Manejo do mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum) no algodoeiro

O mofo branco (Sclerotinia sclerotiorum) foi identificado na cultura do algodoeiro no Brasil pela primeira vez em 1996. O fungo responsável pela doença é bastante conhecido em outras culturas. Descubra mais sobre o mofo branco no meio agrícula.
mofo branco algodão
Sumário

O mofo branco, causado por Sclerotinia sclerotiorum, foi identificado na cultura do algodoeiro no Brasil pela primeira vez em 1996, em área irrigada por pivô central (Charcar et al., 1999).

A doença ocorre tanto em cultivos de algodoeiro irrigado como sequeiro, e encontra-se amplamente distribuída nas principais áreas de produção de algodão (Chitarra, 2014).

O fungo responsável pela doença é bastante conhecido na cultura do feijoeiro, mas ataca também outras espécies cultivadas, além do algodoeiro, como soja, girassol, ervilha, pepino, tomate, batata, quiabo, alface e muitas outras (Chitarra, 2007).

Ciclo da doença mofo branco e sintomatologia

Os escleródios, que são estruturas de sobrevivência do fungo (Figura 1), podem estar presentes no solo ou em restos vegetais do cultivo anterior, e permanecer viáveis no solo durante vários anos. Os escleródios germinam produzindo novas estruturas do fungo (que podem ser reprodutivas ou vegetativas, ambas com o potencial de levar ao início de infecções em plantas sadias). O fungo pode chegar à área de cultivo também por meio de sementes infectadas (que darão origem a plântulas infectadas) ou por meio de escleródios presentes no lote de sementes (Chitarra, 2007).

escleródios de sclerotinia sclerotirum
Figura 1. Escleródios de Sclerotinia sclerotiorum. Fonte: Holmes, 1998.

Os primeiros sintomas do mofo branco do algodoeiro normalmente são observados entre o pecíolo e o ramo reprodutivo, onde ficam aderidas as flores. Os tecidos colonizados pelo fungo apresentam cor inicialmente amarelada e depois marrom. Os tecidos coalescem e ocorre a morte dos ramos. Sob a presença de umidade, é comum a formação de uma massa de micélio branco do fungo (sua estrutura vegetativa) sobre o tecido lesionado (Figura 2) (Dias et al., 2017). A partir do micélio são formados novos escleródios (Figura 3), que permitirão a sobrevivência do fungo na área após a colheita do algodoeiro.

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Figura 2. Sintomas e sinais de Sclerotinia sclerotiorum em algodoeiro, A: em ramo, B: em fruto (“maçã”). Fonte: Dias et al., 2017.
Escleródios de Sclerotinia sclerotiorum em fruto morto de algodoeiro

Figura 3. Escleródios de Sclerotinia sclerotiorum em fruto morto de algodoeiro. Fonte: Dias et al., 2017.

Entendendo a germinação dos escleródios e porquê entendê-la

Como mencionado, a germinação de escleródios de S. sclerotiorum pode produzir estruturas reprodutivas (germinação carpogênica) ou vegetativas (germinação miceliogênica) (Massola Junior, 2018). Ressaltamos esta informação pois ela auxiliará na compreensão do tipo de inóculo produzido em cada caso e de uma importante estratégia de manejo, testada pela Embrapa, que será abordada neste artigo.

Na germinação carpogênica, o escleródio forma estruturas em forma de taça chamadas apotécios (Figura 4). Em cada apotécio são formadas numerosas bolsas (ascos) contendo esporos do fungo (como são esporos sexuados e por isso contribuem para a variabilidade genética do patógeno). Assim, em um apotécio, uma enorme quantidade de esporos (chamados ascósporos) se forma, sendo estes posteriormente liberados de forma ativa (são lançados no ar) e cada com potencial de estabelecer uma nova infecção ao alcançar tecido vegetal sadio de uma planta hospedeira.

Figura 4. Escleródio de Sclerotinia sclerotiorum germinado, com a formação de apotécios. Fonte: Dias et al., 2017.

Já na germinação miceliogênica, o escleródio forma hifas (estrutura vegetativa do fungo), que além de terem dispersão limitada, são produzidas em quantidade proporcionalmente muito menor que os ascósporos. As hifas são estruturas vegetativas, portanto têm a mesma constituição genética dos escleródios que as originaram.

