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Recuperação Judicial do Produtor Rural:  processo, requisitos, benefícios e riscos

Descubra tudo sobre a recuperação judicial do produtor rural neste artigo. Explore o processo, requisitos necessários, benefícios potenciais e os riscos envolvidos, oferecendo uma visão detalhada e esclarecedora para entender melhor esse importante aspecto da legislação agrícola.

Ultimamente, muito se tem ouvido falar, no Brasil, sobre Recuperação Judicial. Grandes empresas, dos mais diversos ramos, estão se socorrendo dos comandos previstos na Lei que regula a Recuperação Judicial, a Extrajudicial e a Falência do empresário e da sociedade empresária.

No setor do agronegócio, os pedidos de Recuperação Judicial de Produtores Rurais tiveram uma grande alta nos últimos anos.

A Recuperação Judicial do Produtor Rural passou a ser utilizada com maior frequência nos últimos tempos, seja em razão da adequação da legislação ao segmento, seja porque restou fortalecido o entendimento de que o instituto jurídico permite um grande diálogo entre a empresa devedora e os seus credores, exigindo a colaboração de ambos para a manutenção viável da atividade produtiva.

Neste artigo vamos entender como funciona o pedido de recuperação judicial por parte do produtor rural; quais os seus requisitos; as etapas do processo; os benefícios e os possíveis riscos que a recuperação judicial pode trazer para o produtor rural.

O que é Recuperação Judicial?

A Recuperação Judicial é uma ferramenta legal que ajuda empresários e empresas em dificuldades financeiras. Ela está prevista na Lei de Recuperação Judicial e Falências (n° 11.101/2005) e visa a superação da situação de crise econômico-financeira do empresário e da sociedade empresária devedora.

É um instrumento importante para permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. É o que se chama do princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47 da Lei n° 11.101/2005.

O mencionado princípio recuperacional foi concebido, pelo legislador, à luz do que dita a nossa Constituição Federal que, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (artigo 170, inciso III), como também, a busca do pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas e as atividades empresariais forem preservadas.

Esse equilíbrio se torna mais necessário nos tempos de crise, e, mesmo se tratando de um remédio jurídico amargo, a Recuperação Judicial tem se mostrado como uma segunda chance para os empresários e empresas em crise, especialmente porque, ninguém sério monta ou gere uma empresa para quebrar ou dar calote, mas, eventos indesejados às vezes acontecem e fazem parte da vida empresarial.

Nesse compasso, o instituto da Recuperação Judicial possibilita as tratativas negociais entre os credores e o empresário inadimplente e/ou a empresa devedora, visando adequar os interesses contrapostos, assegurando que empresas viáveis possam ter uma nova chance, afastando os efeitos devastadores de um processo de Falência (onde o encerramento da atividade empresarial é decretado).

É um instituto muito adequado ao Produtor Rural em crise, pois este não sairá do comando de sua atividade econômica, mas, terá um período para reorganizar suas dívidas, negociando-as junto aos seus credores, tudo sob a supervisão de uma Administração Judicial, nomeado(a) pelo(a) magistrado(a) do Poder Judiciário, para fiscalizar as atividades empresariais.

Quais os requisitos para ajuizar um processo de Recuperação Judicial?

A Lei de Recuperação Judicial e Falências apresenta um roteiro com os requisitos necessários ao ajuizamento do pedido recuperacional. São eles:

  1. Exercício regular de suas atividades econômicas há mais de 02 (dois) anos;
  2. Não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
  3. Não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de Recuperação Judicial;
  4. Não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador de pessoa jurídica, alguma pessoa condenada por qualquer dos crimes falimentares.

Esse Rol, indicando os requisitos necessários ao ajuizamento de uma Recuperação Judicial, consta do artigo 48 da Lei n° 11.101/2005. Até o ano de 2020, quando houve uma modificação legislativa realizada pela Lei n° 14.112, nada dispunha sobre a possibilidade de o Produtor Rural ajuizar seu pedido de Recuperação Judicial.

