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Milho no Brasil e na Alemanha: Diferenças nos Sistemas de Produção, Doenças e Uso de Transgênicos

A ocorrência e intensidade das doenças, assim como o uso de transgênicos, são algumas das diferenças observadas entre os sistemas de produção de milho no Brasil e na Alemanha.

A produção e o consumo de milho no Brasil e na Alemanha

Nos últimos anos a produção de milho na Europa e na América do Sul tem sido semelhante. Em 2018, a Europa produziu 110 milhões de toneladas, enquanto na América do Sul a produção foi de 130 milhões de toneladas. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial com 71 milhões de toneladas (FAO, 2020).

A área plantada com milho representa 18,5 milhões de hectares (CONAB, 2020), sendo aproximadamente 6,7 vezes maior que a área de cultivo na Alemanha com 2,75 milhões de hectares (DMK, 2020) de área cultivada com milho (Figura 2). No ano de 2019, a produtividade média brasileira de milho grão foi de 5533 kg ha-1 (CONAB, 2020), enquanto a produtividade média alemã de milho-grão foi de 8810 kg ha-1(DMK, 2020).

Figura 1. Produção de milho no mundo e por continente de 1961 a 2018 (Fonte: FAO, 2020).
Figura 2. Área de produção de milho no Brasil (A) de 1976 na 2021 (projeção) e na Alemanha (B) de 1960 a 2020 (Fonte: CONAB 2020; DMK, 2020).

No Brasil, é possível cultivar milho em duas épocas do ano, a primeira safra ocorre no verão e a segunda safra no inverno, também chamada de safrinha. Na Alemanha, o cultivo de milho ocorre somente no verão europeu. Nesse país o plantio tem início em meados de abril, quando a temperatura do solo é superior a 8°C. A colheita tem início no final de agosto e pode ir até meados de novembro ou dezembro, quando ocorre a primeira geada. A época de colheita depende de vários fatores, os principais são o grupo de maturação da cultivar e a finalidade do produto (milho-grão ou milho para silagem).

Em 2000 foi implantada a lei de incentivo à produção de energias renováveis (Erneuerbare-Energien-Gesetz, em alemão) na Alemanha. Com isso, a área destinada a produção de milho nesse país praticamente duplicou em apenas 10 anos (Figura 2B). Cerca de 37% (0,97 milhões de hectares) da produção é destinada a alimentação de biodigestores (FNR, 2020). Atualmente, a fonte energética alemã proveniente de fontes renováveis representa 14,8% (Figura 3B), sendo que a fonte de energia elétrica proveniente da biomassa é equivalente a 8,9% (Figura 3D) (AGEB,2020).

No Brasil, fontes renováveis de energia (hidráulica, cana-de-açúcar e outras renováveis) representam 37,4% da matriz energética no país em 2019 (Figura 3A), e 8,8% da energia elétrica é proveniente de biomassa (Figura 3C), sendo a maior parte oriunda da cana-de-açúcar (BEN, 2020).

Figura 3. Matriz energética (A,B) e elétrica (C,D) brasileira (A,C) e alemã (B,D) em 2019 (Fonte: BEN, 2020; AGEB, 2020).

Figura 3. Matriz energética (A,B) e elétrica (C,D) brasileira (A,C) e alemã (B,D) em 2019 (Fonte: BEN, 2020; AGEB, 2020).

Comparação entre os sistemas de produção

No Brasil, assim como em outras regiões tropicais, o plantio direto é largamente adotado. Esse tipo de prática consiste no plantio sem o revolvimento do solo, visando reduzir a erosão e aumentar a umidade do solo. Na Alemanha, atualmente em aproximadamente um terço da área plantada de milho é adotado o sistema de cultivo mínimo. Esse tipo de sistema consiste somente no revolvimento das camadas superiores do solo (sem o uso do arado). No restante da área com cultivo de milho é feito o plantio convencional, quando há o revolvimento das camadas mais profundas do solo, pelo uso de arado.

Mundialmente, as perdas na produção de milho causadas pela mato-competição, por pragas e por doenças são estimadas em 10.5%, 9,6% e 11,2%, respectivamente (Oerke, 2006). Na Alemanha, o principal problema no cultivo do milho é o controle de plantas daninhas. Em 2019, a frequência de aplicações de produtos voltados a proteção de plantas (Behandlungshäufigkeiten, em alemão) realizadas na cultura foi calculada em 1,47 nesse país (JKI, 2020).

