São diversos os estresses abióticos pelos quais as lavouras de soja são expostas durante todas as safras, ano após ano, como oscilações bruscas de temperatura, déficit hídrico, deficiência de nutrientes, compactação do solo, entre outros.
Qualquer que seja o estresse, este pode, potencialmente, causar danos à produtividade e à qualidade final dos grãos. Em tempos em que há cada vez mais instabilidade climática, torna-se também cada vez mais importante se preparar para enfrentar os possíveis cenários, principalmente aqueles mais pessimistas.
Sabe-se que muitos destes acontecimentos estão além do nosso controle, mas existem alternativas bem estabelecidas que podem minimizar as perdas. Neste artigo, vamos discorrer sobre os fatores climáticos que podem causar reflexos negativos sobre a produtividade da soja e, ao final, expor as principais e mais efetivas estratégias para a redução dos danos que podem ser causados por estes eventos.
Estresses abióticos causado pela radiação solar
O sol é a fonte de energia que governa a fotossíntese, mecanismo através do qual as plantas produzem ATP para a manutenção dos seus processos metabólicos. A eficiência do uso da radiação pela soja aumenta de maneira gradual até as fases R1 e R2, quando a área foliar se aproxima do valor máximo.
Nestas fases, a soja chega a acumular 1,2 g de matéria seca por MJ de radiação fotossinteticamente ativa interceptada pelo dossel. No entanto, deste ponto em diante, inicia-se o processo de autossombreamento das folhas inferiores. Este sombreamento é inevitável com o crescimento das plantas e, dependendo da intensidade, não chega a comprometer o desenvolvimento.
Por outro lado, o sombreamento intenso decorrente de lavouras muito adensadas ou devido à infestação de plantas daninhas, pode reduzir o número de folhas e legumes, diminuir o acúmulo de fitomassa seca, aumentar a estatura das plantas e retardar a maturação fisiológica. Em um cenário contrário, quando a radiação solar atinge intensidades extremas, as plantas inclinam as folhas de modo a diminuir a interceptação da radiação, fato que também diminui a eficiência fotossintética, principalmente se associada à baixa disponibilidade hídrica.
Estresses abióticos causado pelo fotoperíodo
O comprimento dos dias (fotoperíodo) tem influência direta sobre o ciclo da soja, a planta começa a responder a este estímulo após a emissão da segunda folha verdadeira. O florescimento só ocorre em condições de fotoperíodo inferiores ao fotoperíodo crítico, que é em torno de 13 e 14 horas para a maioria das cultivares brasileiras. O cultivo da soja no Brasil, em regiões de baixa latitude onde os dias são mais curtos, só se tornou possível devido ao melhoramento genético, que introduziu o chamado período juvenil longo nas cultivares brasileiras.
O período juvenil é aquele em que a soja ainda não é afetada pelo fotoperíodo, assim, ao estendê-lo, permite-se o desenvolvimento vegetativo de forma adequada até o momento da floração, garantindo que as plantas só floresçam após atingirem um aporte suficiente para sustentar uma produção satisfatória.
Devido às diferenças de fotoperíodo em relação à latitude, é que se fez necessário o desenvolvimento de cultivares com diferentes grupos de maturação. No Brasil, são utilizadas cultivares que variam entre os grupos de maturação de 5 a 9, sendo que quanto maior este valor, maior a duração do ciclo em um mesmo local de cultivo. Geralmente, cada décimo de diferença entre os grupos representa cerca de 1,5 a 2 dias de diferença na duração total do ciclo.
Por exemplo, uma cultivar do grupo de maturação 7 tem um ciclo de 7 a 10 dias mais longo se comparada a uma cultivar do grupo 6.5. Quanto mais próximo a linha do equador, maior o grupo de maturação recomendado. Com base nestas informações, é importante conhecer a cultivar mais adequada para cada local de cultivo levando em consideração também o momento mais indicado para o plantio. Semeaduras tardias ou antecipadas podem influenciar negativamente a produtividade, simplesmente devido à variação na duração dos dias e consequente alteração na duração do ciclo.
Estresses abióticos causado por temperaturas extremas
A temperatura do solo e do ar também são fatores importantes no desenvolvimento da soja. Temperaturas do solo abaixo de 20°C comprometem a germinação e emergência das plântulas. Do mesmo modo, em condições de temperaturas do solo muito altas (acima de 55°C), plantas em fase cotiledonar podem ter suas membranas celulares desestruturadas, resultando em tombamento.
A condição ótima de temperatura para o crescimento da soja está entre 20 e 30°C, pois nesta faixa, a taxa de manutenção respiratória é menor, resultando em maior acúmulo de CO2. Temperaturas abaixo de 10°C e superiores a 40°C restringem o desenvolvimento da cultura, pois sob baixa temperatura o crescimento vegetativo é comprometido e altas temperaturas provocam danos à floração e reduzem a capacidade de retenção de legumes.
