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Soja: inocular, reinocular e coinocular – por quê?

Inocular a soja traz resultados impressionante – no Brasil existem lavouras comerciais com produtividade agrícola acima de 100 sacas por hectare, manejadas somente com inoculação ou coinoculação, sem aplicação de nitrogênio mineral.

A soja e seus amigos rizóbios

Depois do carbono (C), hidrogênio (H) e oxigênio (O) fornecidos pelo ar e pela água, o nitrogênio (N) é o quarto elemento químico mais absorvido pelos vegetais, pois é constituinte básico de enzimas e proteínas, além da molécula de clorofila, substância chave do processo fotossintético das plantas.

A atmosfera, tanto acima da superfície, quanto aquela que ocupa a porosidade do solo é o maior depositório de N (78% de todos os gases que compõem o ar), o qual se encontra na forma gasosa como nitrogênio molecular (N2), ou seja, dois átomos de N unidos por tripla ligação covalente, uma das mais fortes que se conhece na natureza. Por essa razão, o N2 atmosférico não é utilizado diretamente pelas plantas e animais superiores.

Define-se como Fixação BiológicaFBN Fixação Biológica de Nitrogênio na Soja de Nitrogênio (FBN) o processo bioquímico da redução da molécula de N2 atmosférico à amônia (NH3), realizado por microrganismos de vida livre ou por microrganismos em simbiose com vegetais superiores, pertencentes à família botânica Fabaceae (Leguminosae), em ambientes deficitários em nitrogênio.

Simbiose é definida como a convivência de dois organismos não semelhantes em uma relação de benefício mútuo, resultando em interdependência fisiológica.

A leguminosa Glycine max (soja) em simbiose com bactérias diazotróficas (rizóbios) específicas, pertencentes ao gênero Bradyrhizobium (B. japonicum e B. elkanii), desenvolve na superfície de seu sistema radicular, estruturas vegetativas denominadas nódulos, dentro dos quais ocorre a FBN. A interdependência fisiológica reside no fornecimento de carbono (C) e energia fotossintética por parte da planta para o rizóbio, que em troca, fornece NH3 como produto da fixação do N2 atmosférico dentro do nódulo.

A FBN que ocorre nas lavouras brasileiras de soja é a mais eficiente que se conhece, chegando a alguns casos, a responder por mais de 90% de todo o nitrogênio absorvido.

FBN e produtividade da soja

Na cultura da soja o N influencia diretamente o crescimento vegetativo (em altura, ramificação, formação e expansão de folhas) e reprodutivo (formação e pegamento de flores e de vagens, além do desenvolvimento das sementes). A essencialidade desse nutriente também tem correlação com a qualidade e quantidade (37 a 45%) de proteína armazenada em suas sementes.

Comparativamente a outras lavouras de grãos, o consumo de N pela cultura da soja é um dos mais elevados. A demanda de N total para a formação de uma lavoura de alta produtividade (> 4.000 kg ha-1) varia entre 250 e 400 kg ha-1, com taxa de exportação variável de 50 a 60 kg de N por tonelada de grãos (Tabela 1) (TANAKA e MASCARENHAS, 1992).

Tabela 1 – Exportação de N, P (expresso em P2O5) e K (expresso em K2O) por tonelada de grãos produzidos por soja, girassol, trigo e milho e estimativa de exportação dos mesmos nutrientes para altas produtividades dessas culturas

1 Produtividades agrícolas reais observadas para soja (primavera/verão), girassol (1ª safra), trigo (inverno) e milho (2ª safra).
2 Fonte: Soja – Tecnologias …. Embrapa Soja (2020). Girassol – Raij et al. (1997).
Trigo – Wiethölter (2011). Milho – Silva (2016).

Inocular a soja

É definida como a operação agrícola manual ou mecanizada que visa estabelecer o contato físico entre planta e rizóbios, de maneira a se estabelecer o processo de FBN. Consiste em misturar determinada dose de inoculante (meio que contém população pura dos rizóbios em alta concentração) com as sementes de soja (inoculação via sementes) e ou, aplicá-lo diretamente sobre as sementes dentro do sulco de semeadura da cultura (inoculação via sulco).

A partir da germinação da semente, se estabelece a comunicação química entre a soja e os rizóbios inoculados, culminando com a formação dos primeiros nódulos nas raízes (Figura 1).

inocular a soja nodulo
Figura 1 – Nódulos radiculares em soja. Destaque para nódulo em corte transversal com coloração vermelha devido à atividade da Leg-hemoglobina.
Foto: (Câmara, 2019).

