No Brasil, a maioria dos solos é naturalmente ácido, especialmente Latossolos e Argissolos, com pH variando entre 4,0 e 5,5. Essa acidez é causada por fatores como intemperismo, remoção de bases, hidrólise de íons, decomposição de matéria orgânica e uso de fertilizantes amoniacais.
A acidez do solo reduz a disponibilidade de nutrientes como fósforo e molibdênio, aumenta a toxidez por alumínio (Al3+) e compromete a microbiota do solo.
É aí que entra o calcário agrícola, um corretivo do solo de extrema importância para a agricultura, responsável por neutralizar a acidez e aprimorar a disponibilidade dos nutrientes presentes no solo para as plantas.
Quer saber mais sobre o que é o calcário agrícola? Como ele age no solo para neutralizar a acidez? Quando e como aplicar? Então fique conosco e boa leitura.
O que é calcário agrícola e para que serve?
O calcário agrícola é um insumo amplamente utilizado na agricultura para a correção da acidez do solo, sendo composto majoritariamente por carbonato de cálcio (CaCO₃) e/ou carbonato de magnésio (MgCO₃). Ele é obtido a partir da moagem de rochas calcárias e dolomíticas (Figura 1).

Sua principal função agronômica é elevar o pH do solo, reduzindo a atividade de íons tóxicos como o alumínio (Al³⁺) e promovendo o aumento da saturação por bases (V%).
Além disso, o calcário agrícola fornece cátions básicos essenciais (Ca²⁺ e Mg²⁺), melhora a disponibilidade de nutrientes e favorece a atividade microbiológica, contribuindo para a melhoria das condições físico-químicas e biológicas do solo.
Quais os tipos de calcário e como escolher o ideal?
Os calcários agrícolas são classificados com base na proporção de cálcio e magnésio presentes:
- Calcário calcítico: ter de MgO menor que 5%.
- Calcário dolomítico: teor de MgO maior que 12%.
A classificação intermediária de “calcário magnesiano” (entre 5 e 12% de MgO) não é mais reconhecida oficialmente pela legislação.
Reações químicas típicas dos calcários convencionais:
CaCO3.MgCO3+ H2O (solo) ⬄ Ca2+ + Mg2+ + HCO3- + OH– (kb1 = 2,2 x 10-4)
HCO3- + H2O (solo) ⬄ H2CO3 + OH– (kb2 = 2,4 x 10-8)
OH– + H+ (solução do solo) ⇨ H2O
OH– + Al3+ (solução do solo) ⇨ Al(OH)3 (precipitado)
H2CO3 ⇨ CO2 + H2O
Tempo médio para conversão do carbonato em hidroxila no solo: até 3 meses.
Outros tipos de corretivos
Cal virgem: obtida por calcinação do calcário (CaCO3.MgCO3) a 1000ºC por 24h, formando óxidos (CaO, MgO) + CO2.
- Os óxidos (CaO e MgO) tem alta reatividade, maior custo e menor efeito residual.
- Alta solubilidade, reatividade imediata;
- Aumenta concentração de Ca, Mg e ânion corretivo (dobra);
- Aumenta PN e PRNT (reduz dose);
- Aumenta velocidade (pode corrigir mais próximo do plantio).
Cal hidratada: é a calcinação completa do calcário em alto-forno e posterior hidratação: CaO.MgO (cal virgem) + H2O ⇨ Ca(OH)2.Mg(OH)2 (cal hidratada) + calor (reação exotérmica).
- Ação neutralizante:
Ca(OH)2.Mg(OH)2 + H2O (solo) ⇨ Ca2+ + Mg2+ + 4OH– (solução do solo)
OH– + H+ (solução do solo) ⇨ H2O
OH– + Al3+ (solução do solo) ⇨ Al(OH)3 (precipitado)
- Vantagens: A cal diidratada diminui o peso e dobra a capacidade de correção, de reação quase imediata (porque a conversão do carbonato em hidroxila é feita no alto forno).
- Desvantagens: Granulometria menor e aumenta a deriva (granular), e aumenta custo, causticidade e menor residual.
Escória básica: subproduto da siderurgia (ferro e aço), rica em silicato de cálcio (CaSiO3) e o silicato de magnésio (MgSiO3). Uso restrito por custo e baixa reatividade. Entretanto, apresenta a mesma reação do calcário, libera 2 OH– no meio.