A partir de 2020, após a revisão na Lei n° 11.101/2005, passou-se a admitir que o Produtor Rural possa fazer uso da Recuperação Judicial, permitindo que a comprovação da sua atividade, para atender ao requisito legal, seja realizada por meio de Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou, por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente (§ 2º, do artigo 48, da LRJF).

Ainda, passou-se a permitir, para a comprovação do prazo de 02 (dois) anos do exercício da atividade econômica, a apresentação do Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou, por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente. 

Assim, não mais se discute, no meio jurídico, sobre a possibilidade de o Produtor Rural utilizar-se da Recuperação Judicial para superar uma crise econômico-financeira que venha a vivenciar.

Antes da modificação legislativa muito se debatia sobre essa possibilidade, uma vez que, pela definição legal só seria considerado empresário quem possuísse registro no órgão mercantil competente, geralmente, a Junta Comercial de cada Estado brasileiro. Como a grande maioria dos Produtores Rurais executa sua atividade em regime familiar, por meio de sua pessoa física, sem qualquer registro mercantil, tal fato era um dificultador para que se valesse do benefício legal da Recuperação Judicial, a fim de superar o momento de crise financeira instalada no seu negócio.

De fato, o Produtor Rural vem se utilizando da Recuperação Judicial para o enfrentamento de crise econômico-financeira.

Segundo pesquisa divulgada pelo Serasa Experian, os pedidos de Recuperação Judicial de Produtores Rurais tiveram alta de 300% (trezentos por cento), no ano de 2023.

O estudo catalogou e analisou pedidos de Recuperação Judicial de Produtores Rurais — pessoas físicas e jurídicas —, além de empresas que, apesar de não serem produtoras, estão relacionadas ao agronegócio, demonstrando que o segmento se encontra altamente endividado.

Deveras, a atividade exige alto investimento em tecnologia e maquinário para manter a competitividade e vem sendo afetada por condições climáticas adversas e queda nos preços das commodities.

O gráfico, a seguir, demonstra a elevação dos números, com os dados trimestrais dos anos de 2021 a 2023:

pedidos de recuperação judicial produtor rural

Figura 1. Quantidade de pedidos de Recuperação Judicial pelo Produtor Rural e empresas ligadas ao Agronegócio. Fonte: Serasa Experian, 2023.

Os Estados que apresentaram um maior crescimento de ajuizamento de Recuperação Judicial por Produtor Rural foram:

número de pedidos de recuperação judicial no agronegócio recuperação judicial do produtor rural
Figura 2. Quantidade de pedidos de Recuperação Judicial pelo Produtor Rural e empresas ligadas ao Agronegócio por estado e por ano. Fonte: Serasa Experian, 2023.

As culturas da pastagem e da soja aparecem como as mais praticadas pelos Produtores Rurais que se valeram da Recuperação Judicial para superação da crise.

Para que o Produtor Rural entenda como funciona o processo de Recuperação Judicial é importante conhecer as suas etapas, as quais serão detalhadas no item a seguir.

Quais as etapas do processo de Recuperação Judicial do Produtor Rural?

As etapas do processo de Recuperação Judicial do Produtor Rural são, geralmente, iguais às etapas descritas para outros segmentos da economia.

Inicialmente, é preciso que o pedido de Recuperação Judicial do Produtor Rural seja apresentado na Justiça, por meio de uma Petição Inicial com requisitos específicos previstos em Lei.

Recebido o processo, o(a) magistrado(a) responsável pela condução da Recuperação Judicial analisa o preenchimento das condições exigidas pela Lei e defere (aponta o seu de acordo) com o processamento do pedido.

A partir deste momento, é concedido o período de suspensão das ações e execuções já ajuizadas contra o(a) devedor(a), pelo período de 180 (cento e oitenta) dias, renováveis pelo mesmo prazo, a critério do(a) magistrado(a).

Com o deferimento do pedido de Recuperação Judicial é nomeada uma Administração Judicial, responsável pela fiscalização do cumprimento dos requisitos do processo recuperacional, em especial, o Plano de Recuperação Judicial que será apresentado pelo(a) devedor(a). A Administração Judicial atua como uma extensão da justiça.

A partir do momento da nomeação da Administração Judicial, os credores podem realizar os seus pedidos de habilitações de crédito.