 

Reinoculação da soja

Consiste na realização anual da prática de inoculação da cultura. No Brasil a reinoculação tem proporcionado ganhos reais de produtividade agrícola da ordem de 5 a 8%, em ambientes de produção manejados com boas práticas agrícolas.

Durante o período de entressafra da soja, o ambiente agrícola se torna restritivo à sobrevivência dos rizóbios. Com estresses ambientais (frio, seca, etc.) e na ausência do hospedeiro, a população remanescente de rizóbios sobrevive alternativamente como decompositora de matéria orgânica, competindo com outros microrganismos nativos do solo tropical. Em consequência, perde sua eficiência na FBN, apesar de nodular algumas raízes de soja na próxima safra.

A reinoculação possibilita a renovação qualitativa de rizóbios nos sistemas de produção, associada à ação quantitativa, proporcionada pelas doses aplicadas de inoculantes, cuja ação conjunta explica os ganhos de produtividade observados (Tabela 2).

Tabela 2 – Ganhos de produtividade agrícola de soja com a prática da reinoculação em área cultivada há cinco anos com soja.

Fonte: Câmara (2000).

Doses de inoculante

A dose de inoculante é função do histórico da área, da concentração de rizóbios e do tratamento de sementes utilizado. No tratamento de sementes (TS) na fazenda (“on farm”), a inoculação deve ser a última operação, após a sequência operacional do tratamento químico com defensivos, bioestimuladores e micronutrientes.

Uma vez inoculadas, devem ser prontamente semeadas para mitigar a mortalidade das bactérias distribuídas sobre a superfície das sementes. Dependendo das condições de manejo e de ambiente, entre a inoculação das sementes e a efetiva germinação destas no solo, o índice de mortalidade de rizóbios pode superar a 80%.

A inoculação via sulco de semeadura vem se mostrando como excelente alternativa para inoculação da cultura da soja, pois possibilita o isolamento dos rizóbios em relação à concentração química do TS, colocando-os diretamente no sulco de semeadura, onde as partículas de solo exercerão ampla proteção das bactérias, mantendo o índice de sobrevivência acima de 80%.

Nas áreas com histórico de cultivo de soja, deve-se manter a prática anual da reinoculação, utilizando-se inoculantes de alta qualidade, com aplicações de uma ou duas doses por 50 kg de sementes, lembrando que uma dose de qualquer inoculante comercializado no Brasil deve proporcionar o mínimo de 1.200.000 unidades formadoras de colônia (UFCs) por semente inoculada (dose simples). Se a inoculação for via sulco de semeadura, a dose mínima por hectare deve ser equivalente ao triplo da dose simples aplicada via semente.

Nas áreas novas onde a soja será implantada pela primeira vez deve-se proceder à inoculação de correção ou “inoculagem”, de maneira a proporcionar a colonização do solo com altas concentrações de rizóbios visando atender a nodulação e FBN da primeira cultura de soja. Via sementes é recomendável o mínimo de três doses. As duas primeiras podem ser de inoculante líquido e a 3ª com inoculante turfoso, cuja aderência à semente será potencializada pelo inoculante líquido. Caso a inoculagem seja feita via sulco, sugere-se a aplicação de 6 a 10 vezes a dose simples, por hectare semeado.

Benefícios adicionais da inoculação e reinoculação da cultura da soja

Ambiental: tanto o inoculante, quanto as próprias estirpes de rizóbios selecionadas para a cultura da soja no Brasil, possuem ação inerte sobre o ambiente e sobre os seres humanos e animais domésticos (não é agrotóxico). Ao contrário do N mineral do fertilizante, o N2 fixado biologicamente não se perde por lixiviação e nem por volatilização, além de não acidificar a rizosfera. Considerando-se os 36,0 milhões de hectares cultivados com soja no Brasil, estima-se que a FBN nessa cultura, em substituição à adubação mineral nitrogenada, evita a emissão de 62 milhões de toneladas de CO2-equivalentes por ano.

Econômico: considerando-se a demanda total em N e a área cultivada, estima-se que a FBN na cultura da soja, estabelecida a partir da inoculação das sementes ou do sulco, proporciona uma economia anual da ordem de 12 bilhões de dólares.

Social: A indústria e o comércio de inoculantes instalados no Brasil e somados à logística de distribuição e à operacionalização da inoculação nas fazendas contribuem, anualmente, para a geração de renda e de empregos diretos e indiretos.

Coinoculação da soja

Ou Inoculação Mista, corresponde ao uso de rizóbios fixadores de N2 na soja, com outros microrganismos associativos que apresentam ações promotoras do crescimento vegetal.