CaSiO3.MgSiO3 (escória) + H2O (solo) ⇨ Ca2+ + Mg2+ + 2SiO32- (sol. solo)
SiO32- + H2O (solo) ⇨ HSiO3- + OH– (kb1 = 1,6 x10-3)
HSiO3- + H2O (solo) ⇨ H2SiO3 + OH– (kb2 = 3,1 x 10-5)
OH– + H+ (solução do solo) ⇨ H2O
OH– + Al3+ (solução do solo) ⇨ Al(OH)3 (precipitado)
O tempo para a reação de conversão do silicato em hidroxila é de até 3 meses.
De forma geral os carbonatos e silicatos tem menor reatividade, já os óxidos e hidróxidos apresentam alta reatividade.
| Óxidos e Hidróxidos > carbonatos e silicatos |
Características dos corretivos de acidez
Além da composição química, é essencial considerar as características dos corretivos de acidez:
- Natureza química dos constituintes: velocidade teórica de reação.
- Solubilidade: o calcário agrícola tem baixíssima solubilidade em água (Tabela 1), porém no solo outros fatores também são importantes (acidez, microrganismos, matéria orgânica).
Tabela 1. solubilidade dos neutralizante de acidez em água
| Espécie neutralizante | Solubilidade em água, 25ºC |
| CaCO3 | 0,014 g/L |
| MgCO3 | 0,106 g/L |
| Ca(OH)2 | 1,85 g/L |
| Mg(OH)2 | 0,009 g/L |
| CaSiO3 | 0,095 g/L |
Portanto, o calcário deve-se aplicar pó e incorporar (contato). O tempo para reação completa no solo dura em média cerca de 3 meses, exceto oxidados com CaO que é mais rápido, porém, MgO mais lento. Lembrando que a água é um fator importante no processo. Portanto o tempo de reação depende da presença de água no solo.
- Teores de cálcio e magnésio: a legislação exige mínimos de %CaO + %MgO: 38% nos calcários e outros (marga, sambaquis, escórias); 68% nas cais virgens agrícolas; 50% nas cais hidratadas agrícolas; 43% nos calcários calcinados.
- Poder de neutralização (PN): é estimado pela equivalência de carbonato de cálcio. Refere-se à capacidade química de neutralizar o solo, comparada ao CaCO3. Produtos como CaO e MgO têm PN mais elevado que os carbonatos.
Como se calcula o ECaCo3?
Para o cálculo é importante conhecer a massa molecular dos elementos:
- Massa molecular do CaCO3 = 40 + 12 + (16*3) = 100
- Massa molecular do MgCO3 = 24 + 12 + (16*3) = 84 (mais leve)
| Massa molecular do CaCO3 | = | 100 | = | 1,79 X 100 = 119 (ECaCO3) |
| Massa molecular do MgCO3 | 84 |
Como podemos observar, 100 kg de MgCO3 tem a mesma capacidade neutralizante que 119 kg de CaCO3. Portanto, MgCO3 corrige 19% a mais que CaCO3. A tabela abaixo apresenta o poder neutralizante dos demais materiais (Tabela 2).
Tabela 2. Poder de neutralização (PN) dos principais corretivos de acidez do solo
| Material neutralizante | Poder de neutralização ou equivalente ao CaCO3(%) |
| CaCO3 | 100 |
| MgCO3 | 119 |
| CaO | 179 |
| MgO | 248 |
| Ca(OH)2 | 135 |
| Mg(OH)2 | 172 |
| CaSiO3 | 86 |
| MgSiO3 | 100 |
Exemplo: Calcário CaO = 32% x 1,79 = 57,3% + Mgo = 14% x 2,48 = 34,7%, logo o PN do calcário é 92%.
– Por isso PN pode ter valores acima de 100%;
– CaO tem 79% mais correção que CaCO3 por tonelada de cada produto;
– Presença de Mg aumenta o PN, porque diminui o “peso” do produto e mantém a quantidade de neutralizante.
- Granulometria (Reatividade – RE): Corresponde à percentagem do produto que reage nos primeiros 90 dias após a aplicação. Quanto mais fino, maior a reatividade. Produtos moídos abaixo de 0,30 mm têm RE de até 100% em condições ideais de umidade (Tabela 3).
