lesões de cor castanho-escura podem ocorrer em sementes. Manchas marrom-avermelhadas podem ocorrer em raízes e hipocótilos. As lesões adquirem cor castanho-violeta escuro quando o fungo se reproduz com a formação de conidióforos e conídios do fungo (estruturas reprodutivas) em partes infectadas. (GODOY et al., 2016a; GODOY, 2016b).

mancha alvo da soja
Figura 1. Sintomas de mancha alvo em folhas de soja. Fontes: Godoy, 2016b (A) e Godoy et al., 2020 (B)

Severidade da mancha alvo e perdas de produção

Um estudo de Edwards Molina e colaboradores (2019a), conduzido utilizando dados de ensaios com fungicidas realizados de 2012 a 2016 em diferentes estados produtores de soja, permitiu o estabelecimento de uma relação entre a severidade da mancha alvo e as perdas de produtividade.

Para uma severidade da doença de 50%, determinada entre os estádios R5 (início do enchimento de grãos) e R6 (grãos cheios), foram verificadas perdas potenciais de 8 a 42%. Esta faixa de grande amplitude reflete a diferença de tolerância à doença entre cultivares.

severidade da mancha alvo no campo
Figura 2. Relações entre a severidade da mancha alvo e produtividade de soja para as cultivares BMX Potencia RR, M9144 RR e TMG803 representadas em regressões lineares (linhas pretas), intervalo de confiança de 95% (área sombreada cinza) e modelos específicos do estudo observados (linhas cinza). O coeficiente de dano (DC) para cada cultivar representa o dano à produção em kg/ ha para cada 1% de incremento na severidade da doença. Fontes: Gráficos de Edwards Molina et al., 2019a (adaptado); figuras de folhas de soja com sintomas de mancha alvo em diferentes severidades: Soares et al., 2009.

Os autores verificaram que para a cultivar BMX Potência RR houve uma pequena perda de produtividade com o aumento da severidade da doença, enquanto que para a cultivar M9144 RR, as perdas foram bastante expressivas.

O coeficiente geral de dano obtido neste estudo foi de 0,48 e significa que quase duas sacas por hectare (168 kg/ ha) de soja são perdidas para cada incremento de 10% na severidade da mancha alvo, considerando uma produtividade de 3500 kg/ ha (58,3 sacas/ hectare) como referência.

Para cultivares mais tolerantes, como a BMX Potência RR, esta perda de produtividade é de pouco mais de uma saca por hectare, já para cultivares mais suscetíveis, a perda para cada aumento de 10% de severidade da mancha alvo equivale a cerca de 5 sacas por hectare.

Estas diferenças implicam que nem sempre a perda potencial devido à doença justifica a aplicação de fungicidas, isto quer dizer que o custo com o controle pode não compensar os ganhos de produtividade, principalmente para cultivares tolerantes (Edwards Molina et al, 2019b).

 Aspectos epidemiológicos

O fungo sobrevive em sementes infectadas, restos culturais de soja e em diversos tipos de resíduos vegetais, pode desenvolver atividade saprofítica também colonizando cistos de Heterodera glycines (nematoide-do-cisto da soja) (GODOY et al., 2016a; GODOY, 2016b).

C. cassiicola também é capaz de sobreviver em hospedeiros alternativos, pois infecta muitas outras espécies de plantas, entre elas o algodão, o feijão e a crotalária (GODOY et al., 2020).

Caules e raízes da soja podem ser infectados no início do seu desenvolvimento (GODOY, 2016b). Após o fungo formar estruturas reprodutivas (conidióforos e conídios), ocorre a dispersão dos conídios pelo ar.

Os conídios depositados sobre folhas sadias poderão provocar a infecção na presença de água livre sobre a folha e em condições de umidade relativa do ar elevada (de pelo menos 80%) (GODOY, 2016b), assim, períodos chuvosos são favoráveis à doença.

Além disso, temperaturas do solo de 15 a 18°C também favorecem o estabelecimento da doença (GODOY, 2016b).

Manejo da mancha alvo no campo

O uso de cultivares resistentes, o tratamento de sementes, a rotação e sucessão de culturas com o milho ou outras gramíneas são medidas recomendadas no manejo de C. cassiicola (GODOY, 2016b).

O uso de sementes sadias também é fundamental, já que o fungo pode ser veiculado por sementes infectadas. A aplicação de fungicidas em parte aérea é indicada para o controle da mancha alvo em condições de alta severidade em cultivares não tolerantes e pode ser economicamente inviável em cultivares tolerantes (Edwards Molina et al, 2019b), assim, é fundamental um bom conhecimento da cultivar.

Quando se faz o controle químico, a rotação de fungicidas de diferentes modos de ação é imprescindível para evitar a seleção de isolados do fungo resistentes. Adicionalmente, o uso de fungicidas multissítios (como mancozebe e oxicloreto de cobre) associados a fungicidas sítio-específicos, e, também, a rotação dos ingredientes ativos do fungicida multissítio entre aplicações, é uma estratégia indicada no manejo anti-resistência1. O controle eficiente da mancha alvo foi relatado com as seguintes associações de fungicidas:

  • fluxapiroxade e protioconazol (GODOY et al., 2020);
  • azoxistrobina, protioconazol e mancozebe; (GODOY et al., 2020);
  • bixafen, protioconazol e trifloxistrobina; (GODOY et al., 2020);
  • fluindapir e protioconazol (GODOY et al., 2020);
  • fluxapiroxade e piraclostrobina (Edwards Molina et al, 2019b)
  • fluxapiroxade, piraclostrobina e epoxiconazol (Edwards Molina et al, 2019b)

Embora o carbendazim esteja registrado para o controle da mancha alvo (AGROFIT), há relatos de sua baixa eficiência devido à existência de isolados resistentes (GODOY, 2016b; Edwards Molina et al, 2019b).

Em alguns estados produtores (MT, MS, GO, BA, MG, PR, TO) já foi relatada também a resistência completa de isolados de C. cassiicola a estrobilurinas (GODOY et al., 2020; FRAC, 2020).

Para evitar que outras moléculas deixem de funcionar desta forma, a recomendação de rotação de fungicidas de diferentes modos de ação deve ser seguida rigorosamente.

Por fim, quando há alta severidade da doença, mesmo que em cultivares tolerantes, a sucessão ou rotação com milho ou outras gramíneas deve ser adotada para que o inóculo não aumente ainda mais na área.

Nestes casos, é importante também que no próximo cultivo de soja na mesma área se dê preferência a cultivares resistentes ou tolerantes. Deste modo, o produtor evitará perdas devido à doença na safra futura.

1 Comunicação pessoal com Josicléa Hüffner Arruda, doutora em Fitopatologia e pesquisadora na Fundação Mato-Grosso.

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Referências

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FRAC. Quinone ‘outside’ inhibitor (QoI) Working Group. 2020 Disponível em: < https://www.frac.info/docs/default-source/working-groups/qol-fungicides/qoi-meeting-minutes/minutes-of-the-2020-qoi-wg-meeting-and-recommendations-for-2020-(jan-2020).pdf?sfvrsn=bb68499a_2> Acesso em 02/02/2021.

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SOARES, R.M.; GODOY, C.V.; OLIVEIRA, M.C.N. Escala diagramática para avaliação da severidade da mancha alvo da soja. Tropical Plant Pathology, v.34, n.5, p.339-344, 2009.

Este texto é opinião do autor, não reflete necessariamente opinião da Agroadvance.

Sobre a autora:

Ísis Tikami

Engenheira Agrônoma (ESALQ/USP)

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