Neste aspecto tem merecido destaque a bactéria Azospirillum brasilense, que ao ser coinoculada com os rizóbios, promove ação hormonal (auxina, citocinina e giberelina) estimuladora do crescimento inicial das raízes, havendo indícios de melhoria na solubilização de fosfatos e de indução de resistência a estresses ambientais (NOGUEIRA et al., 2018).

Aumentando a superfície radicular possibilita-se maior índice de infectividade dos pelos absorventes pelos rizóbios. A nodulação inicial das raízes além de ser quantitativamente maior, se estabelece mais cedo, refletindo-se em maior FBN e produtividade da cultura (Tabela 3).

Tabela 3 – Efeito da coinoculação (Bradyrhizobium + Azospirillum) via sulco de semeadura na produtividade agrícola de grãos de soja, por meio de experimentação agronômica realizada na safra 2009/2010 nos municípios de Londrina-PR e Ponta Grossa-PR.

Fonte: Hungria et al. (2013).

Observação importante: ao contrário da inoculação com rizóbios, a dose de coinoculação com Azospirillum brasilense deve se restringir a uma única dose, devido à ação hormonal dessa bactéria. Sua aplicação em doses acima da básica pode se reverter em alterações bioquímicas que não se traduzam em ganhos de produtividade de grãos de soja.

 

Considerações Finais

A inoculação ou coinoculação é uma das principais boas práticas agrícolas à disposição dos produtores. Entretanto, precisa estar associada a outras, como: correta correção da acidez do solo; posicionamento do fósforo abaixo do leito de semeadura; cultivar adaptado à região;  época de semeadura correta; uso de boa semente e de boa gestão na plantabilidade.

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Referências

CÂMARA, G. M. S.  Nitrogênio e produtividade da soja. In: Soja: Tecnologias de produção II / Gil Miguel de Sousa Câmara. – coordenador. Piracicaba-SP: ESALQ/USP, p. 295-339. 2000.

HUNGRIA, M.; NOGUEIRA, M. A.; ARAUJO, R. S.  Tecnologia de coinoculação da soja com Bradyrhizobium e Azospirillum: incrementos no rendimento com sustentabilidade e baixo custo. Reunião de Pesquisa de Soja da Região Central do Brasil, XXXIII. Resumos. Londrina-PR: Embrapa Soja, p. 151-153. 2013.

NOGUEIRA, M. A. et al.  Ações de transferência de tecnologia em inoculação/coinoculação com Bradyrhizobium e Azospirillum na cultura da soja na safra 2017/18 no estado do Paraná. Londrina-PR: Embrapa Soja, 2018. 16p. (Embrapa Soja – Circular Técnica, n. 143). Disponível em: Ações de transferência de tecnologia em inoculação/coinoculação com Bradyrhizobium e Azospirillum na cultura da soja na safra 2017/18 no estado do Paraná. – Portal Embrapa. Acesso: 20/07/2023.

RAIJ, B. van; CANTARELLA, H.; QUAGGIO, J. A.; FURLANI, A. M .C.  Recomendações de adubação e calagem para o estado de São Paulo. 2ª ed. / Bernardo van Raij…. [et al.] editores – Campinas: Instituto Agronômico de Campinas, 1997. 285 p. (IAC / Boletim Técnico, 100).

RITCHIE, S. W.; HANWAY, J. J.; BENSON, G. O.  How a corn plant develops. Ames, Iowa: Iowa State University of Science and Technology, 1993. 20 p. (Iowa SUST / Special Reports, 48).

SILVA, C. G. M.  Absorção e exportação de macronutrientes em milho transgênico sob dois níveis de investimento em adubação. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós Graduação em Ciências Agrárias). Universidade Federal de São João Del Rei, 2016. 52 p.

TANAKA, R. T.; MASCARENHAS, H. A. A.  Soja: nutrição, correção do solo e adubação. Campinas: Fundação Cargill, 1992. 60 p.

TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO DE SOJA. / Claudine Dinali Santos Seixas… [et al.] editores técnicos – Londrina: Embrapa Soja, 2020. 347 p. (Sistemas de Produção / Embrapa Soja, 17).

WIETHÖLTER, S.  Fertilidade do solo e a cultura do trigo no Brasil. In: Trigo no Brasil: bases para a produção competitiva e sustentável. / João Leonardo Fernandes Pires, Leandro Vargas, Gilberto Rocca da Cunha, editores técnicos. – Passo Fundo: Embrapa Trigo. p. 135-184. 2011.

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