Uma menor variabilidade genética, mesmo para um genótipo (uma variante) do fungo tão bem adaptado às nossas condições de cultivo, será sempre melhor para que os potenciais de danos que conhecemos não aumentem ainda mais, e para que as estratégias de manejo efetivas continuem permitindo o manejo satisfatório da doença.

Mesmo sem considerarmos possíveis impactos que a maior variabilidade genética de um patógeno pode vir a ter, devido à grande quantidade de inóculo produzida a partir da germinação carpogênica e à maior facilidade de dispersão deste inóculo, é este tipo de germinação dos escleródios que provoca as epidemias de mofo branco (Gorgën et al., 2008).

Brachiaria e Trichoderma: Uma dupla para o manejo em áreas com elevada infestação de S. sclerotiorum

A associação da semeadura sobre palhada de braquiárias (Urochloa spp.) com o controle biológico utilizando fungos do gênero Trichoderma spp. é uma estratégia de manejo que apresentou excelentes resultados em um estudo conduzido pela Embrapa  (Gorgën et al., 2008) e pode evitar perdas de produção mesmo em áreas com elevada infestação de S. sclerotiorum.

O estudo foi realizado em uma área com elevada infestação de escleródios do patógeno, em Goiás. Foi realizada a semeadura de Urochloa ruziziensis associada à aplicação de uma formulação contendo Trichoderma harzianum, para posterior dessecação da forrageira. A ocorrência de chuvas e microclima formado pela presença da forrageira levaram à germinação carpogênica de uma grande parte dos escleródios (Figura 5), ainda antes da dessecação da braquiária.

Figura 5. Apotécios de Sclerotinia sclerotiorum formados sob Brachiaria ruziziensis antes da dessecação da forrageira. Fonte: Gorgën et al., C. A., 2008 (adaptado: adição das setas).

Como a braquiária não é hospedeira do fungo, os esporos produzidos nos apotécios não estabelecem infecções e morrem. Os escleródios já germinados normalmente têm sua reserva energética esgotada e perdem a função como estrutura de sobrevivência. A umidade do solo mantida pela cobertura da braquiária favorece ainda a proliferação de diversos microrganismos naturalmente presentes no ambiente e também do T. harzianum aplicado. Estes microrganismos parasitam os escleródios, levando-os à morte (Gorgën et al., 2008).

Além disso, o sombreamento formado pela cobertura vegetal produzida pela gramínea reduz a germinação do escleródio (que é dependente de luz) e a barreira física estabelecida pela palhada da braquiária diminui a liberação dos ascósporos no ar.

Por fim, os autores concluíram que a aplicação de T. harzianum em conjunto com a semeadura de B. ruziziensis como cobertura, pode reduzir drasticamente grande parte do inóculo inicial de S. sclerotiorum na camada de 0 a 5 cm de profundidade do solo, que é onde ocorre a germinação carpogênica de escleródios (Gorgën et al., 2008), que como vimos, é a de maior importância epidemiológica.

Hoje sabemos também que um fungo endofítico (que habita o interior das folhas) encontrado abundantemente em braquiária, tem atividade antagônica contra S. sclerotiorum (Gama et al., 2020). Assim, o efeito da braquiária no manejo do mofo branco não é apenas físico, mas também microbiológico.

Outras estratégias de manejo

Em áreas com histórico da ocorrência de S. sclerotiorum, um menor adensamento da cultura pode ser adotado em sua implantação. A medida promove maior aeração entre plantas, evitando a formação de um microclima favorável ao patógeno. Uma adubação equilibrada, principalmente em nitrogênio, também é importante no manejo da doença, pois o fornecimento do nutriente às plantas em excesso favorece o estabelecimento do patógeno (Chitarra, 2014).

Em cultivos irrigados e com histórico da ocorrência de mofo branco, sugere-se também a suspensão da irrigação por intervalos de 3 a 4 dias, visando desfavorecer o desenvolvimento da doença (Chitarra, 2014). O uso de sementes sadias e certificadas também é fundamental para o manejo da doença (Chitarra, 2007), tal medida não se aplica apenas às sementes de algodão, mas às sementes de todas as culturas que também são hospedeiras do patógeno, que pode ser estar presente em lotes de sementes de feijoeiro, soja e girassol, por exemplo.

É importante ainda evitar a sucessão de culturas com estas espécies e outras que sejam hospedeiras de S. sclerotiorum, devendo-se preferir a sucessão com gramíneas (Chitarra, 2014).