Após o deferimento do processamento do pedido de Recuperação Judicial, o(a) devedor(a) precisa apresentar um Plano de Recuperação Judicial, no prazo de até 60 (sessenta) dias. Nele, há a descrição da forma de como a recuperação se processará, com a apresentação do deságio da dívida e do alongamento do prazo para pagamento, por exemplo.

Uma vez apresentado o Plano de Recuperação Judicial, os credores podem se opor ao mencionado documento, por meio de uma Oposição, que será apreciada pelo(a) magistrado(a) que conduz o processo de Recuperação Judicial.

O processo de Recuperação Judicial segue o seu curso com a realização da Assembleia Geral de Credores (AGC). Nela, se o Plano for aprovado, o seu cumprimento passa a ser fiscalizado pela Administração Judicial, bem assim, o pagamento dos credores começa a ser realizado. Havendo a rejeição do Plano de Recuperação Judicial, a Falência é decretada.

Nos termos da Lei, o processo de Recuperação Judicial deve durar em média 02 (dois) anos, a partir do ajuizamento do seu pedido.

Em apertada síntese, o processo de Recuperação Judicial observa essas etapas.

Quais são os Benefícios e os riscos do ajuizamento da Recuperação Judicial pelo Produtor Rural?

 Nos termos do artigo 70-A, da Lei de Recuperação Judicial, o Produtor Rural poderá apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que o valor da causa não exceda a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). Ou seja, pode-se valer do instituto da Recuperação Judicial sem passar pela votação do seu Plano numa Assembleia Geral de Credores. É o chamado Plano Especial de Recuperação Judicial.

Ainda, dentre os benefícios da Recuperação Judicial para o Produtor Rural têm-se a suspensão das ações e execuções contra si ajuizadas.

Inobstante, não são todos os débitos do Produtor Rural que podem ser objeto do pedido de Recuperação Judicial. Somente estão sujeitos, ao processo de Recuperação Judicial do Produtor Rural, os créditos que decorrem, exclusivamente, da atividade rural e estão discriminados nos documentos de escrituração contábil.

A Cédula de Produto Rural (CPR), muito utilizada no setor do agronegócio, pode ser submetida ao processo recuperacional desde que envolva liquidação financeira (devolução do valor captado em dinheiro), não sendo possível a sujeição, ao processo recuperacional, da CPR de liquidação física (entrega literal do grão ao investidor).

Um outro obstáculo importante para os Produtores Rurais no que pertence ao ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial é a falta de estrutura das varas especializadas, na Justiça, para lidar com esse tipo de processo, pois, geralmente, as empresas que atuam no agronegócio e os Produtores Rurais estão sediados em pequenas comarcas, sem vara específica de Falência e Recuperação Judicial, muitas vezes sem juiz(a) titular e com pouquíssimos servidores, o que pode impactar a celeridade exigida no processo recuperacional.

Conclusão

Ante todo o aduzido, importante destacar que o Brasil continua crescendo economicamente por conta da força que vem do campo, exigindo o desenvolvimento de liderança, gestão e estratégia no agronegócio.

Neste particular, apesar do agro ser pop, ele não está imune às oscilações da economia, podendo o Produtor Rural se valer do eficaz instituto da Recuperação Judicial pelo produtor rural para superar o momento de crise econômica que vivencia.

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Referências

ALMEIDA, A.P. Curso de Falência e Recuperação de Empresa.21.ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CEREZETTI, S. C.N. A Lei de Recuperação Judicial e Falência e o Princípio da Preservação da Empresa. 2009. Tese (Doutorado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2009.

SERASA EXPERIAN. Desafios no Campo: o aumento dos pedidos de Recuperação Judicial no agronegócio. Blog Serasa Experian. 2024. Disponível em: https://www.serasaexperian.com.br/conteudos/agronegocio/desafios-no-campo-o-aumento-dos-pedidos-de-recuperacao-judicial-no-agronegocio/. Data de acesso: 07 abr 2024.

Sobre a autora

Ana Carolina Lessa

Professora de cursos de Graduação e Pós-graduação

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