Desse total, 1,45 é representado pelo uso de herbicidas, enquanto 0,02 se deve ao uso de inseticidas para o controle da broca-européia-do-milho (Ostrinia nubilalis). O cultivo de organismos geneticamente modificados não é permitido na Alemanha. Dessa forma, um dos métodos de controle da broca-européia-do-milho é por meio da aplicação de cápsulas contendo ovos da vespa Trichogramma brassicae (LfL, 2020). A distribuição das cápsulas no campo normalmente é realizada por meio do uso de drones.

No Brasil, o número de aplicações de agrotóxicos na cultura do milho é muito maior. Geralmente é feita uma aplicação com herbicida e no mínimo uma aplicação de fungicida. Entretanto, o número de aplicações de fungicida pode chegar a 3 aplicações quando necessário, conforme as condições ambientais. Aplicações de inseticidas no início do ciclo visam o controle de percevejos (principalmente em áreas com cultivo da soja) e de cigarrinhas (Dalbulus maidis), que são vetores de enfezamentos e viroses.

Atualmente existem híbridos transgênicos resistentes ao grifosato e a diversas pragas, tais como a largarta-do-cartulho (Spodoptera fugiperda). No caso do milho convencional, é necessário realizar de 2 a 4 aplicações de inseticidas para o controle de lagartas, conforme os níveis de ataque de pragas (Figura 4).

Figura 4. Tratos culturais voltados a proteção de plantas realizados no Brasil e na Alemanha no cultivo de milho.
(?) significa que a aplicação só é realizada caso seja necessário *No Brasil geralmente é utilizada a escala fenológica de Fancelli 1986, adaptada de Hanway, 1966 e Nel e Smit, 1978. Na Alemanha utiliza-se a escala fenológica BBCH (Biologische Bundesanstalt für Land- und Forstwirtschaft, Bundessortenamt und CHemische Industrie), que foi desenvolvida um uma cooperação entre diversas instituições públicas e privadas (Meier, 2001).

Principais doenças do milho

Dentre as principais doenças de ocorrência no Brasil estão a helmintosporiose, a mancha branca, a antracnose foliar, o enfezamento, as podridões do colmo e as podridões da espiga causadas por Fusarium spp. e Diplodia sp. Outras com menor importância são o carvão, mancha de Kabatiella, mancha de Bipolaris, ferrugem polissora, comum e tropical. Na Alemanha, as principais doenças são as podridões do colmo e da espiga causadas por Fusarium spp. e a mancha foliar helmintosporiose.

Entre as doenças de menor importância estão a mancha de Kabatiella e a podridão do colmo causada por Rhizoctonia solani, que pode ser um grande problema no cultivo de beterraba-açucareira em sucessão ao milho.

Helmintosporiose ou mancha de Exserohilum turcicum

A helmintosporiose é causada pelo fungo Exserohilum turcicum (forma sexuada Setosphaeria turcica). Na América do Sul, perdas provocadas pela doença podem chegar a 40% quando o cultivo é realizado em regiões com clima favorável à sua ocorrência e com alto índice de inóculo (Rossi et al., 2010, Cota et al., 2013). Na Alemanha, perdas de 10% a 30% podem ocorrer de acordo com o nível de resistência das cultivares utilizadas (BVL, 2020).

As principais formas de controle da doença são o cultivo de variedades resistentes e a aplicação de fungicidas. Atualmente existem 29 fungicidas registrados para controle da doença no Brasil (MAPA-Agrofit, 2020) e apenas um registrado para controle da doença na Alemanha (BVL, 2020). Duas fontes de resistência são conhecidas para o controle dessa doença, a resistência qualitativa e a resistência quantitativa (Figura 5). A resistência qualitativa consiste no uso de genes de resistência tais como os genes Ht1, Ht2, Ht3 e Htn1 (Navarro et al., 2020).

Um estudo realizado com amostras de 2011 e 2012, identificou 11 raças (raça 0, 1, 2, 3, 3N, 13N, 12, 1N, 13, 23 e 123) na Europa. Enquanto na América do Sul, outro estudo recente identificou a presença de 8 raças (raça 0, 1, 2, 3, 3N, 13N e 23N). Na Europa, a frequência de isolados pertencentes a raça 0 (que não conseguem infectar plantas com nenhum dos genes de resistência, ou seja, que não “quebraram” a resistência), é de 44,8% (Hanekamp, 2016). Enquanto na América do Sul essa porcentagem é de 71,7% (Figura 6) (Navarro et al., 2021).