 Por fim, o controle químico do mofo branco também pode ser empregado, no entanto, deve-se fazê-lo de forma preventiva em áreas com histórico da doença, evitando aplicações curativas (FRAC, 2019). Há 19 produtos comerciais registrados para o controle de S. sclerotiorum no algodoeiro (AGROFIT), que devem ser aplicados sempre com a rotação de fungicidas que tenham diferentes modos de ação. Para facilitar o planejamento desta rotação, os princípios ativos contidos nestes fungicidas foram reunidos ao lado de seu grupo de modo de ação (Quadro 1).

Seguindo a recomendação de rotação, evitamos a seleção de isolados (variantes) do fungo com resistência a um determinado fungicida e a consequente perda de eficiência das moléculas disponíveis.

Quadro 1. Ingredientes ativos contidos (isoladamente ou em mistura) nos fungicidas registrados para o controle de Sclerotinia sclerotiorum na cultura do algodoeiro, seus respectivos modos de ação indicados pela identificação do grupo (letra) e subgrupo (número), e processo metabólico do fungo em que atuam. Subgrupos diferentes (números diferentes) de um mesmo grupo (mesma letra), indicam que os fungicidas atuam em fases diferentes de um mesmo processo metabólico. Cores diferentes representam diferentes modos de ação. Fontes: AGROFIT e FRAC, 2021

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Referências

AGROFIT. Informações sobre agrotóxicos fitossanitários registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Disponível em: <https://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons> Acesso em 03/04/2021.

CHARCHAR, M.J.D.;; ANJOS, J.R.N.; OSSIPI, E.. Ocorrência de nova doença do algodoeiro irrigado, no Brasil, causada por Sclerotinia sclerotiorum.Pesq. agropec. bras.,  v.34, n.6, p.1100-1106, 1999 .

CHITARRA, L. G. Mofo branco em algodoeiro. Campina Grande: Embrapa Algodão, 2007, 3p. (Comunicado técnico, 336). Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPA/20570/1/COMTEC336.pdf> Acesso em 03/04/2021.

CHITARRA, L.G. O algodoeiro. Patos de Minas: Amipa, 2014, 1p. (Informativo técnico, 26). 

DIAS, A.R.; SOUZA, H.M.; THEODORO, G.F. Manejo integrado do mofo branco em algodão. 2017. Disponível em: <https://www.grupocultivar.com.br/artigos/manejo-integrado-do-mofo-branco-em-algodao>  Acesso em 28/03/2021

FRAC. Modo de ação de fungicidas. Disponível em: < https://www.frac-br.org/modo-de-acao> Acesso em 28/03/2021

FRAC. Recomendações preliminares para manejo de doenças e uso de fungicidas na cultura do algodão. 2019 Disponível em: <https://3f2c8573-584c-4b16-985f-14dc48f9ab81.filesusr.com/ugd/85b1d3_c42dcddd7f5d482083e60f653b92be0e.pdf> Acesso em 28/03/2021.

GAMA, D.S. et al . Endophytic fungi from Brachiaria grasses in Brazil and preliminary screening of Sclerotinia sclerotiorum antagonists. Sci. Agric.,  v. 77, n. 3,  2020 .

GORGËN, C.A.; CIVARDI, E., PERRETO, E. et al. Controle de Sclerotinia sclerotiorum com o manejo de Brachiaria ruziziensis e aplicação de Trichoderma harzianum. Planaltina: Embrapa Cerrados, 2008. 4p. (Circular Técnica, 81). Disponível em: < https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CNPAF-2009-09/28171/1/circ_81.pdf> Acesso em 28/03/2021.

HOLMES, G. Escleródios de Sclerotinia sclerotiorum (Imagem).1998 Disponível em: <https://www.invasive.org/browse/detail.cfm?imgnum=1574599> Acesso em: 03/04/2021.

MASSOLA JÚNIOR, N. S. Fungos Fitopatogênicos. In: AMORIM, L.; REZENDE, J.A.M.; BERGAMIN FILHO, A. (Org.). Manual de Fitopatologia: Princípios e Conceitos. 5. ed.  Ouro Fino: Agronômica Ceres, 2018, p. 107-141.

Este texto é opinião do autor, não reflete necessariamente opinião da Agroadvance.

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