Tabela 3. Fração granulométrica e reatividade do calcário
| Fração granulométrica | Reatividade (RE) | |
| Peneira nº (ABNT) | Dimensão (mm) | %* |
| maior que 10 | maior que 2 | 0 |
| 10-20 | 2-0,84 | 20 |
| 20-50 | 0,84-0,30 | 60 |
| menor que 50 | menor que 0,30 | 100 |
Como realizar o cálculo da RE?
O cálculo de RE é bem simples, basta multiplicar o percentual de calcário retido em cada peneira e pela taxa de RE de cada peneira.
Vamos considerar uma situação hipotética em que na peneira >10 ficou retido 1,1%, peneira 10-20 (18,6%); peneira 20-50 (25,7%) e na peneira <50 (54,5%). Agora basta multiplicar e somar:
1,1% (retido) x 0% (taxa de RE) = 0,00%
18,6% x 20% = 3,72%
25,7% x 60% = 15,42%
54,5% x 100% = 54,50%
A soma é igual a 73,64%. Portanto, a RE do desse calcário é 73,64
– Quanto mais fino, maior a RE, maior a quantidade que vai reagir em até 3 meses;
– Ponto forte de maior RE: > PRNT e < dose a ser aplicada;
– Ponto fraco de maior RE: > deriva na aplicação e < efeito residual.
- PRNT (Poder relativo de neutralização total): percentual de ação do PN que vai ser utilizada na neutralização da acidez do solo em até 3 meses, em função de como está a granulometria do corretivo.
Como calcular o PRNT?
Para o cálculo vamos considerar os valores de PN e RE obtidos anteriormente, em que, o PN é 92% e RE é 63%.
Exemplo de cálculo:
PRNT = (PN x RE) / 100
PRNT = (92 x 63) /100 = 68%
Portanto, o PRNT desse calcário é igual a 68%. Podemos concluir que o produto tem 92% de capacidade em relação ao CaCO3, porém só 68% agem em 3 meses em função da moagem.
- Efeito residual (ER): refere-se aoquanto do PN não reage em função da granulometria grosseira, e pode agir depois dos 3 meses.
Para calcular o ER vamos considerar os valores anteriores de PN (92%) e PRNT (68%) e substituir na fórmula abaixo:
ER = PN – PRNT
ER = 92 – 68 = 24%
Conforme resultado, 24% do calcário pode reagir após os 3 meses. Calcário com ER é mais interessante utilizar em culturas perenes.
Quais são as garantias mínimas para comercialização dos corretivos de acordo com a legislação?
Existe uma classificação quanto as garantias dos corretivos do solo que devem ser seguidas, conforme a tabela 4.
Tabela 4. Garantias mínimas dos corretivos de acidez.
| Materiais corretivos de acidez | PN (% Eq CaCO3) Mínimo | Soma % CaO % MgO Mínimo | PRNT Mínimo |
| Calcário agricola | 67 | 38 | 45 |
| Cal virgem agrícola | 125 | 68 | 120 |
| Cal hidratada agrícola | 94 | 50 | 90 |
| Calcário calcinado agrícola | 80 | 43 | 54 |
| Outros corretivos de acidez | 67 | 38 | 45 |
Como e quando aplicar o calcário agrícola?
Época ideal: aplicar com antecedência de 60 a 90 dias antes do plantio, para permitir que o produto reaja e corrija a acidez.
Formas de aplicação:
- Área total: incorporação ao solo (20 a 25 cm), por meio de operações como aração e gradagem.
- Aplicado superficialmente (plantio direto): exige PRNT elevado e um planejamento de médio a longo prazo, dado o tempo necessário para que a reação alcance as camadas subsuperficiais (Figura 2).

Fotos: Prof. Dr. Paulo Sérgio Pavinato.
Utilizar de preferência calcário agrícola com alta RE em plantio direto, a granulometria mais fina potencializará a percolação do calcário agrícola na camada superficial do solo.
- Sulco ou projeção da copa (culturas perenes): localização direcionada conforme sistema radicular (Figura 3).

Fotos: Prof. Dr. Paulo Sérgio Pavinato.
A recomendação deve ser baseada em análise química do solo, segundo metodologias preconizadas por instituições como a EMBRAPA ou os boletins técnicos de adubação e calagem regionais.