Estresses abióticos causado pelo déficit hídrico
O déficit hídrico é a limitação da evapotranspiração da cultura em função da redução da disponibilidade de água no solo, causando redução da taxa fotossintética e redução de produtividade. A sua ocorrência em sistemas de sequeiro é mais uma regra do que uma exceção, sendo responsável por 73,8% da quebra geral de produtividade nas principais regiões produtoras do Brasil.
O déficit hídrico reduz a produtividade da soja independentemente do momento em ocorre, mas existem fases mais sensíveis, que são entre a germinação e a emergência e entre a floração e o final do enchimento de grãos. Para a emergência, o conteúdo de água no solo deve estar entre 50 e 85% da capacidade de campo, enquanto entre a floração e o enchimento de grãos, o maior índice de área foliar eleva a evapotranspiração da cultura (ETc) ao seu máximo, sendo entre 15 e 50% maior que a evapotranspiração de referência (ETo), ou seja, é o período em que a cultura mais necessita de água.
Em se tratando de áreas de produção de semente de soja, o déficit hídrico associado a altas temperaturas ocasiona o aparecimento de sementes esverdeadas que, ao longo do período de armazenamento, sofrem oxidação destas células, o que reduz o vigor e o índice de germinação.
Figura 1. Baixo desenvolvimento e murcha na planta de soja devido à estresse abiótico causado pela seca. Fonte: Notícias agrícolas
Como reduzir danos causados por eventos que não se podem controlar?
Tudo começa com o adequado preparo e correção química do solo. Através das práticas de calagem, gessagem e fosfatagem, o pH e o alumínio do solo são neutralizados, e nutrientes como cálcio (Ca), magnésio (Mg), enxofre (S) e fósforo (P) são incorporados ao sistema, sendo que o Ca e o S provenientes do gesso atingem camadas mais profundas do solo. Estas operações fornecem ambiente adequado para o desenvolvimento radicular, deste modo, um maior volume de solo é explorado pelas raízes, permitindo que as plantas sofram menos com o déficit hídrico.
Outro fator importante, é a manutenção de palhada sobre o solo, preferencialmente através da prática de plantio direto. O cultivo de plantas de cobertura, com manutenção de palhada sobre a superfície, além de promover a ciclagem de nutrientes, favorecer a infiltração de água, manter a umidade, reduzir a compactação, evitar erosão e incorporar matéria orgânica, também impede que haja grandes oscilações de temperatura no solo, diminuindo a ocorrência de temperaturas muito altas ou muito baixas. Deste modo, o ambiente se torna mais adequado para a germinação das sementes e para o desenvolvimento radicular.
Feito o correto manejo de solo e palhada, a escolha da cultivar adequada também é essencial para cada região de cultivo, levando-se em consideração o grupo de maturação e, em certos casos, dando preferência para cultivares com tolerância à seca.
É muito importante também seguir a janela adequada de semeadura, de modo a evitar condições que alterem o ciclo da cultura, devido a variações no fotoperíodo, e épocas inadequadas de cultivo, devido a ocorrência de veranicos em fases críticas ou chuvas durante a colheita. Informações deste tipo podem ser consultadas para regiões de todo o Brasil através do zoneamento de risco climático do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Considerações finais
As condições climáticas citadas aqui, como radiação solar, disponibilidade de água, temperatura e fotoperíodo, ao mesmo tempo em que são as variáveis que permitem o desenvolvimento das plantas no nosso planeta, são também os principais causadores de estresses abióticos e limitadores na obtenção de produtividades ótimas.
Está fora do nosso alcance evitar a ocorrência destes fenômenos em condições indesejáveis nas lavouras, mas, até certo ponto, é isso que faz da produção agrícola uma atividade tão admirável: superar os desafios provenientes de uma indústria a céu aberto é atividade para poucos, e exige muita técnica e resiliência por parte dos agricultores!
Embora a ocorrência esteja além do nosso controle, é possível amenizar os efeitos negativos do clima por meio da técnica e do cultivo consciente, preparando o ambiente de forma adequada para que as plantas sejam menos prejudicadas. Não há segredos para isso, basta seguir as recomendações agronômicas mais básicas, principalmente no que se trata em preparar e corrigir o solo de modo a promover o aprofundamento do sistema radicular.
Hoje também há disponíveis no mercado produtos que visam amenizar estresses. A eficiência destes produtos deve ser criteriosamente estudada e comprovada, mas é fato que nada fará efeito satisfatório se a lavoura não estiver sustentada por uma boa base, afinal, uma base bem feita é o que há de mais simples e, como já dizia Leonardo Da Vinci, a simplicidade é o mais alto grau de sofisticação, e nada nunca irá superar isso.
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Referências bibliográficas
SENTELHAS, P. C.; BATTISTI, R. Clima e produtividade da soja: efeitos nas produtividades potencial, atingível e real. In: FUNDAÇÃO MT. Boletim de pesquisa 2015/2016. Santa Cruz do Sul, RS: Editora Gazeta, 2015. p. 18-43.
Este texto é opinião do autor, não reflete necessariamente opinião da Agroadvance.
Sobre a autora:Bianca de Almeida Machado