Uma maior diversidade de raças e uma menor frequência de isolados avirulentos (raça 0) na Europa permite inferir que o uso dos genes de resistência Ht parece ser mais disseminado no velho continente do que na América do Sul.

doença no milho
Figura 5. Sintomas de mancha de Exserohilum turcicum são caracterizados por lesões elípticas alongadas de coloração verde-acinzentada (A). A reação de resistência (B) geralmente é caracterizada pela presença de clorose (Fonte: Navarro, 2020).
Figura 6. Frequência de raças de isolados de Exserohilum turcicum na Europa (Hanekamp, 2016), coleados em 2011 e 2012 (A) e na América do Sul (Argentina e Brasil) coletado em 2017, 2018 and 2019 (B) (Navarro et al., 2021). A raça corresponde o gene de resistência que o isolado é capaz de “quebrar” causando doença.

Fusarioses

Diversas espécies do gênero Fusarium podem causar perdas na cultura do milho. Sementes infectadas com Fusarium spp. podem causar distúrbios na germinação e emergência provocando tombamento de plantas, por isso a importância do tratamento de sementes com fungicidas. Além das sementes contaminadas, outra forma de infecção é por meio das raízes. A infecção nas espigas pode ocorrer por meio de esporos trazidos pelo vento ou pelo ataque de lagartas.

Algumas espécies podem colonizar sistemicamente a planta de forma endofítica (assintomática). Os principais danos causados por fusarioses são qualitativos e estão relacionados a produção de micotoxinas. As micotoxinas são metabólitos secundários, com função de aumentar a agressividade do fungo promovendo uma maior colonização do tecido vegetal.

Existem dois tipos de fusarioses, a podridão vermelha e a podridão rosada (Tabela 1). Na podridão vermelha, a infecção geralmente tem início na ponta da espiga podendo atingir a base. Dessa forma, a espiga é tomada por um micélio de coloração branco-avermelhado, podendo ser observada a mumificação da espiga (Figura 7A). Na podridão rosada, os principais sintomas são grãos isolados (de forma randomizada) apresentando estrias esbranquiçadas (Figura 7B).

A ocorrência de fusarioses no Brasil e na Alemanha está correlacionada às condições climáticas tropicais (clima mais quente e seco) e temperadas (clima mais ameno e chuvoso) de cada região, respectivamente. Dessa forma, a podridão rosada é mais prevalente na Alemanha e a podridão rosada é mais prevalente no Brasil.

Figura 7. Espigas de milho com sintomas de podridão vermelha causados por espécies do complexo Fusarium graminearum (A) e sintomas de podridão rosada causados por espécies do complexo Fusarium verticillioides (B) (Fonte: Navarro, 2020).

Considerações finais

O sistema de produção de milho no Brasil é bastante diferente do sistema de produção na Alemanha. A frequência de aplicações na Alemanha é de 1,47, sendo que 1,45 desse total corresponde ao uso de herbicidas. No Brasil são realizadas no mínimo 2 aplicações por safra. Um elevado número de aplicações no Brasil se deve ao controle de doenças, visto que a diversidade e a ocorrência de doenças são muito maiores quando comparada a Alemanha.

Uma maior incidência de doenças no Brasil se deve a um histórico e intensivo cultivo de milho, o que contribui para uma maior diversidade de patógenos. Na Alemanha, baixas temperaturas durante o inverno inviabilizam o cultivo de duas safras. Entretanto, uma intensificação do cultivo de milho (principalmente o monocultivo) e junto com possíveis mudanças climáticas podem aumentar a importância das doenças na Alemanha.

No Brasil, o cultivo de híbridos resistentes e o desenvolvimento de sistemas de alerta para doenças, além do uso racional de agrotóxicos (uso alternado de fungicidas com diferentes mecanismos de ação) pode reduzir o número de aplicações realizado na cultura.

Referências

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  1. Bruno A. Schlegel

    Em nossa propriedade adotamos medidas de identificação de doenças, com semeadura de materiais tolerantes e aplicação de indutores de resistencia biologico (quando nescessario) eliminado em 100% a aplicação de fungicidas

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