Quanto custa o calcário agrícola?
O preço do calcário agrícola é relativamente baixo quando comparado a outros insumos. No entanto, o frete representa parcela significativa do custo final, visto que se trata de um produto de baixa densidade econômica.
Em termos gerais, o preço do calcário agrícola é em torno de R$ 200,00 por tonelada, a depender do tipo, PRNT e distância da jazida à propriedade rural, podendo ultrapassar R$ 500,00 por tonelada na região norte, devido a logística.
Benefícios do uso do calcário agrícola para a lavoura
- Neutralização da acidez do solo e redução da toxidez por Al³⁺
- Fornecimento de Ca²⁺ e Mg²⁺
- Aumento da disponibilidade de fósforo e outros nutrientes
- Melhoria da estrutura do solo e da agregação de partículas
- Estímulo à atividade de microrganismos benéficos
- Aumento da eficiência da adubação e da absorção de nutrientes pelas plantas
- Incremento da produtividade das culturas e sustentabilidade do sistema de produção
Cuidados no uso do calcário agrícola
- Não aplicar diretamente sobre mudas ou folhas.
- Superdosagens podem causar desequilíbrios nutricionais (excesso de Ca inibe Mg e K).
- Avaliar corretamente o PRNT antes de definir a dose.
- Fazer calagem com base em análise de solo.
- Monitorar a necessidade a cada 2 a 4 anos (frequência depende do tipo de solo e manejo).
Além disso é importante se atentar na concentração de MgO, conforme explica o professor Rafael Otto, , da ESALQ/USP:
Como calcular a necessidade de calagem?
O Boletim 100 (2022) recomenda o método da saturação por bases:
NC (t/ha) = [(V2 – V1) x CTC x f] / (10 x PRNT)
SB = Ca + Mg + K
V1% = SB/CTC
em que,
- NC: necessidade de calagem (t/ha)
- V2: saturação por bases desejada para a cultura (%), ex: 70% para café, milho, soja, etc.
- V1: saturação de bases atual (%), obtido na análise de solo
- *CTC: capacidade de troca de cátions a pH 7,0 em mmolc/dm3
- PRNT: Poder Relativo de Neutralização Total do corretivo (1 t/ha PRNT 100% = 10 mmolc/dm3 Ca + Mg)
- f: fator de incorporação (1 para 0-20 cm, aumenta 25% cada 5 cm. Ex.: 1,5 se incorporar 30 cm)
- *caso a análise for em cmolc/dm³, não dividir por 10 o resultado.
Exemplo: Para um solo com CTC = 40 mmolc/dm3, V1 = 37%, V2 = 70%, f = 1, PRNT = 80%:
NC = [(70 – 37) x 40 x 1] / (10 x 80) = 1,65 t/ha
Esse valor pode ser ajustado conforme PRNT, tipo de solo, cultura e manejo.
Conclusão
Nesse artigo você viu que a calagem é a base no manejo da fertilidade dos solos tropicais.
O uso adequado do calcário agrícola, fundamentado na análise de solo e nas recomendações técnicas, promove a correção da acidez, melhora a eficiência dos fertilizantes e contribui diretamente para o aumento da produtividade agrícola.
O planejamento da aplicação, associado à escolha correta do tipo de calcário e à atenção ao PRNT, é fundamental para otimizar os resultados agronômicos e econômicos dessa prática.
Lembre-se que é importante consultar um engenheiro agrônomo para realizar os cálculos e recomendações.
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Referências
RAIJ, B. van; QUAGGIO, J. A.; CANTARELLA, H.; et al. Boletim 100:Recomendações de Adubação e Calagem para o Estado de São Paulo. Campinas, SP: Instituto Agronômico de Campinas (IAC); Fundação IAC, 2022. 500 p.
Sobre o autor:

João Paulo Marim Sebim
Doutorando em fitotecnia (ESALQ/USP)
- Mestre em Produção Vegetal (UFAC)
- Engenheiro Agrônomo (UFAC)
Como citar este artigo:
SEBIM, J.P.M. Calcário agrícola: o que é, como aplicar e qual o impacto na produtividade da lavoura. Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-calcario-agricola/. Acesso: xx Xxx. 20xx.



